26.3.06

Águas de Março


Amo domingos chuvosos. A gente fica impedido de saracotear pela rua, nem é obrigado a aproveitar o dia outdoors, o que é quase uma imposição numa cidade tão bonita quanto o Rio. O domingo chuvoso é uma dádiva: somos obrigados a descansar.
Isso quando não se abre a geladeira e se descobre que há necessidades físicas básicas da família a serem satisfeitas. Aproveitando uma estiada, corri a cumprir um de meus programas de índio mais habituais: o supermercado dominical. Aparentemente, meio Botafogo decidiu fazer o mesmo que eu. Guarda-chuva em punho, apeei do carro e literalmente caminhei sobre as águas no Sendas, que havia sido alagado durante o temporal da manhã (a São Clemente, como sempre, se transformara em rio, minha vizinha da frente avisara. Mas só saí depois que as águas baixaram). Uma funcionária do supermercado informava que não houvera alagamento, mas que a água caíra de goteiras, que ainda rorejavam em baldes espalhados pelos corredores. Outra lei do supermercado, que segue a lógica das agências bancárias no quesito como atender mal ao público, era cumprida à risca: apenas seis das 114 caixas estavam abertas.
Por que eu ainda vou a esse supermercado? Lá só compro praticamente enlatados e tudo o que for industrializado. Não confio em comprar carnes de forma alguma, porque eles praticam - ou parecem praticar - outra máxima da desonestidade contra o consumidor: desligam geladeiras à noite. Então, vou às compras desconfiada.
Desconfiar é um verbo que conjugamos diariamente neste país. Desconfiamos da polícia, do comerciante, do vizinho, do professor, do médico, do jornalista, do chefe, do empregado. De políticos, juízes, religiosos, ricos e miseráveis.
Queria acordar um dia e poder voltar a sentir confiança, mais que esperança.
E, num toque surrealista, nesta cidade em que a natureza insiste em se manter exuberante e sorridente, bombeiros lutam para capturar três jacarés que surgiram em meio a uma favela no Recreio dos Bandeirantes, provavalmente seguindo o curso das águas que os retirou de algum charco da região. Já houve quem reclamasse de uma matéria em jornal americando, no milênio passado, falando sobre macacos e cobras à solta pela cidade...

2 comentários:

Anônimo disse...

Acho também que domingo chuvoso é uma dádiva. Dizem que nos países frios as pessoas refletem melhor porque são obrigadas e se voltar para si mesmos. É bom para escrever, crescer, ler.
Mas, êta, que um solzão também é bom demais, né? E, afinal, quem precisa refletir tanto????

Beijos ensolarados e às vezes chuvosos,
Regina

Olga de Mello disse...

O problema do tempo ruim é que ele deprime e sol libera endorfina. Mas o sol podia vir mais manso nesta São Sebastião, às vezes, não? saudades...