29.4.08

Na repartição

Após 40 minutos rodando por Ipanema em busca de estacionamento e vivenciando aquelas cenas de sitcom estilo Seinfeld, com vagas surgindo exatamente a centímetros atrás de mim e sendo ocupadas por outros veículos, capitulei e deixei uma fortuna no Rio Park em frente à Praça Nossa Senhora da Paz. Afinal, havia rodado exatamente cinco quilômetros. E então me dirigi, pronta para perder meu dia, à Receita Federal.
Eu já chego nessas repartições pensando que vão render croniquetas. Porque se não for com boa vontade, melhor é pagar multas e se livrar das horas de tormento. Lógico que deixei para ver o número de meu recibo de declaração do ano passado no penúltimo dia do prazo para entrega das satisfações ao Leão. Lógico que quem vai à Receita nesse dia também está atrasadinho, então, imagina-se, todos os metódicos ordeiros já estarão dando lições de organização e métodos em filas de bancos, cinemas, teatros, supermercados. Ledo engano. Por sorte, a Receita estava razoavelmente vazia, mas, atrás de mim, havia uma senhora munida de diversos recibos e formulários, indignada porque
1) uma velhinha resmungava que não era atendida há horas e que poderia passar a frente de todo mundo;
2) estava atrás de mim, uma desorganizada sem recibo ou cópia das últimas declarações, feitas em computador.
Bem, eu guardo religiosamente TODAS as declarações de imposto de renda que faço há 25 anos, desde a época em que eram em papel. Porém, no momento em que elas passaram a ser entregues pela Internet eu jamais as imprimi. Por que? Ah, não tenho impressora, ora. Esta imperdoável omissão não me trouxe tantos dissabores assim. Afinal, só fui à Receita três vezes na vida. Em 25 anos de contribuição para os cofres da Nação, vamos convir, é pouco.
Em repartição pública é que os personagens são sempre os mesmos, trocando apenas os intérpretes. Tem a velhinha resmungona, o velhinho surdo, a senhora enfezada cheia de documentos, indignada com a vida, o jovem completamente distraído e com cara de chapado que foi ali sabe-se lá por quê, o senhor circunspecto, aborrecido com as exigências da Receita, as jovens patricinhas lindas que perderam o CPF, e o grupo que clama aos céus contra o governo federal, que nos expolia apenas no mandato atual para pagar as plásticas de Dona Marisa Letícia.
Aliás, este governo parece ser o primeiro a gastar dinheiro com plástica de primeira dama, doença de presidente, corrupção e bolsas de auxílio a pobres. Ah, tem também a viúva de militar ou o milico aposentado que se indignam com os baixíssimos vencimentos e a tungada de impostos sofrida.
E lá, em outra sala, no atendimento, os funcionários são gentis, simpáticos e conversadores. Em cinco minutos recebo o número do recibo de minha entrega de declaração do ano anterior, cópias de declarações dos três últimos anos (eu queria cinco, mas ele disse que não preciso, não, "bobagem, pra que guardar tanto papel, querida?"), aproveita para tirar o recibo da declaração do pai dele, que faz o pedido pelo celular, pergunta sobre o livro que eu carrego e me deseja um bom dia.
Passei apenas quinze minutos na Receita. A senhora irada e a velhinha acompanham minha saída com olhares furibundos. Está um calorão na rua, mas Ipanema compensa até um estacionamento tão absurdo quanto pagar impostos sobre salários - e não renda.

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