30.4.08

Aonde você estava em maio de 68?


Eu me lembro de meu pai querendo acabar o filme com esta foto, me mostrando com meu vestidinho quadriculado amarelinho, com alcinhas e bordado inglês. A cara amuada é porque fui interrompida em minha brincadeira com bonecas de papel para posar.

Em 1968, eu tinha sete anos e os passeios do colégio à fábrica da Kibon foram cancelados porque os "estudantes", aquela corja comunista, iriam apedrejar ônibus escolares que passassem pelas ruas do subúrbio. Nem eu acreditei que os garotos fossem tão mobilizados assim, que fariam campanas nas portas das indústrias, saberiam o calendário de visitas de colégios e estariam a postos, prontos a ferir criancinhas do curso primário.
Em 1978, eu ainda estava para entrar na faculdade, e só queria mesmo era dançar discoteca depois da praia.
Em 1988, tive meu primeiro filho.
Em 1998, eu só queria sobreviver.
Em 2008, acho muita graça desses milhares de relatos sob diferentes óticas a respeito dos herdeiros de 68. A direita festiva lamenta a manipulação socialista das mentes puras dos jovens, enquanto dardeja ataques à suposta reeleição urdida pelo golpista Lula, esquecendo-se, naturalmente, que a prática clientelista foi do FHC, ao "aproveitar" a mudança legislativa que permitiu sua permanência no poder por oito anos.
Eu nunca vi um governo ser alvo de tantas críticas apaixonadas quanto o atual. Não que não tenha defeitos. Tem, e muitos. Agora, é pecado mortal o cara não ter completado os estudos? Ele bem que poderia fazê-lo, claro, mas não quis. Dizer que o homem é burro e ignorante é pura cegueira mental. Ninguém se torna presidente do mais importante sindicato da América Latina por injunções políticas. Lula fala bem, é carismático e sabe dominar como poucos uma platéia. Fala erradinho, conta uma piadinha, conquista todo mundo. E, para desespero dos adversários, pegou o País no momento certo. Pela primeira vez a direita se mostrou totalmente incompetente na escolha de um representante.
Agora, no entanto, pode se armar à vontade, com tranqüilidade. Porque o PT, entre todos os desastres que perpetrou, não conseguiu ainda um nome para a sucessão. E, da mesma maneira que só acredito na vitória de meu time quando o juiz pega a bola e sopra o apito final, ainda não me convenci que Lula seja um antidemocrata.
Porque até a direita mais aguerrida pode ser democrática.

29.4.08


Ipanema foi minha referência nas últimas quatro décadas. Saí de lá aos 26 anos, voltei aos 34, cortei os laços com aquelas areias em 2002. Passei a freqüentar outra praia, poucos amigos permaneceram no bairro onde fomos criados.
Se o acaso me leva a caminhar em Ipanema, não sei mais quem são as figuras que transitam pelas calçadas que tanto percorri, estranho o comércio que se sofistica em determinados pontos e embreguece em outros. Mas reconheço os ventos que vêm do mar, que vislumbro da Visconde de Pirajá onde morei também. O tráfego é muito menos intenso do que em Botafogo, os pedestres caminham, não andam.
A Veronese ganhou um letreiro novo, mas a lasanha ainda deve ser deliciosa. A General Osório onde brinquei a infância inteira parece menos feiosa, toda gradeada, canteiros encobertos, no entanto porque é dia de feira. Ao lado da Veronese, o supermercado já foi Mar e Terra, agora é Zona Sul. Que aliás, teve sua primeira loja na esquina da Teixeira de Melo. Era um mercadinho modesto, mas bem estruturado, desde seu início, próximo à Casa Mattos. Morei na Visconde de Pirajá 8, em cima da Colegial, onde comprava uniforme de colégio. Dali, fui para a Barão da Torre 15, aos 10 anos, bem depois das enchentes de 66, quando o Cantagalo caiu e a portaria do prédio foi coberta de lama. Quando chovia muito, saíamos do Notre Dame pela Nascimento Silva, uma aventura divertidíssima na rotina das meninas de colégio de freiras, sem grandes novidades.
Aos 13 anos comecei a ir sozinha à praia, liberando meu pai de me tutelar no Castelinho. Na praia estreitei ou fiz grandes amizades que perduram até hoje. Ali, me iniciei na arte da paquera e do amor platônico, pois os amores reais, naqueles tempos de sexo não abençoado pela família, se concretizavam em outras plagas.
A praia era uma conquista diária de território que só abandonava nos fins de semana de verão, insuportavelmente cheios. Nenhuma areia é mais quente ou mais suave que a de Ipanema, que fazia um ruído deliciosamente chiado quando a atravessavamos. Eu invejava o mar calmo de Copacabana, mas me congratulava pela longa extensão branca até as águas geladas e quase sempre furiosas do Posto 8, que se tranqüilizavam no verão, mas congelavam quem tentava se refrescar nelas.
Saíamos de Ipanema em busca de cinemas melhores que o Pirajá, cujos porteiros não ligavam para a idade dos espectadores que assistiam sessões contínuas de "Sunshine" ou "Uma janela para o Amor". O melhor cinema era o Pax, no prédio da Igreja, mas houve também o Bruni 70, no Bar Vinte, e o pequeníssimo Poeira, na Jangadeiros. Foi lá que vi, pela primeira vez, "O Mágico de Oz". Todos deram lugar a edifícios ou galerias com lojas, mesmo destino das duas casas que abrigaram o Jangadeiro.
A Ipanema que nasce neste século é tão linda quanto a que me criou.

Na repartição

Após 40 minutos rodando por Ipanema em busca de estacionamento e vivenciando aquelas cenas de sitcom estilo Seinfeld, com vagas surgindo exatamente a centímetros atrás de mim e sendo ocupadas por outros veículos, capitulei e deixei uma fortuna no Rio Park em frente à Praça Nossa Senhora da Paz. Afinal, havia rodado exatamente cinco quilômetros. E então me dirigi, pronta para perder meu dia, à Receita Federal.
Eu já chego nessas repartições pensando que vão render croniquetas. Porque se não for com boa vontade, melhor é pagar multas e se livrar das horas de tormento. Lógico que deixei para ver o número de meu recibo de declaração do ano passado no penúltimo dia do prazo para entrega das satisfações ao Leão. Lógico que quem vai à Receita nesse dia também está atrasadinho, então, imagina-se, todos os metódicos ordeiros já estarão dando lições de organização e métodos em filas de bancos, cinemas, teatros, supermercados. Ledo engano. Por sorte, a Receita estava razoavelmente vazia, mas, atrás de mim, havia uma senhora munida de diversos recibos e formulários, indignada porque
1) uma velhinha resmungava que não era atendida há horas e que poderia passar a frente de todo mundo;
2) estava atrás de mim, uma desorganizada sem recibo ou cópia das últimas declarações, feitas em computador.
Bem, eu guardo religiosamente TODAS as declarações de imposto de renda que faço há 25 anos, desde a época em que eram em papel. Porém, no momento em que elas passaram a ser entregues pela Internet eu jamais as imprimi. Por que? Ah, não tenho impressora, ora. Esta imperdoável omissão não me trouxe tantos dissabores assim. Afinal, só fui à Receita três vezes na vida. Em 25 anos de contribuição para os cofres da Nação, vamos convir, é pouco.
Em repartição pública é que os personagens são sempre os mesmos, trocando apenas os intérpretes. Tem a velhinha resmungona, o velhinho surdo, a senhora enfezada cheia de documentos, indignada com a vida, o jovem completamente distraído e com cara de chapado que foi ali sabe-se lá por quê, o senhor circunspecto, aborrecido com as exigências da Receita, as jovens patricinhas lindas que perderam o CPF, e o grupo que clama aos céus contra o governo federal, que nos expolia apenas no mandato atual para pagar as plásticas de Dona Marisa Letícia.
Aliás, este governo parece ser o primeiro a gastar dinheiro com plástica de primeira dama, doença de presidente, corrupção e bolsas de auxílio a pobres. Ah, tem também a viúva de militar ou o milico aposentado que se indignam com os baixíssimos vencimentos e a tungada de impostos sofrida.
E lá, em outra sala, no atendimento, os funcionários são gentis, simpáticos e conversadores. Em cinco minutos recebo o número do recibo de minha entrega de declaração do ano anterior, cópias de declarações dos três últimos anos (eu queria cinco, mas ele disse que não preciso, não, "bobagem, pra que guardar tanto papel, querida?"), aproveita para tirar o recibo da declaração do pai dele, que faz o pedido pelo celular, pergunta sobre o livro que eu carrego e me deseja um bom dia.
Passei apenas quinze minutos na Receita. A senhora irada e a velhinha acompanham minha saída com olhares furibundos. Está um calorão na rua, mas Ipanema compensa até um estacionamento tão absurdo quanto pagar impostos sobre salários - e não renda.

O lanterneiro dos meus sonhos


Todo mundo que vê Homem de Ferro já avisa que gosta mais do Homem Aranha, do Batman, do Hulk, do Capitão Marvel, mas dá até gosto ver o Robert Downey Jr na pele do Tony Stark, coadjuvada pela competência de Jeff Bridges, convenientemente encarecado para ser o mauzão. Jon Favreau, o ator/diretor, faz uma ponta, tem o gatésimo Terrence Howard, mais uma totalmente destoante Gwyneth Paltrow e, at last but not least, Stan Lee em sua já tradicional aparição especial para deleite dos meninos na platéia.
O junkie Downey Jr tira de letra o papel do nerd bilionário e mulherengo, chegado numa birita. E até convence ao usar um elástico, alguns grampos, cola, preguinhos e material bélico variado para construir sua armadura moderninha em pleno deserto do Oriente Médio. Queria ver era ele encarar uma lanternagem em meu velho carroção, o Abatido. Ah, meu Deus, era tudo o que eu queria...

26.4.08

Meu destino é pecar


De inocente, só a tradução para o título original de Savage Grace, de Tom Kalim, um cineasta que adora uma historinha bizarra, com bastante perversidade. O filme é bom, mas a história, para quem não sabe, estarrece. Incesto, loucura, assassinato. Tudo sem o menor pudor. Derrubando qualquer limite, seja família ou amizade. Baseado em história real, daquelas que a gente curte muito, de gente riquíssima que se entrega aos mais variados prazeres depravados para encobrir seu próprio tédio e suas paranóias com a sociedade hipócrita de qualquer época da Humanidade.
Nas mãos de um Polanski ou na cabeça de um Nelson Rodrigues daria um caldo bem mais saboroso. Ficou muito próximo a telefilme.
La Moore, como sempre, ótima, elenco na medida exata. Mas é tudo na medida exata, quase como na vida real, embalado em boa fotografia. Faltou sangue.

Só uma vez


... dá para ver Once. É aquele filminho bonitinho, com canções dolentes e estridentes, bem moderninhas, agradáveis, atores simpáticos, tudo meio sujinho e nublado, passando o clima de Dublin, metido a realista. E o ganhador do Oscar, o ruivo Glen Hasard, já foi um jovem cabeludo guitarrista em The Commitments, este, sim, um musical bem construído.

Cassandra's Dream



Definitivamente, Woody Allen percebe a Inglaterra como cenário ideal para o crime. Os três filmes ambientados em Londres - e cercanias - poderiam ser filmados em qualquer lugar, claro, porém, com sotaque britânico fica mais charmoso.
O problema de Cassandra's Dream, basicamente, é o de ter sido feito depois de Match Point. Tá, houve Scoop entre ambos, mas esse era comédia declarada. Match Point era mais cáustico, com um protagonista sem caráter algum. Os dois irmãos vividos por Ewan McGregor e Colin Farrell são maduros o suficiente para rejeitarem a proposta criminosa do tio ricaço (Tom Wilkinson, como sempre soberbo), mas sofrem com o dilema de ajudar a família e, em troca, forrar o bolso de dinheiro. É tão previsível, cheio de clichês, como a apresentação de um determinado objeto que, no fim, terá papel importante na trama.
Se funciona bem? E Woody Allen alguma vez faz porcaria? A gente pode gostar menos de algum filme dele - teve o da Cristina Ricci, um horror -, mas nunca fica indiferente. O elenco principal e coadjuvantes, entre eles JohnBenfield e Claire Higgins como os pais dos rapazes, é perfeito. Mas isso já é marca registrada de Woody Allen. Ficou devendo algo tão extraordinário quanto sua primeira incursão inglesa.



Do Valor, ontem

O mal-estar da civilização
Por Olga de Mello, para o Valor, do Rio
25/04/2008


"Bereavement", de Arnulf Rainer/Reprodução
Hoje ninguém quer sentir dor, melancolia, angústia ou tristeza, mesmo que a receita do remédio seja obtida com um especialista de outra área médica


Celebrado mundialmente pela qualidade de sua obra literária, o escritor William Styron pensou em suicídio, na década de 1980, durante um gravíssimo episódio depressivo. Passada a crise, Styron foi um dos primeiros intelectuais a expor suas condições de saúde ao tentar explicar o distúrbio publicamente. O relato de seu intenso sofrimento, originalmente apresentado em palestra para psiquiatras, se transformou no artigo jornalístico que serviu de base para "Perto das Trevas" (Rocco, R$ 19,00). No livro, a evolução da doença é detalhada das primeiras manifestações até o desespero do paciente por não encontrar sentido na existência, mesmo compreendendo racionalmente os sintomas que experimentava.


O prestígio do romancista não foi suficiente para reduzir o estigma da depressão, que, quase 30 anos depois, é uma das principais causas de afastamento de trabalho no mundo inteiro. Os bons resultados obtidos pelos antidepressivos na década de 1990 fizeram dos transtornos emocionais tema de interesse da mídia. A terminologia se modificou, porém a informação sobre a doença ainda é pequena.


"Os males do viver continuam envoltos em uma névoa, sem abordagem objetiva. Está na hora de exorcizar o preconceito contra a psiquiatria e contra os pacientes psiquiátricos", afirma a jornalista Cátia Moraes, autora de "Eu Tomo Antidepressivo, Graças a Deus! - Pacientes e Médicos Desmistificam o Tratamento Psiquiátrico" (Best-Seller, R$ 24,90). Durante dois anos, Cátia entrevistou médicos e recolheu depoimentos de quem passou por diferentes tipos de surtos depressivos, montando um guia sobre manifestações, medicamentos e terapias usados atualmente no tratamento da depressão, incluindo a eletroestimulação, os temidos eletrochoques, administrados hoje com intensidade e quantidade inferiores do que se costumava aplicar no passado.


Com um histórico familiar de depressão, desde muito jovem Cátia ouvia menções veladas ao transtorno, assim como a qualquer manifestação de distúrbios mentais. "Há uma tendência à generalização. Sintomas, patologias, transtorno bipolar, depressão, síndrome do pânico, anorexia, tudo é abordado com um tom misterioso. Vira um assunto meio proibido, como se não fossem problemas orgânicos. Eu quis derrubar as barreiras que cercam a depressão e os problemas de saúde mental em geral", explica.


Para a jornalista Marina W., que em 2005 lançou "Não Sou Uma só: O Diário de Uma Bipolar" (Nova Fronteira, R$ 24,90), as informações sobre doenças mentais ainda estão restritas a poucos. "Eventualmente recebo e-mails de pessoas que estão em círculos mais avessos a essas discussões, nos quais a doença mental permanece como um tabu a ser mantido camuflado. Um policial militar já me escreveu para revelar-se bipolar e identificado com minha história", conta Marina, que observa, apreensiva, a tendência brasileira de amenizar a doença mental e recorrer a qualquer médico para obter remédios de venda controlada. "Parece que todo mundo está vivendo sob a tarja preta. É um pouco perigoso confundir os sintomas. A euforia do bipolar não é produtiva, a depressão é uma doença séria. Hoje ninguém quer sentir dor, melancolia, angústia ou tristeza, mesmo que a receita do remédio seja obtida com um especialista de outra área médica."


"As empresas devem ficar atentas às perdas porque esses afastamentos tendem a aumentar em todas as profissões", afirma Joel Birman


O excesso no uso de medicamentos é quase tradicional no Brasil, em especial nas classes menos favorecidas financeiramente. "As camadas populares sempre foram medicalizadas. Muitos médicos, psiquiatras ou outros especialistas receitam tranqüilizantes ou antidepressivos indiscriminadamente. Vivemos encharcados de medicamentos, com uma capacidade cada vez menor de elaborar a angústia e a tristeza que fazem parte da vida. E isso no momento em que, do ponto de vista científico, já se coloca a eficácia dos antidepressivos em dúvida. Uma pesquisa nos Estados Unidos para saber dos efeitos da droga obteve respostas idênticas com pacientes que usaram placebo", informa o psiquiatra e psicanalista Joel Birman, professor de Medicina das Universidades Federal e do Estado do Rio.


Mais de 83 mil brasileiros se afastam do trabalho todo ano por problemas de saúde mental. Esses afastamentos aumentaram 260% de 2000 a 2006, conforme pesquisa do Laboratório de Saúde do Trabalhador da Universidade de Brasília (UnB), que faz o monitoramento de incapacidade para trabalho no Brasil. Em 2006, os transtornos do humor representaram o segundo motivo de ausência de trabalho. Só em auxílio-doença para quem sofria de transtornos neuróticos e relacionados a estresse, o INSS gastou R$ 90 milhões, estimando uma média de 94,8 dias de licença concedidos a cada empregado. Esse tipo de distúrbio tem sido o principal motivo de licenças para quem trabalha em intermediação financeira (bancos), atividades de informática, educação e fabricação de máquinas para escritório, estando acima do grupo de doenças relacionadas a lesões por esforço repetitivo, como tendinites e tenossinovites.


O avanço tecnológico no tratamento dos sintomas das doenças mentais surgiu antes de serem determinadas as causas dos trasntornos. Segundo a médica Anadergh Barbosa, especialista em Saúde Ocupacional e coordenadora do laboratório da UnB, a depressão corresponde a 49% das doenças mentais por afastamento, mas é difícil caracterizar sua relação com o trabalho, já que distúrbios mentais e comportamentais têm origens em diferentes fatores.


Entre os grupos de profissionais mais afetados pelos transtornos estão os que trabalham em serviços de saúde ou intermediação financeira, que apresentam taxas de afastamento duas vezes maiores do que a de metalúrgicos ou fabricantes de produtos químicos. Cátia Moraes lembra que, apesar das advertências da Organização Mundial de Saúde sobre o crescimento dos diagnósticos de depressão, empregadores e planos de saúde ignoram a importância da psicoterapia. "Existem bons serviços gratuitos nos hospitais universitários, mas nem todos têm conhecimento ou acesso a eles. O executivo, o diretor da empresa, pode pagar um tratamento, mas ao povão restam apenas os remédios, como se apenas remover o sintoma levasse à cura", afirma Cátia.


Para Birman, a depressão se destaca no momento histórico da pós-modernidade em que o homem diminuiu progressivamente seu nível de suportar dores físicas ou emocionais e, diante de um apelo de ordem social pelo desempenho, o indivíduo não pode falhar nem fracassar. "O psiquismo não acompanha essas exigências nem o tempo que se acelera frente à vida. Executivos estão entre as categorias que mais sofrem com a pressão por desempenho, por resultados. Por um lado, há uma banalização do uso dos remédios, por outro, pessoas angustiadas com as responsabilidades que são obrigadas a assumir. É preciso que se faça uma reflexão psicossocial. As empresas devem ficar atentas às perdas e reservar espaços para mudar, porque esses afastamentos por saúde tendem a aumentar em todos os campos profissionais", diz o psiquiatra.

24.4.08

E a onda que se ergueu no mar?

A terra treme, tsunamis no meio da Baía de Guanabara, as chuvas torrenciais no Nordeste ...
Cadê aquela terrinha sem furacões, terremotos ou exuberantes fenômenos da natureza?
O paspalhão do Tony Blair, que embarangou depois de apoiar o Bush na invasão ao Iraque, porque a Justiça Divina atrasa, mas não falha, pegou um trem para ir ao aeroporto e, na hora de pagar, estava sem um tostão. Lógico que os jornais deitaram e rolaram com a notícia, pois, embora seu segurança se oferecesse para pagar as passagens, o cobrador resolveu deixá-lo viajar de graça. Foi o suficiente para todos dizerem que Blair ia dar calote - o que ele merece mesmo, já que nenhuma maledicência é pequena perto da crueldade de enviar gente para matar outros por pura conveniência politiqueira.
Embora o Blair não seja exemplo para nada, sempre é interessante ver que político em outros países é gente normal. Tem segurança, claro, deve haver muita gente querendo acabar com a raça dele, mas pega condução. Político brasileiro só anda de carro. De preferência, oficial.

23.4.08

Valei-nos, São Jorge!



E as terras tremeram no 22 de abril, 508 anos depois da chegada dos portugueses.
O jeito é rogarmos para São Jorge, padroeiro de tantos cantos, em cujo dia nasceu e morreu o grande tradutor da alma humana, o bardo William Shakespeare.
Então, que estejamos livres de dores e ferimentos quando nos vestirmos com as cores e as armas de Jorge.
É, eu continuo sem fé, mas acho linda a oração a São Jorge, e bem que vou tentar chegar à igreja do Campo de Santana hoje...
Porque ser brasileiro é gostar de um santinho. Com a imagem tradicional ou com a bela estampa de James Purefoy, encarnando um George politicamente correto, que não mata o dragão. Ao contrário, o protege dos que pretendem eliminá-lo ou encarcerá-lo num zoológico.

Eu estou vestido com as roupas e as armas de Jorge
Para que meus inimigos tenham maõs e não me toquem
Para que meus inimigos
tenham pés e não me alcacem
Para que meus inimigos
tenham olhos e não me vejao
E nem mesmo o pensamento
eles possam ter para me fazeram mal
Armas de fogo
meu corpo não alcançarão
Facas e espadas se quebrem
sem o meu corpo tocar
Cordas e corentes se arrebentem sem o meu corpo amarrar
pois eu estou vestido com as roupas e as armas de jorge


20.4.08

Onomásticos


Lendo O Mistério de Olga Tchecova, a biografia da atriz russa que era sobrinha de Tchecov e que foi, provavelmente, espiã dos soviéticos na Alemanha Nazista, recordo-me de uma crônica de Carlos Eduardo Novaes, em que ele comentava a dificuldade de acompanhar nomes de personagens e cidades russas. Estou passando por este sofrimento agora, embora o autor Anthony Beevon cuidasse de montar uma lista com todos os personagens (reais) e explicar seu parentesco na apresentação do livro.
O grande problema é que os russos não se conformam em utilizar um só nome e empregam 500 apelidos além dos sufixos - os patronímicos - que indicam sua relação de parentesco. Isso sem contar com a repetição de nomes na mesma família.
Aqui no Brasil, toda Olga é neta de outra Olga. Minha tese é comprovada cientificamente por amostragens aleatórias que faço sempre que conheço alguma xará. A resposta à minha inevitável pergunta é sempre positiva. Na Rússia, entretanto, Olgas pupulam. São mais populares do que Marias.
Outro motivo de confusão é a infinidade de apelidos de que um russo dispõe. Aqui, Olgas, tradicionalmente, são Olguinhas. No máximo, Olguita e variantes, como Olguitcha ou Olguíssima (é, acontece). Na Rússia, Olga é Olia ou Olenka. Pensa que acabou? Nada. Vem depois o patronínimo indicando quem é seu pai ou seu sogro e seu marido. Dependendo do sufixo, se descobre a vida inteira da criatura.
Ainda tem a confusão adicional que fazemos por utilizarmos apelidos masculinos, como 'Vania', que é Joãozinho, para batizar meninas. Mais recentemente, Sasha, que era Alexandrinho, também tomou feições femininas no Brasil. O Alexandre passa de Alexei a Aliocha em duas páginas, recebendo, na seguinte, um Sacha Ivanovitch, para deixar o leitor mais tonto ainda.
Se o romance for do século XIX ainda contará com uma infinidade de troca de cavalos em cada cidade que as diligências atravessam, porque os russos viviam on the road. Os postilhões descem para a troca de cavalos em localidades gélidas da estepe que sempre têm nomes impronunciáveis. Carlos Eduardo Novaes dizia suspirar aliviado quando a família de Volódia cortava a tundra com Sônia, Vania, Lev, Olga, Aliocha, Dmitri, Masha, Misha, Feodor e Nadesda para chegar a Kiev. Isso porque as cidades russas também podem trocar de nome a cada governo, como São Petersburgo, que virou Leningrado, e voltou a ser São Petersburgo, para a felicidade das notas de pé de página.
Agora, a Olga Tchecova era sobrinha emprestada do Anton Thecov, que era casado com sua tia ... Olga Tchecova, claro! A mulher do dramaturgo era atriz e adorada pelos sobrinhos, que a chamavam de Tia Olia. Provavelmente, a sobrinha recebeu o nome em homenagem à tia. Bem, o cunhado de Tia Olia, Misha, irmão de Anton, se apaixonou pela sobrinha de Olga, a jovem e bela ... Olga. Misha, também ator, casou-se com Olga, a sobrinha, tornando-se, portanto, sobrinho de seu irmão. Olguinha adotou o sobrenome Tchecova, como Tia Olia, e seguiu a mesma profissão. Com Misha, teve uma filha chamada Ada, nome de sua irmã mais velha. Separada de Misha, foi para a Alemanha, virou superstar e, diz a lenda, tornou-se espiã soviética, sendo condecorada na década de 70 por serviços prestados ao comunismo.
É óbvio que, durante a vida inteira, as Olgas passearam por Minsk, Vladivostok, Sebastopol e milhares de portos gelados, atuando e bebendo muita vodka. A história é ótima, enredo interessantíssimo. O que mata é a profusão de nomes nem sempre originais.

19.4.08

Sobre o entretenimento

Devido à discreta polêmica causada pela descrição de meus sonhos e seus temas, entre eles a literatura de entretenimento, faço alguns esclarecimentos.
1) Não sou uma erudita em termos literários, ao contrário. Ler, para mim, é, antes de tudo, prazer. O que me entedia, só leio por obrigação profissional ou educacional, jamais para meu engrandecimento pessoal. Estou na metade de minha vida útil e não gosto de perder preciosas horas com aborrecimento.
2) A gente tende a considerar literatura de entretenimento aquilo que é produzido descompromissadamente. Para surpresa dos nossos intelectuais mais embasados, os países onde literatura é consumida em larga escala, os livros que mais vendem são os de "entretenimento", tais como O Caçador de Pipas ou O Código da Vinci. Vez por outra, entram na lista de best sellers obras de escritores de maior profundidade. Mesmo a lista de não-ficção fica coalhada de biografias. E sempre que vemos turistas estrangeiros de livro na mão, eles estão sempre com um romance bobalhão, um thriller, algo sem tanto conteúdo assim.
3) Sou ardorosa fã de policiais, dos grandes (Hammet, Chandler, Patricia Highsmith, Ruth Rendell e Agatha Christie, indispensável na formação do jovem leitor) aos menores, como o Mistério Magazine de Ellery Quinn. Aliás, tive minha fase Erle Stanley Gardner, e li muitos autores tipicamente "pulp fiction". Ou seja, sou uma consumidora assídua de entretenimento, sim.
4) Quando menina, li muita fotonovela no quarto das empregadas, e muita Barbara Cartland e outras grandes autoras de romances rosa de péssima qualidade. Comprei muita Sabrina, Júlia e outras publicações mulherzinha de banda de jornal (tudo escondido de meus pais, cultérrimos).
5) O contato com boa literatura contemporânea e clássica me tornou uma leitora exigente. Cansei de ser vítima de presentes bem-intencionados, porém inócuos, como a obra completa de Sidney Sheldon (um grande roteirista de TV - fez Jeannie é um Gênio - e que ganhou um Oscar pelo roteiro de uma comédia com Cary Grant e Myrna Loy - não me lembro o nome). Os livros dele são daqueles perfeitos para a leitura em férias chuvosas na praia. Eu adorava ler também as coletâneas de best-sellers resumidos da Seleções do Reader's Digest.
6) Posto que não sou uma leitora tão cult assim, devo dizer que acho melhor que se leia qualquer coisa, para exercitar raciocínio e facilitar as sinapses do que render-se apenas à TV. Mas, infelizmente, minha dependência química da leitura não chega ao ponto de me levar à leitura de Paulo Coelho. É o mesmo que ouvir canções sertanejas. Para mim, funciona como lobotomia cultural.
7) Agatha Christie, descrevendo um personagem em uma de suas histórias, fala "ele lia policiais e biografias". O interlocutor conclui, então: "Ah, era um leitor comum". É isso que eu sou, embora minha leitura não se limite a dois gêneros. Porque a arte, mais do que nos levar a refletir, a registrar momentos históricos ou apenas a nos fazer suspirar, tem é que divertir, intrigar, interessar, provocar, exigir reações. O que nem sempre se consegue com um simples desfile de teses.

17.4.08

Da série "Ai meu Deus, era tudo o que eu queria..."

Nos braços de Morfeu


Meus sonhos têm coerência. Os sonhos na acepção da palavra, os inconscientes, dormindo. Ao acordar, estava intrigadíssima com a sensação absolutamente real de haver sido bastante gentil com pessoas que acabava de conhecer e, por me saber uma leitora, recomendavam best sellers que eu só leria em dias chuvosos de férias na praia. Eu tentava, gentilmente, explicar que não lia literatura de entretenimento, exceto por razões profissionais. E sentia aquele desconforto de temer ofender o interlocutor. Pouco depois, me espantava com a troca de desaforos entre um seqüestrado e seu captor (eu acompanhava um relato de seqüestro), imaginando que minha covardia jamais me daria confiança para enfrentar quem me aprisionasse indevidamente.
Ou seja, nem em sonhos sou heróica.

14.4.08

Só para constar

Jorge Vercillo é o Oswaldo Montenegro da atualidade.
Aquele compositor sempre detestado ou sempre adorado.
Alguém que causa impacto. Repulsa ou paixão.
Dá quase uma letra de Djavan.

Julianne is more

O Alexandre, do Comentário Solitário cá ao lado (eu não sei mais fazer link de lá pra cá. Sou quase cinqëntenária, fica difícil), descobriu que a talentosa Julianne Moore foi clicada lindamente para a Haarper's Baazar como mulheres retratadas por grandes pintores.
E eu estou colando do Alexandre, porque ficou bem bonito. Não sei, apenas, quem fez as fotos.


Adele Bloch-Bauer I de Gustav Klimt


Mulher sentada com a perna esquerda dobrada, de Egon Schiele


Mulher com leque, de Amadeo Modigliani


Debilitada, de John Currin


Madame X, de John Singer Sargent.

11.4.08

Eu quero o Harvey Keitel!!!!


... acordar assustada, um sonho em que tentava entrevistar Eurico Miranda, tudo isso porque leu entrevista com o cartola rei da polidez antes de dormir, resolver problema da filha na escola, trocar a menina de escola, procurar preço de material mais barato, filho chegando com quatro amigos para o almoço, só tem macarrão mesmo, é sempre macarrão nessa casa, a menina pintou uma mecha vermelha e verde, se ofende não é papagaio nada, a vizinha de cima dá miolo de pão para os pombos que antes não chegavam no prédio, o gato subiu no telhado da garagem, não sabe descer nem consegue pegar os pombos, o supermercado aguarda com preços imensos, pagar a empregada, pedir a transferência do colégio, o pequeno pônei que mora em cima persegue o cãozinho de skate, a instalação do telefone está ruim, não dá pra ficar mais com o Virtua, caiu a porta do armário da cozinha, o moço que arruma tudo está com emprego fixo por seis meses, um texto enorme para entregar já atrasou mesmo, assistir a um filme BEM sessão da tarde, pedir remédio de pressão na farmácia, cadê o Harvey Keitel de Pulp Fiction, aquele homem que resolve de tudo, desova corpo de bandido morto, some com carro, queima roupa suja de sangue do bandido morto no carro sumido, devolve a pessoa amada em três dias...

6.4.08

Pick and choose

Escolha o Charlton Heston que você preferir...
Jovem, querendo ser galãzinho? (eu vi um dos primeiros filmes dele, quando o cabelo era totalmente lourinho e ondulado, com Jane Wyman fazendo uma ricaça dona de lojas e ele um brutamontes que ganha dinheiro com petróleo e não quer que a mulher trabalhe fora... Algo inacreditavelmente ridículo de ruim...)
Moisés descamisado? (Charlton Heston era praticamente o Hugh Jackman de sua época: se houvesse chance, lá estava ele de torso nu!)
Descobrindo qual era o Planeta dos Macacos, com essa tanga absolutamente ridícula e o peito mais cabeludo?
Como Ben-Hur, pouco vestido e de saiote?
Ou o velho irascível, de direita festiva, que morreu de Alzeihmer, defendendo o uso de armas por todos os americanos?
Eu escolho o democrata de 40 anos atrás, que foi a Washington ao lado de artistas como Marlon Brando, Harry Belafonte e o escritor James Baldwin, na marcha pelos direitos civis que mobilizou os negros norte-americanos.
Depois, Charlton Heston trocou de lado. Já tinha aberto o Mar Vermelho, dirigido o circo no Maior Espetáculo da Terra, sido rival de Gregory Peck num demi-western vagabundo que só, dirigido por William Wyler, encarnado um policial mexicano (com o physic du role muito apropriado) sob as ordens de Orson Welles, enfrentado o papa Rex Harrison na pele de Michelangelo... Tudo isso pra acabar pagando mico em documentário de Michael Moore! Que papelão, hein?
Mas foi superstar por muito tempo. No tempo em que "tempo" durava mais que um volátil post na internet.

5.4.08

Roqueiro farofeiro in Rio

O escocês Rod Stewart passeando pelo calçadão de Copa e, lógico, foi abordado por um camelô que fingiu jogar cerveja com aqueles copos de dar susto na gente.
Ela teve tantos rostos, tanto charme, tanta majestade, que fica difícil compará-la com qualquer atriz da atualidade, com o naturalismo despojado contemporâneo. Virou selo, no seu centenário de nascimento. Merecidíssimo.

4.4.08


Quais artistas terão com prestígio post mortem? Robert Gottlieb, crítico americano, faz no New York Book Review uma análise sobre os trabalhos de John Steinbeck, Prêmio Nobel de Literetura em 1962, e afirma que ninguém mais o leva a sério, pela irregularidade de sua obra. (Eu, particularmente, adoro Tortilla Flat e Ratos e Homens, porém não tenho nem graus acadêmicos que abalizem minhas opiniões, nem sou colunista de literatura em qualquer publicação; apenas gosto de ler).
Nesses tempos de celebridades além dos 15 minutos, a literatura também sofre o boom do celebrismo. Todo mundo diz que brasileiro não lê porque na escola tem que lutar para entender José de Alencar. Tá, José de Alencar é breguinha, mas foi o pai do nativismo, vale a pena entender o contexto histórico daquele movimento. Há quem ache Joaquim Manuel de Macedo horrível. "A Moreninha" é uma gracinha, tirando, claro, uma linguagem que se modificou barbaramente. Poucos se atrevem a criticar Monteiro Lobato, mas, para minha tristeza, reconheço que a forma dele envelheceu. Os enredos, não, o que se comprova com as recentes produções do Sítio do Pica-pau Amarelo para a TV. A fala, no entanto, não sobreviveu.
No Todo Prosa, um blog muito bom, do Sérgio Rodrigues, há uma animada discussão sobre leitura no Brasil. Fala-se que é bobagem dar Graciliano para adolescentes lerem (Discordo. Quem não tiver maturidade para entender Memórias do Cárcere não será capaz sequer de acompanha jornais por televisão), que Guimarães Rosa só sobrevive graças aos esforços de alguns críticos.
É tudo verdade, a moda passa. Será que em 40 anos os livros de Rubem Fonseca continuarão sendo cultuados?
Como filha de leitores vorazes, li muitos escritores que haviam caído no ostracismo, como Cronin, James Hilton, Colette. Tem muita gente na casa dos 30 anos que jamais ouviu falar em Marques Rebello. E alguns, mais velhos, que desprezam totalmente Herman Hesse, cult na minha infância. Hoje, Calvino ainda tem admiradores ardorosos, mas pouco se fala em Cesare Pavese ou Miguel Torga - exceto se alguma boa editora fizer uma edição caprichada deles. Érico Veríssimo foi eclipsado pelo filho. Algo assim como Kirk Douglas e Michael Douglas, Henry e Jane Fonda. O bom de ter filhos que seguem a mesma carreira é permanecer em voga, nem que seja como "pai de fulaninho".
No futuro, restarão Shakespeare, Moliére, Racine, quem sabe alguns românticos, Homero, Dante.
As qualidades apregoadas são muito fugazes.