9.4.07

Táxi blues

O pouco que pude dizer a seu José Gomes foi aonde queria que me deixasse. Imediatamente, ele falou mal
1) dos taxistas que fazem fila à porta das casas de saúde;
2) dos taxistas que fazem fila nos shoppings;
3) dos taxistas que preferem ir para a fila dos pontos de táxi em vez de irem para casa à noite ver a família.
A casa onde vive com a mulher e o filho de seis anos é muito confortável, 247 metros quadrados, cinco quartos, duas suítes, uma apenas para relaxamento, no segundo andar. Tem piscina, canil. Quer vender a casa, na Estrada do Mendanha, em Campo Grande.
"Quer comprar? Ficou muito grande para mim, só eu, a mulher e o filho". Aproveito uma brecha de respiração dele e pergunto se tem outros filhos. Tem, do primeiro casamento. O mais velho não é seu filho biológico e só veio a saber disso aos 26 anos, quando a mãe contou, durante o processo de divórcio. Há três meses, o pai biológico procurou o filho. É paraplégico. "Muita cara de pau aparecer lá depois de tantos anos, quase quarenta anos, na festa de aniversário de minha neta. Entrei na festa às 7, saí às 7 e meia, a mãe dele estava lá e eu não falo com aquela vigarista. Depois que eu me separei, soube que era corno, sabe, muito corno. Ela me botou tanto chifre que se fossem esculpir um chifre com o tamanho dos casos dela dava para ir e voltar do Nordeste no mesmo corno, entende? Eu dei tudo pra ela, um apartamento na Tijuca e ainda tive que pagar 600 reais de pensão durante tantos anos. Consegui tirar a pensão com o adevogado, senão estaria pagando 1.135 reais agora. Ela tirou o marido da vizinha, eu consegui tirar a pensão dela. E reconstruí a vida com minha mulher, tive outro filho, pago tudo pra ele, colégio, caratê, futebol, inglês, olha aqui o plano de saúde".
Mostra o recibo, chegamos a meu destino. Confidencia que é aposentado, o táxi é um bico. E a última revelação: "Depois desse menino, fiz vasectomia".

6.4.07

Por mais que eu ache linda a expressão "eu era feliz e não sabia" quando cantada com aquela singeleza do Ataulfo Alves (que me traz recordações doce-amargas e pungentes da infância), odeio seu uso e abuso pelos saudosistas de plantão.
Eu costumava dizer, quando jovem, linda e absoluta, que não sentia saudades do passado porque a melhor época da vida é a atual. Minha certeza mudou. A melhor cabeça do mundo é a que temos hoje, com maturidade e ceticismos gravados nos neurônios, mais compreensivos com as contradições e injustiças do cotidiano. Tempos belos passaram rapidamente demais e se fixaram em páginas de papel escuro, enfeitados com fitas e flores, cobertos por fotografias com legendas em caligrafia esmerada, amarrados na memória.
Sinto saudade da esperança, da alegria incontida, do destemor da juventude, quando não havia pudor em se beijar a boca de desconhecidos publicamente, embora fosse impensável ir para a cama com esse desconhecido a quem jamais iríamos encontrar novamente. Na maturidade, não se beija a boca dos outros em público, mas nos enlaçamos com desconhecidos por uma só vez, sem qualquer necessidade de que o mundo saiba que jamais reencontraremos esses companheiros fugazes de folguedos.
Não é melhor nem pior. É diferente.

* o postal acima e o abaixo estão em www.postsecret.blogspot.com

Mensagem de Páscoa



Dedicada aos chocólatras, grupo ao qual definitivamente não pertenço.
(é, sou chata mesmo. Não gosto de chocolate, de camarão, nem de novela. Mas entendo de compulsão. Ah, como entendo...)