As imagens que mais me impressionaram na batalha da Vila Cruzeiro, ontem, foram as que mostravam o contingente de traficantes subindo o morro, em fuga do confronto com a Polícia. Ao longo do dia, acompanhei a cobertura pela TV Globo (nem adianta: todo mundo gostou das imagens ao vivo, sim. São espetaculares, primorosas. E a culpa não é da imprensa pela situação mostrada, que é grave mesmo). E durante a tarde, troquei comentários no Facebook, que posto aqui porque eles exprimem o que fui percebendo, diante de réplicas às vezes raivosas, às vezes preconceituosas, às vezes apenas pueris.
Destilar o ódio ao pobre, preto e favelado não resolve a situação. O preto, pobre e favelado não é bandido. É pobre, por isso, favelado. Pregar o extermínio oficial dos bandidos também não elimina o problema da falta de padrões que levam as pessoas a tal meio de vida - curta, aliás.
Acredito, realmente, que boa parte da população está tão cansada com esta situação que se estende por tanto tempo que desabafa com raiva, criando uma bolha de exceção para os que ama. O mundo é habitado por nós e por "aquela gente".
Não digo que não tenho medo de bandidos. Tenho, e muito, claro. Mas não me dou o direito de decretar a morte deles em prisões superlotadas ou simplesmente exterminados. Igualar-se ao bandido é ser criminoso também.
Em tempo, acho que a Polícia está agindo de forma correta. Seguem, então, as observações diversas.
- Ideia genial que acabo de ouvir: pegar as toneladas de maconha apreendidas ontem ou hoje, fazer uma fogueirinha na frente do Alemão pra ver se acalma a galera toda, só com a fumaceira da erva.
- As vozes do obscurantismo já se fazem ouvir, bradando pelo extermínio da bandidagem, regozijando-se com a ação policial e torcendo para que se torne um banho de sangue. Acho tão perigoso quando nos vemos como imunes a tais justiçamentos, enquanto "os outros", ou seja, os pretos, pobres e, por isso, culpados pela própria natureza, ficam à mercê de julgamentos fora de tribunais.
- Antes que comecem os brados de "Bandido bom é bandido morto", vale lembrar que o Estado brasileiro acredita e luta por isso há muito tempo! objetivo oficial de levá-las ao confronto e morte. A gente mantém um Estado para desenvolver políticas de prevenção ao crime e de punição aos delitos, não de extermínio. Sei que esses caras são perigosos, sei que nada justifica a crueldade. mas ao Estado não cabe o papel de ser bandido com o bandido.
- Já tive amigo assassinado por traficante. Já tive amigo assassinado por assaltante. Já fui assaltada. Já tive filho assaltado. Mas isso não me fez desejar a morte de todos esses bandidos. É uma questão de formação pessoal, de filosofia de vida. O discurso não está pronto, não. Eu o escrevo diariamente quando crio filhos que convivem normalmente com pessoas de etnias, categorias sociais e opções sexuais diversas. Ou quando peço, apenas, que a gente reflita sobre o que nos diferencia ou nos dá o direito de clamar pela morte desses bandidos.
- Acabo de me deparar com comentários pavorosos sobre a situação da cidade e a arrogância carioca. Triste pensar que a cidade atravessa um momento desses e há quem destile seu ódio pelo Rio, chamando seu povo de ignorante, besta e, principalmente, culpado pelo que está acontecendo. Alegria do palhaço é ver o circo pegar fogo
- Eu havia postado um comentário, dizendo que nosso Estado é realmente adepto do extermínio, vide nossas condições carcerárias. E isso foi motivo pra ser chamada de ingênua, copiadora de discurso pronto, ou instada a levar para casa cinco bandidos.
Só para esclarecer: não sou contra esta ação policial, que me pareceu, até agora, bastante cuidadosa. Entendo perfeitamente que a população esteja farta de lutar contra a violência urbana. Mas não que a desgraça acontecendo no Rio dê munição para os adeptos da pena de morte, que, exceto em tomada de poder por revoluções mundo afora, acabam atingindo os pobres de sempre.