7.12.17

A economia doméstica

Anos 70: milagre econômico, todo mundo investia em ações, incluindo meus cautelosos pais, que sempre reservaram um dinheirinho pra poupança. Na metade da década, meu pai quarentão perde o emprego e não consegue se recolocar em publicidade, virando redator de jornal - que ele gostou muito mais do que ser publicitário, embora o salário fosse um terço do que percebia antes. Sensação de descrença no país do futuro.
Anos 80: Sucessivos planos econômicos, filas de desempregados virando esquina em busca de vagas nas mais diferentes colocações. O desemprego volta a meu lar na figura do então marido. Eu trabalho em jornal. Sensação de descrença no país do presente.
Anos 90: Plano Collor estropia as reservas da família. Perco o emprego depois de dez anos no Globo. Entro no projeto Odara: quiosque na Praia de Rio das Ostras. Fim do casamento, volto para jornal, acabo fazendo assessoria de imprensa. Sensação de piloto automático ligado para pagar as contas e tocar a vida.
Anos 2000: Anúncios de contratação surgem nas vitrines das casas comerciais. Viro pessoa jurídica, trabalho como frila. Sensação inacreditável de júbilo com o crescimento da economia e saída do país do mapa da fome.
Anos 2010: Aos 51 anos, sou contratada para um trabalho com carteira assinada! Aos 55, retomo a vida de frila quando perco o emprego. Somem os cartazes de contratação nas vitrines das lojas. Empregos temporários são oferecidos para os jovens da família. Sensação de descrença na vida.

30.11.17

Sobre fome e tristeza

Como boa parte dos habitantes do planeta, vivo para pagar dívidas e serviços. Sei que conseguirei saldar tudo em algum momento, nem que para isso me desfaça do patrimônio conseguido com sacrifícios e trabalho. Começar de novo é difícil, porém não impossível para mim. Meus problemas são equilibrar contas, e, vez por outra, passar pelo constrangimento de ter luz ou gás cortados por falta de pagamento.
E as pessoas que não têm como se constranger? Pessoas que só tiveram o azar de não serem frutos do mesmo acaso biológico que eu. Pessoas que tentam buscar algum oxigênio na miséria e que perdem um direito social cortado porque precisamos, sim, arcar com salários e benefícios altíssimos para apenas uma parcela ínfima da população. Pessoas que vivem à míngua, completamente ignoradas pelo Estado.
Foi para isso que depuseram Dilma Roussef.
Não pela corrupção, que, esta sim, sobreviverá e alimentará os poucos de sempre.
Enquanto se isentam de impostos os bancos, lutam para encerrar programas "populistas", retirar direitos trabalhistas e reformar a Previdência.




Mas isso não interessa a Simone e a seu filho. E ninguém se interessa por Simone e por seu filho. Ela, uma folgada, que viveu às custas da gente de bem, terá que se virar para alimentar o garoto. Ou morrer, né? De fome e de tristeza mesmo.

28.11.17

Sobre eles, que dão trabalho

Em época relativamente recente, pessoas sem filhos criticavam quem tinha crianças para criar, de como esses pais haviam se tornado desinteressantes desde que obrigados a cuidar de gente. Isso caiu de moda, porque muitos desses se tornaram pais. Agora, a tendência é mães de primeira viagem reclamarem do quanto a maternidade é cansativa - as mesmas lamentações que ouvi quando era menina, numa praia em Cabo Frio, de uma roda de mulheres, uns 40 e poucos anos atrás.
Ninguém está descobrindo a roda: crianças são chatas e trabalhosas, sim, educar é um sacerdócio, durante doze anos consecutivos temos de repetir para aquele povo tomar banho, escovar os dentes, comer de boca fechada, agradecer, cumprimentar, dar lugar para os mais velhos na condução. Um dia, eles fazem tudo isso sozinhos.
A intolerância pública, no entanto, ressurge, exuberante, imatura, sempre que tem chance. Ela é filha dileta de quem caiu no conto da família de anúncio de margarina, acreditando na importância de decorar um quarto de bebê, de equipar a vida com eletrônicos como se eles suprissem as necessidades de um recém-nascido. E aí vem a descoberta de que ter filho tarde, quando a carreira está consolidada, exige uma energia que a idade nem sempre oferece. E que a terceirização desses cuidados - com filhos, em creches, pais e parentes idosos sob a supervisão de cuidadores ou em asilos - custa caro a ponto de acabar sendo exercida por quem gostaria de ter como se desvencilhar dessas tarefas sem fazer o trabalho sujo.
A PEC das domésticas tornou a vida mais igualitária e ... redistribuiu o trabalho. A quem lamenta a crise e bota a culpa no PT pelo fim da vida mansa, melhor é reescrever a letra de 'Mulata Assanhada' e resmungar contra o patrulhismo politicamente correto. E se acostumar com os petizes irrequietos. Um dia, eles crescem.

27.11.17

Sabores e poses

Feirinha de comilança em prol dos refugiados que se abrigam no Brasil. Sábado de sol lindo na Província, uma monte de gente branquíssima se enfileirando para comprar comidas "exóticas" e beber cerveja artesanal. Fora o discurso sobre o aroma frutado e tom ácido da bebida, uma delícia, o chope bem carinho, mas palatável, assim como o lanchinho indiano, que dispensou a bula, porque a vendedora tinha mais do que 40 anos de idade. O chá da moda também só é vendido depois de muita informação sobre odores, sabores e efeitos colaterais benéficos para quem comprar uma garrafinha.
Tem artesanato boliviano confeccionado por nativos que vivem à beira da indigência em suas aldeias andinas. Uma bolsa coloridíssima sai por meros R$ 200. A pequenina, pouco maior que um moedeiro, a R$ 80. Duas coroas se sentam em um banco onde uma jovem mãe amamenta o filhinho. Uma delas amigas faz festa para a criança e fala com saudade da época maravilhosa, do laço entre bebê e mãe. A jovem mãe não sorri. Parece dizer com o olhar sério que a maternidade é um ofício duro, sem alegrias, repleto de sacrifícios para o corpo que merecia descansar e não ter suas forças sugadas por aquele ser parasitário que ela cuida com desvelo, impedida de ingerir álcool ou desfrutar de prazeres garantidos a quem não tem compromisso com a criação de pessoas. Em frente aos bancos, um rapaz de coque ninja corta (mal, muito mal mesmo) cabeleiras de moças despenteadas. O resultado é ruim, mas combina com as roupas desbeiçadas, peles pálidas tatuadas.
Os velhos presentes comem muito. As crianças fazem cara feia para a comida, correm e não querem saber de recreadores que oferecem oficinas de desenho.
As amigas coroas gastaram, cada uma, em torno de 30 reais no lanchinho. Ficaram apenas nas iguarias árabes e indianas. Para experimentar os pratos argentinos, colombianos, nigerianos e peruanos, além de tudo quanto era pão, sorvete, café e docinhos brasileiros, teriam que gastar em torno de 90 reais por cabeça.
Como programa, perde para um dia de praia.
Como caridade, fica impossível para bolsos combalidos por tantas crises.
A causa é nobre, o dinheiro, infelizmente, curto. A pose, essa foi perdida junto com as ilusões.

9.11.17

Carta para Gal

Gal,
Faz uma semana que você se foi. Eu estava na cozinha, buscando o saleiro, direto dentro do armário, o lugar dele, do óleo, do vinagre e do azeite por determinação sua. Pensei em devolver a bandejinha onde se equilibram as garrafinhas ao parapeito ao lado do fogão, onde ela ficava até você quebrar dois frascos de azeite. Faz muito tempo, faz pouco tempo, nem sei mais. Acho que ficará como você me obrigou a decidir, tudo guardado no armário mesmo. Já me acostumei.
Ainda não entendi a vida sem você. Agador incorpora hábitos seus e da Jolie. Aparece no meu quarto de manhã, miando desafinado, acho que tentando imitar o seu tom de indignação por não ter sido alimentado. Segue a Júlia pela casa inteira, mas também se embola em minhas pernas e nas de Hugo, rondando cada um, temeroso de ficar sozinho. Gosta de carinho, mas não de colo. Tem mania de se deitar ao lado de meu travesseiro – o que não melhorou em nada a minha asma.
Aliás, eu achava que fosse dispensar o broncodilatador, depois da partida de vocês duas. Que nada, uso religiosamente, duas vezes ao dia. Tive uma crise muito séria pouco antes de sacrificarmos Jolie.
Engordei. Como pão o dia inteiro, desacostumada em abrir a geladeira sem você saltando para retirar o que estivesse em minha mão. A casa está imensa, Gal. A casa que era sua e da Jolie. Uma vez fiz uma foto sua num sofá, bem egípcia, bem proprietária, logo depois da morte da Mel. Não sei lidar com um gato só, ainda por cima macho. Sim, são diferentes. É provável que peguemos mais um, já idealizei: todo negro, de olhos amarelos. Dificilmente corresponderá ao perfil, bem sei. Mas não deve ser por agora.
A vida começa a se reconstruir. Eu subestimava a dor da perda de animais até vocês nos enlouquecerem e preocuparem. É uma relação silenciosa, brincalhona, sem retorno algum além do apego, do carinho. Eu costumava dizer que a Jolie era uma “gata de companhia”. Você já havia deixado essa fase. Mais novinha, você adorava se enfiar debaixo das minhas cobertas, enroscar-se comigo quando eu assistia TV ou lia. Depois, mudou-se para a cozinha, dormia em tapetes, em caixas de papelão. Envelheceu sem perder o apetite.
Igual a mim.
Desde q você morreu, a fome me consome. Vai passar, eu sei, junto com  esta saudade danada. Mas ainda faz o olho encher d’água, a cara se encrespar, o coração se afundar. E eu nem sei se quero que passe.












13.8.17

29 de julho e 29 de agosto

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O maior apego de meu pai na vida foi por minha mãe (e pelos livros, claro). Eles viviam discutindo cinema e literatura, em casa, no Jangadeiro, em qualquer canto. E rindo. Uma das fotos de meu casamento retrata os dois exatamente como eram, sempre de papo, sempre cheios de assunto. Ele, sempre de olho nela, desde solteiro. Seu Mello detestava tirar fotos e fazer aniversário. Gostava era de festejar, e como tinha festa no apartamento da Barão da Torre. Era um boêmio insone extremamente responsável, se faltou ao trabalho sete dias na vida foi muito. Por muito tempo, teve dois empregos. Chegou a acumular três, numa época. Não lidava com dinheiro. Fazia um cheque mensal, que entregava à minha mãe. Ela lhe dava dinheiro todos os dias para suas despesas: condução e cigarros. Ou, como ela falava "seu câncer de bolso". Foi o cigarro que o tirou do planeta prematuramente, aos 62 anos. Lamentou, nos últimos dias, que não fosse acompanhar o crescimento dos netos Artur e Oto . Uma pena que não conheceu Hugo e Júlia. Para ele e para todos nós.
Dele herdei a asma, a miopia, um jeito para escrever, a facilidade em fazer amizades sinceras e duradouras, a alegria ao me cercar de crianças, o apego à família - ele era doido pelos irmãos. Resmungão, tentou me tornar tricolor de coração, mas eu virei Flamengo até morrer. Três dos netos seguiram a tradição da família. Impossível mensurar a falta que ele faz. Não só para mim, acredito.

Ele tinha duas datas de nascimento. A real, 29 de julho, não constava de seus documentos. Reza a lenda que meu avô preferiu registrá-lo como se tivesse nascido em 29 de agosto para não pagar alguma multa por ter perdido a data correta.  Quem diria que meu pai seria motivo para o Vovô Candonga, um homem de severidade e honestidade exemplar, mostrar seu traço de brasilidade, transgredindo e demonstrando o mais absoluto desprezo pela burocracia nossa de cada dia!

Joana, a Francesa

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Vão-se os anéis...

Em 1995, meu filho mais velho começou sua vida escolar. Entreguei-lhe, como um tesouro, um singelo presente de boas vindas ao mundo do conhecimento: minha borracha verde, passada por meu pai quando eu entrei na 6ª série (minha mãe me deu um despertador, já que eu teria que acordar cedinho a partir de então). Dois dias depois, Artur já computava o sumiço da preciosa borracha verde, que tinha uns dez centímetros quando ganhei - era a época de artigos escolares "de Itu": lápis quilométricos, imensas borrachas, canetas etc. Na borracha verde, que me acompanhou até a faculdade, eu escrevia colas microscópicas de fórmulas matemáticas, verbos irregulares franceses, desenhava corações e estrelinhas, inscrevia nomes de namorados e o escudo do Flamengo.
Artur tinha seis anos e nenhuma ideia da importância simbólica das heranças. Descobri, então, o desprendimento daquela geração moldada pela sociedade de consumo. Nada é feito para durar, mas para ser substituído, no menor prazo possível, por novos modelos, sempre mais caros. Para evitar o desperdício puro e simples, decidi controlar o material escolar, cabendo a cada filho quatro borrachas e a quatro apontadores por ano letivo. Começava o semestre, eles ganhavam um kit com borracha, apontador, três lápis e três canetas. Havia material sobressalente guardado, mas eles nunca sabiam onde ficava o almoxarifado doméstico. Adaptaram-se ao racionamento (no início, um lápis durava exatamente dois dias, de tanto que era apontado) e hoje sobram lápis e canetas pela casa. Apontadores, eu ainda mantenho escondidos, assim como borrachas, pois, todos sabem que eles fogem das bolsas e mochilas e seguem para um paraíso particular, onde vivem em recreio eterno, onde não existem crianças, adolescentes ou adultos que os manuseiem à exaustão. 

Já crescidos, meus filhos passaram a perder telefones celulares. Boa parte das vezes em assaltos, mas também por descuido puro e simples. Hoje foi a vez de meu celular, que estava comigo há exatamente oito anos. Júlia, a campeã de evasão de aparelhos telefônicos da casa, usava meu aparelho desde que o seu sofrera avarias profundas. Deixou hoje, num ônibus.

A perda do aparelho fez emergir uma faceta até então encoberta de Júlia, que telefonou pra companhia de ônibus, que correu atrás das oficinas autorizadas de smartphone para consertar o dela - e me passar, embora eu queira um telefone burrinho, que só faça e receba ligações. Como eu dizia para ela e para seus irmãos, em pequenos, todos os dias a gente deve aprender algo novo. A capacidade de dar a volta por cima, como dizia o pranteado Paulo Vanzolini, que nos deixou ontem, deve ser desenvolvida diariamente.


Detesto solenidades em geral. Jamais compareci às minhas formaturas. Colei grau no gabinete do reitor, de bermuda, segurando o cestinho da bicicleta, me achando a super-carioca. A vida me obrigou a acompanhar formaturas diversas, e procuro me adequar ao cerimonial, chorando copiosamente quando o formando que me obrigou a suportar aquela tortura é meu filho. Em outras ocasiões, tento me lembrar das contas a pagar - para não adormecer ao longo de horas de imobilidade, ouvindo discursos que sempre são semelhantes. De um lado, formandos afirmando que começa ali uma nova etapa da vida, jurando amizade e lembrança eterna dos colegas, cujas características são descritas pormenorizadamente. Do outro, professores, elogiando os formandos por terem ultrapassado outro patamar da existência.


Era isso que eu imaginava que aconteceria numa noite de sábado, em que percorri uns 30 quilômetros até o Recreio dos Bandeirantes - e mais de 40 para retornar a Botafogo, porque imaginou-se que pela Linha Amarela era mais "perto" do que descer a Barra toda - para ver um amigo querido se graduar. Só que, depois dos 50 anos, felizmente, tornei-me mais observadora da vida. Tenho um olhar antropológico para qualquer situação, aproveitando oportunidades para descobrir o como o resto da humanidade se comporta. Acho que é a consciência da mortalidade que não me permite o luxo do tédio, algo do que sofria na juventude, como qualquer adolescente.


Então, chegamos lá, de carona com um casal de anjos que se dispôs a nos levar até o Recreio. Ao saltar do carro, me lembrei que esquecera o convite. Já pensava em passar a noite do lado de fora do salão, onde umas três mil pessoas se espremiam. Fiz cara de simpática, sorri para o porteiro, reclamei do ar condicionado e entrei direto com aquela cara de pau do outro milênio, quando costumava driblar seguranças em boates ou na entrada de filmes proibidos para menores de 18 anos. Minha amiga, atrás, escondeu seu próprio convite e me seguiu. Lá dentro, não houve como me entediar.


Marcada para as 8 da noite, a cerimônia iniciou-se, brasileiramente, 40 minutos mais tarde, quando mal havíamos nos acostumados com o inebriante cheiro de salgadinhos que dominava o ambiente. A primeira dúvida nos assaltou: o locutor usava peruca ou estava de cabelo (mal) pintado? Era peruca, esclareceu nosso amigo, o formando, sentado logo atrás do apresentador. Houve apenas três discursos, para felicidade geral dos espectadores. E teve muita música.


Havia dois cantores, um rapaz e uma moça, ambos lindos e de vozes potentes. O problema era a afinação, que não acompanhava o volume das vozes. Depois de uma espécie de oração, a "homenagem à Deus" (assim mesmo, craseada, estava num telão - o que me levou a digressões sobre o gênero divino, ou seja, já que Deus não tem sexo, é espírito, porque a palavra que o designa deveria ser masculina? Comportaria, então, a crase? À parte a abstração filo-teológica-semântica, por princípio básico, estava mais que errada a crase, já que era uma solenidade promovida por um curso universitário, que deveria zelar pela norma culta do vernáculo), o cantor entoou um sucesso popular cuja letra só eu desconhecia. Algo gospel, que fala "como Zaqueu", ou seja lá quem for.


Rolaram os curtos discursos, começaram as entregas de diplomas. O cantor e a cantora, animadíssimos, em dueto, entoaram os grandes sucessos da época áurea das discotecas. Lá pelas tantas, findou a diplomação. O fim estava próximo, mas não sem outra homenagem, dessa vez à mais idosa pessoa presente, uma senhora de 90 anos, avó de uma das formandas. Nova cantilena chorosa, o momento deveria ser emocionante, mas nem a velhinha estava muito convicta de sua função sob os holofotes, nem a neta demonstrava muita paciência em explicar à doce vovó - como dizia o locutor empolado - o que fazer naquele momento constrangedor. A plateia remexia-se indócil, surdamente enfurecida com a correria das 48 crianças abaixo de 3 anos presentes, que se deleitavam em desalinhar cabelos de pais e desordenar cadeiras. As crianças venceram. Exaustos, pais diplomados continham os pirralhos para a foto da família com o paraninfo da turma, enquanto nós imaginávamos como voltaríamos para a Zona Sul de táxi, se é que apareceria algum por volta de 23h naquela imensa autoestrada.

De carona, sem reclamar, aproveitei para ver pela primeira vez o Teleférico do Alemão. Confesso: foi muito mais divertido do que pensei. Cantei, ri muito e fiquei feliz por ver tanta gente sinceramente radiante por conquistas que pouco significam para quem teve a opção de estudar a vida inteira. Eles não tiveram a opção, eles só conseguiram estudar depois de se fecharem as portas para carreiras reservadas a mim, a meus amigos, a meus filhos. E festejam numa formatura cafonérrima como qualquer solenidade. E o júbilo em cada olhar acabou me comovendo sinceramente. Quem sou eu pra rir da alegria alheia. Todo mundo tem o direito de comemorar da maneira que quiser. Sem luxo, sem rapapés, mas com aquela espontaneidade que só a alegria genuína consegue produzir.

Entrei besta, saí pequenininha, entendendo que a vida é mais do que um nariz levantado, um olhar irônico, um sorriso cheio de sarcasmo.

É, acho que estou aprendendo a envelhecer e a curtir meu outono no planeta.

As vergonhas de fora

Marque a primeira coluna de acordo com a segunda
1.Ser velho é                                        inadequado
2.Ser gordo é                                       constrangedor
Ser descasado é um embaraço
Ser feio é um pavor.
Ser religioso é chato
Ser ateu é inconveniente
Ser é

Festejar aniversário para minha mãe, jovem, envolvia o ritual de ser retratada em fotógrafo. Todos devíamos ter o direito de conhecermos os pais na juventude, quando eles eram incrivelmente belos. Sempre invejei os imensos cílios de minha mãe. 
Hoje a reconheço em meus traços faciais, no destempero, nos resmungos. E também naquela sabedoria, nas certezas que a maturidade concede, pra compensar a perda da beleza.




A vida consumida

Sempre achei que deveria limitar minhas compras pela Internet a objetos pequenos. Em vista dos alucinantes preços de eletrodomésticos, que sofreram bons aumentos depois de dezembro, e do estado de decomposição da geladeira que mal nos serve há 13 anos, optei por encomendar uma Cônsul, do Ponto Frio, pelo site. 
Chegou uma semana antes do dia marcado. E, claro, não passa pelas portas exíguas de meu apartamento de 71 anos. Porque era assim: construíam um imóvel com pé direito de 3 metros e cômodos amplos. Entrar nesses cômodos era para gente miúda, objetos pequenos, tudo esmirradinho.
Então, tiramos as portas da sala e da cozinha. A geladeira passou pela primeira. Pela segunda, só se tirar a porta da própria geladeira, o que ocorrerá amanhã, quando vier a assistência técnica e eu pagar módicos 130 REAIS por um serviço que deverá tomar algo em torno de vinte minutos do técnico. E não dá pra fazer por conta própria. Acaba com a garantia, além do risco de desmantelar os contatos elétricos.
Aborrecimento que ainda compensa, financeiramente, já que o mesmo modelo custa, em média, 35% mais caro nas lojas físicas, e não evitaria o dissabor de ter que chamar os técnicos pra retirarem a porta etc e tal. Ah, vida moderna...

Sam Shepard, see ya.

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Inspiração

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Desorganizada por natureza, há muito dispensei as agendas, mas ainda mantenho um caderninho de telefones (quem perde o celular entende o desespero). Adoro calendários de mesa, aqueles que a gente rabisca compromissos jamais cumpridos. Pois bem, eles não existem mais, porém são "printables". E a maioria está à disposição "free" - tudo em inglês, claro. Aí, escrevo: calendário grátis imprimir 2017. Vem um pouquinho. Mudo para "planner" e as imagens inundam a tela. Conformada, imprimi um do mês August, já colado na parede, da qual me apropriei como adolescente, enfeitando com ídolos velhuscos e inspiradores. Ficará lá para nortear meus tortuosos caminhos.

Pérola Negra, te amo, te amo

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França, o nosso livreiro (7 de agosto)

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Todo mundo tem uma história com o França. A minha é episódica, num convívio de quinze anos em redações, lamentando que ele não frequentasse as assessorias de imprensa e agências. França logo conhecia o gosto do freguês, recomendava leituras, desaconselhava outras. "Isso não é pra você, não. Mas tem quem goste", dizia. Eu era mais de olhar as novidades, porque tinha o hábito de frequentar livrarias. Mas ganhei sua atenção na primeira compra que fiz com ele, um volume da Aguilar com a obra completa de Oscar Wilde. 
Anos mais tarde, ao sair de casa, o Wilde me causou problemas, já que era parte do pequeno patrimônio que carreguei comigo. Meu pai ficou carrancudo por uma semana, sem querer conversa no Globo, onde nos encontrávamos diariamente - ele era redator, eu, repórter. Falou "sai a filha e nem os livros ficam?". França lamentou que não tivesse outro exemplar - a Aguilar já havia sido vendida/fundida/incorporada, então -, mas providenciou rapidinho um Milan Kundera saído do prelo para aplacar a ira do seu Mello. E a paz voltou a reinar em família.

Como assim, Dustin Hoffman fez 80 anos?


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Tom Brady que se cuide...

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Pobre de butique

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O "Ela" convida: "Saiba como se veste a responsável pelo estilo de Beyoncé e de Kim Kardashian". Tô sabendo. Veste-se mal. Roupa amassada, look mendigo ou "explosão no brechó". Segundo a legenda, ela é " definitivamente uma das stylists mais disputadas dos Estados Unidos: expert em looks descolados e ousados". Street look ainda é moda, 30 anos depois de lançado. Ai, como é démodé essa pobreza de butique. (11/08/1017)

Eita, coisa feia!

A imagem pode conter: uma ou mais pessoasNada prático (já pensou se um dente cai ou se emperra no meio da rua?), nada belo: a "tendência" em jeans custa US$ 148 (R$ 467) e foi criada pela grife francesa Vetements, "uma das marcas mais influentes do momento, graças às suas inovações na silhueta e ao trabalho que concilia o streetwear com a alta-costura", diz o "Ela". Como inovar a silhueta (de quem, redator inexistente, de quem?) é algo que foge à compreensão desta anacrônica escrevinhadora.

Jolie


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O novo canto da Jolie. Ela fuça um pouco o Galeano, depois se acomoda sobre o conversor quentinho, quentinho. 
#invernonaProvíncia

Tudo se copia



O mundo recria 'Le déjeneu sur l'herbe" faz tempo, sempre em busca de escândalo. 
Do simplesmente brega ao artificialismo cult da moda de hoje, a nudez feminina em contraste com o homem protegido por suas vestes formais. 





1.7.17

Fora de Pauta - Entrevista


Os colegas Fábio Lau e Marcelo Migliaccio me entrevistaram para o Fora de Pauta, programa deles que recolhe histórias de jornalistas. Minhas observações se atém, basicamente, à vida do jornalista como trabalhador. E menciono (olha o jabá alert!!!), em 3'22'' e em 11'10'', meu livro de contos, "Fevereiro", finalista do Prêmio Sesc 2017. Espero atrair a atenção não apenas de editores, mas de cirurgiões plásticos para edição do manuscrito e de meu look Jabba the Hut, enquanto me empenho para tornar-me uma Princesa Leia até o verão.

21.6.17

Águas cariocas

Em 1966, eu era criança e não me lembro das enchentes. Mas saí do Colégio Notre Dame, algumas vezes, pela Nascimento Silva, sobre pinguelas de tábuas que as freiras armavam da portaria à calçada. A Barão da Torre estava sempre inundada. 
 Nos anos 70, fomos acordados de madrugada com o telefonema de amigos, avisando que estavam ilhados no quartel dos bombeiros da Praça da Bandeira/São Cristóvão. No dia seguinte, eles eram a foto de alto da primeira página do JB, ela nos ombros de um bombeiro, ele caminhando, atrás, com água no peito. O carro foi levado pela enchente.
Em 1988, saí num sábado de manhã com motorista e fotógrafo para ver a chuva que não parava desde o domingo. O carro de reportagem não conseguiu subir a Marquês de São Vicente, na Gávea, de tantas pedras que rolavam. Passamos pela Rua Jardim Botânico antes que fosse tomada pelas águas. No dia seguinte, tentamos subir o Morro da Formiga para ver os estragos da chuva, mas a PM parou o carro, e, por duas vezes, fomos levar gente machucada para hospitais.
Anos 90: caiu o Pavão/Pavãozinho, mas eu estava na folga de Natal. Já morando na São Clemente, peguei carona ao sair do metrô, numa van, porque a rua estava completamente alagada. Para entrar em casa, um homem que passava pela rua e o porteiro fizeram cadeirinha com os braços e fui carregada até a portaria, sob aplausos da vizinhança (mico maior não passei na vida). Outra chuvarada, enfrentei singrando o carro por ruas de Botafogo, na contramão, arrebentando o motor de arranque de minha brava Elba. Num temporal, levei quatro horas para chegar até o Jornal do Brasil, engarrafada por causa da chuva. Quando saí do carro, as pernas bambearam de tantas horas de tensão, entorpecidas.
Anos 2000: Veterana nas chuvaradas, largo o carro no início da São Clemente, e vou ao cinema. Quando saio, o trânsito anda. Noutra vez, ao fim de uma sessão no Espação Botafogo, o lobby estava encharcado - as águas invadiram o hall dos cinemas. Fomos pro bar ao lado, hoje, a Void, para conversar até a chuva amainar. Depois, voltamos caminhando pelo meio da Voluntários da Pátria. Só gente andando. Carros não passavam, presos em alagamentos no Humaitá.
Carnaval de 2008: chove tanto que faz frio. Vamos pro Cordão do Boitatá, compramos capas e guarda-chuvas, fingimos resistir, mas acabamos indo pro Capela, onde está quentinho e seco.
Anos 2010: nem fecho a janela da varandona. Deixo a água molhar as plantas. No dia seguinte, passo um pano no chão.


Alta tensão na Província de Botafogo


Um amarradinho de fios. Elétricos ou de varal. 

27.2.17

Oscar 2017 - Hollywood carnavalesca.

Nada há de superar o erro de anúncio de Oscar de Melhor Filme para a fita errada! Não houve roupa escandalosa, Pira Olímpica ou despenteados cuidadosamente armados que suplantem a mancada em tempo real durante um dos eventos de maior audiência no planeta. De resto, a entrega de Oscar neste Carnaval foi aquela festinha chata de sempre, com uma exibição de plásticas, botox, gente bonita envelhecida, gente jovem sem tanto glamour, premiações para os pipocões da vez, resmungos contra o colonialismo de quem assiste a um espetáculo da indústria capitalista selvagem, marmanjos babando por Scarlett Johansen e Chalize Theron, Viola Davis fazendo discurso nem tão contundente assim, Denzel Washington de cara amarrada porque perdeu estatueta pro irmão mais feio do Ben Affleck, reverências a Meryl Streep, gracinhas sem graça alguma para qualquer público, números musicais cafonas,  aquelas roupas caríssimas, joias espetaculares e muito artificialismo para vender "a magia do cinema".

Em pleno domingo de Carnaval, os americanos aproveitaram para se fantasiar mais como se fosse Halloween, alternando figurinos de filme de faroeste com trajes dos anos 20/30/40/50/60 e 1980!!! O tema variou de festa caipira a damas voluptuosas do cinema italiano. Modelos parecidíssimos devem ter irritado sobremaneira as divas presentes, exceto as mais maduras, que vestem qualquer coisa com um brilhinho, porque já não precisam mais parecer belas sílfides como na juventude. Os homens reduziram as barbas, embora Jeff Bridges continue ostentando o seu melhor disfarce para as ruas e Casey Affleck tenha optado por fazer o Johnny Depp em dia de mendigo da vez.

Viggo Mortensen não levou Oscar pra casa e mostrou que na vida real é um pai tão legal quanto o Capitão Fantástico. O filhote concorreu na categoria pior despenteado da noite ...


... porém, Madame Pharrel Williams foi imbatível, na composição de casamento na roça que fez com o marido - que deu um toque de Mardi Grass/Chanel à fatiota, jogando colares sobre o smoking. 



O fofo do Jackie Chan tinha o mais bonito paletó da noite. A calça, no entanto, lhe deu o troféu "O defunto era maior". Ganhou menção honrosa em adereços de mão, também.


Finalista do quesito "melhor despenteado/sou ator desglamourizado", Dev Patel venceu a categoria "Filho da Mãe Coruja mais feliz" da noite. E Ms Patel surpreendeu com o sari belíssimo e chiquérrimo.


A alegria de Leslie Mann não foi abalada pela falta de energia elétrica em casa, que a impediu de usar um ferro para passar o balonê estilizado. O jeito foi incorporar a fantasia de sachê de mostarda amarfanhado. 


Ainda no espírito da Festa Caipira, desoladores modelitos vermelhos que jamais deveriam ter saído do filme de faroeste ao qual pertencem ...


 ... onde Alicia Vikander também pinçou sua fantasia de dama do saloon; como faltou um sapatinho condizente, ela aproveitou uma sandália grega num set próximo mesmo. 


A mais pavorosa pira olímpica desde a Grécia Antiga conseguiu voltar à cena, desta vez em Hollywood. Incompreensível composição com gente balançando bandeironas azuis. 


Halle Berry homenageou Elza Soares - e ficou maravilhosa, como sempre. 



Divas d'outros carnavais foi tema privilegiado na noite. A exuberância de Gina Lollobrigida estava em Charlize Theron (um equívoco imperdoável para essa deusa da belezura) e Scarlett Johanssen. 






Dakota Johnson também homenageou os ícones do passado, com um acetinado parecido com o vestido de noiva de Wallis Simpson, a Duquesa de Windsor. O modelo antiquado - e feio, né? - requeria uma composição diferente do penteado boi lambeu. Um dos mais feios figurinos da noite, que só não entrou para o panteão de horrores porque ... 



... Janelle Monae foi de Calada Noite Negra, o canto do Anu-Preto na corte de Elizabeth I da Inglaterra, fantasia campeã em Luxo Feminino.  O samba, ela canta no próximo Grammy.