Gal,
Faz uma semana que você se foi. Eu estava na cozinha,
buscando o saleiro, direto dentro do armário, o lugar dele, do óleo, do vinagre
e do azeite por determinação sua. Pensei em devolver a bandejinha onde se
equilibram as garrafinhas ao parapeito ao lado do fogão, onde ela ficava até
você quebrar dois frascos de azeite. Faz muito tempo, faz pouco tempo, nem sei
mais. Acho que ficará como você me obrigou a decidir, tudo guardado no armário
mesmo. Já me acostumei.
Ainda não entendi a vida sem você. Agador incorpora hábitos
seus e da Jolie. Aparece no meu quarto de manhã, miando desafinado, acho que
tentando imitar o seu tom de indignação por não ter sido alimentado. Segue a
Júlia pela casa inteira, mas também se embola em minhas pernas e nas de Hugo,
rondando cada um, temeroso de ficar sozinho. Gosta de carinho, mas não de colo.
Tem mania de se deitar ao lado de meu travesseiro – o que não melhorou em nada
a minha asma.
Aliás, eu achava que fosse dispensar o broncodilatador,
depois da partida de vocês duas. Que nada, uso religiosamente, duas vezes ao
dia. Tive uma crise muito séria pouco antes de sacrificarmos Jolie.
Engordei. Como pão o dia inteiro, desacostumada em abrir a
geladeira sem você saltando para retirar o que estivesse em minha mão. A casa
está imensa, Gal. A casa que era sua e da Jolie. Uma vez fiz uma foto sua num
sofá, bem egípcia, bem proprietária, logo depois da morte da Mel. Não sei lidar
com um gato só, ainda por cima macho. Sim, são diferentes. É provável que
peguemos mais um, já idealizei: todo negro, de olhos amarelos. Dificilmente
corresponderá ao perfil, bem sei. Mas não deve ser por agora.
A vida começa a se reconstruir. Eu subestimava a dor da perda
de animais até vocês nos enlouquecerem e preocuparem. É uma relação silenciosa,
brincalhona, sem retorno algum além do apego, do carinho. Eu costumava dizer
que a Jolie era uma “gata de companhia”. Você já havia deixado essa fase. Mais
novinha, você adorava se enfiar debaixo das minhas cobertas, enroscar-se comigo
quando eu assistia TV ou lia. Depois, mudou-se para a cozinha, dormia em
tapetes, em caixas de papelão. Envelheceu sem perder o apetite.
Igual a mim.
Desde q você morreu, a fome me consome. Vai passar, eu sei,
junto com esta saudade danada. Mas ainda
faz o olho encher d’água, a cara se encrespar, o coração se afundar. E eu nem
sei se quero que passe.
Um comentário:
Quanto amor! Bjs
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