13.8.17



Detesto solenidades em geral. Jamais compareci às minhas formaturas. Colei grau no gabinete do reitor, de bermuda, segurando o cestinho da bicicleta, me achando a super-carioca. A vida me obrigou a acompanhar formaturas diversas, e procuro me adequar ao cerimonial, chorando copiosamente quando o formando que me obrigou a suportar aquela tortura é meu filho. Em outras ocasiões, tento me lembrar das contas a pagar - para não adormecer ao longo de horas de imobilidade, ouvindo discursos que sempre são semelhantes. De um lado, formandos afirmando que começa ali uma nova etapa da vida, jurando amizade e lembrança eterna dos colegas, cujas características são descritas pormenorizadamente. Do outro, professores, elogiando os formandos por terem ultrapassado outro patamar da existência.


Era isso que eu imaginava que aconteceria numa noite de sábado, em que percorri uns 30 quilômetros até o Recreio dos Bandeirantes - e mais de 40 para retornar a Botafogo, porque imaginou-se que pela Linha Amarela era mais "perto" do que descer a Barra toda - para ver um amigo querido se graduar. Só que, depois dos 50 anos, felizmente, tornei-me mais observadora da vida. Tenho um olhar antropológico para qualquer situação, aproveitando oportunidades para descobrir o como o resto da humanidade se comporta. Acho que é a consciência da mortalidade que não me permite o luxo do tédio, algo do que sofria na juventude, como qualquer adolescente.


Então, chegamos lá, de carona com um casal de anjos que se dispôs a nos levar até o Recreio. Ao saltar do carro, me lembrei que esquecera o convite. Já pensava em passar a noite do lado de fora do salão, onde umas três mil pessoas se espremiam. Fiz cara de simpática, sorri para o porteiro, reclamei do ar condicionado e entrei direto com aquela cara de pau do outro milênio, quando costumava driblar seguranças em boates ou na entrada de filmes proibidos para menores de 18 anos. Minha amiga, atrás, escondeu seu próprio convite e me seguiu. Lá dentro, não houve como me entediar.


Marcada para as 8 da noite, a cerimônia iniciou-se, brasileiramente, 40 minutos mais tarde, quando mal havíamos nos acostumados com o inebriante cheiro de salgadinhos que dominava o ambiente. A primeira dúvida nos assaltou: o locutor usava peruca ou estava de cabelo (mal) pintado? Era peruca, esclareceu nosso amigo, o formando, sentado logo atrás do apresentador. Houve apenas três discursos, para felicidade geral dos espectadores. E teve muita música.


Havia dois cantores, um rapaz e uma moça, ambos lindos e de vozes potentes. O problema era a afinação, que não acompanhava o volume das vozes. Depois de uma espécie de oração, a "homenagem à Deus" (assim mesmo, craseada, estava num telão - o que me levou a digressões sobre o gênero divino, ou seja, já que Deus não tem sexo, é espírito, porque a palavra que o designa deveria ser masculina? Comportaria, então, a crase? À parte a abstração filo-teológica-semântica, por princípio básico, estava mais que errada a crase, já que era uma solenidade promovida por um curso universitário, que deveria zelar pela norma culta do vernáculo), o cantor entoou um sucesso popular cuja letra só eu desconhecia. Algo gospel, que fala "como Zaqueu", ou seja lá quem for.


Rolaram os curtos discursos, começaram as entregas de diplomas. O cantor e a cantora, animadíssimos, em dueto, entoaram os grandes sucessos da época áurea das discotecas. Lá pelas tantas, findou a diplomação. O fim estava próximo, mas não sem outra homenagem, dessa vez à mais idosa pessoa presente, uma senhora de 90 anos, avó de uma das formandas. Nova cantilena chorosa, o momento deveria ser emocionante, mas nem a velhinha estava muito convicta de sua função sob os holofotes, nem a neta demonstrava muita paciência em explicar à doce vovó - como dizia o locutor empolado - o que fazer naquele momento constrangedor. A plateia remexia-se indócil, surdamente enfurecida com a correria das 48 crianças abaixo de 3 anos presentes, que se deleitavam em desalinhar cabelos de pais e desordenar cadeiras. As crianças venceram. Exaustos, pais diplomados continham os pirralhos para a foto da família com o paraninfo da turma, enquanto nós imaginávamos como voltaríamos para a Zona Sul de táxi, se é que apareceria algum por volta de 23h naquela imensa autoestrada.

De carona, sem reclamar, aproveitei para ver pela primeira vez o Teleférico do Alemão. Confesso: foi muito mais divertido do que pensei. Cantei, ri muito e fiquei feliz por ver tanta gente sinceramente radiante por conquistas que pouco significam para quem teve a opção de estudar a vida inteira. Eles não tiveram a opção, eles só conseguiram estudar depois de se fecharem as portas para carreiras reservadas a mim, a meus amigos, a meus filhos. E festejam numa formatura cafonérrima como qualquer solenidade. E o júbilo em cada olhar acabou me comovendo sinceramente. Quem sou eu pra rir da alegria alheia. Todo mundo tem o direito de comemorar da maneira que quiser. Sem luxo, sem rapapés, mas com aquela espontaneidade que só a alegria genuína consegue produzir.

Entrei besta, saí pequenininha, entendendo que a vida é mais do que um nariz levantado, um olhar irônico, um sorriso cheio de sarcasmo.

É, acho que estou aprendendo a envelhecer e a curtir meu outono no planeta.

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