28.1.05

Livros, livros a mancheias

Como todos os leitores compulsivos tenho o hábito de ler diversos livros ao mesmo tempo. Abro um livro novo, leio dez páginas e empilho sobre outros volumes na mesinha de cabeceira. Vez por outra, pego um deles com uma tremenda sofreguidão para largar e agarrar outro, com pena do que já está à minha espera há tanto tempo... Lógico que, além dos empilhados, há um ou dois que leio direto até acabar.

Alguns desses livros, já me conformei, jamais serão lidos de uma sentada só. É o caso da "Louca da Casa", que arrasto desde outubro, lendo um capítulo aqui, outro ali. Tem também o "Backlash", da Susan Faludi, que enfeita minha mesinha, abaixo do "Stupid White Men". O morrinho atual tem ainda os "Contos Fantásticos do Século XIX", selecionados por Calvino, "As Deusas, as Bruxas e a Igreja", "O Álbum de Oscar Wilde", "Contos Alemães", "Contos Norte-Americanos", "Bella Toscana" e o mais recente, "Shakespeare and Company". O interessante é que consigo me entender com cada trecho esquecido, retomando de um ponto no qual parei há muito tempo, com uma memória fotográfica que falha na hora de chamar algum filho (troco o nome de todos) ou nos absolutos "brancos" que me acometem sempre que estou muito cansada.

Quando criança, lia e relia diversas vezes os mesmos parcos livros infanto-juvenis que tinha em casa, além de Monteiro Lobato, do Livro de Ouro da Mitologia, Dickens, Júlio Verne, "Os Meninos da Rua Paulo", a saga da família de Laura Ingalls Wilder e a finada coleção "Jovens do Mundo Todo". Como o mercado editorial brasileiro ainda não descobrira o boom da literatura para adolescentes, eu entrei precocemente na biblioteca de meus pais, caindo de amores por policiais, principalmente Hammet e o que tínhamos da Coleção Amarela. Meus pais eram sempre convocados quando alguém ia se desfazer de livros e haja espaço para amarelados Mistério Magazine de Ellery Queen, com páginas úmidas de fungo que me provocava crises alérgicas solenemente desprezadas por minha volúpia de leitora.

O fanatismo que tenho por ler e por livros certamente se originou de uma infância sem televisão. Filha única, com pai e mãe trabalhando fora, sem TV em casa, eu era realmente uma raridade. Lógico que eu via televisão nas férias, na casa da vizinha ou de minha tia. Mas qualquer tempo livre era preenchido com leitura incessante e compulsiva. Cheguei ao absurdo de ler "Metamorfose" aos 10 anos, interessada pela história do homem que virava barata. Quando toda e qualquer possibilidade lógica de leitura se acabava (não cheguei a enfrentar biografias de Lincoln e Napoleão, nem me interessei por "Treblinka" ou "Dachau", mas gostei muito de "Dillinger, o Inimigo Público Número Um", que falava de todos os gangsters dos anos 20), depois de haver traçado José de Alencar, Machado, Tchecov, Steinbeck e Scott Fitzgerald, eu caía direto nas enciclopédias - na parte histórica, claro -, num livro da Abril sobre a década de 60, na coleção da Seleções do Reader's Digest (nada melhor que, em férias chuvosas, ler aquelas compilações de romances, reunidas em gordos volumes encadernados), O Mundo da Criança e o glorioso Thesouro da Juventude.

Para reduzir meu fanatismo e melhorar enquanto pessoa sem muitas dívidas, entre minhas resoluções de ano novo está a de não gastar tanto dinheiro com livros, DVDs ou CDs. Em duas semanas comprei apenas um CD, 2 DVDs e onze livros, mas dois eram didáticos, então não contam. De qualquer modo, acho que a média está muito boa, já que cinco desses livros foram comprados em sebo e um era "A Mulher do Tenente Francês", que eu nunca li, mas adorei "O Colecionador", outro era de contos da Isak Dinensen e também tinha um da Doris Lessing. Alguns autores, como Tchecov, são indispensáveis e justificam qualquer despesa extra.

Hoje, entendo que, como um ser não-místico, despejei todo meu fervor no culto aos livros. Eu gosto de pegar um volume bonito, de sentir o perfume de páginas novas, de tê-los sempre junto a mim. Sair sem nada para ler é impensável. Vou ao supermercado e ao banco com livrinhos ou revistas na bolsa para me entreter quando a fila está grande. Sempre carreguei leitura para a praia e até para o cinema (para antes da sessão começar, claro). Não chegaria ao cúmulo de fazer como o melhor amigo de meu pai, que o enfureceu, durante um Fla-Flu. Desinteressado pelo que ocorria no campo, abriu "Os Dublinenses" em pleno Maracanã e leu até o fim do jogo. Foi com este tipo de gente que me criei. Não dava para sair muito normal...

ATT - Os livros, livros são semeados à mão cheia, no original de Castro Alves. Mas eu escrevi como falava em criança, imaginando mãos repletas de volumes com letras douradas vindo em minha direção.

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