28.1.05

Perdeu, perdeu!

Começou antes do que eu imaginava. Está oficialmente aberta a temporada da caça aos incautos com listinhas de fim-de-ano. Mal virou o mês, recebi um envelope pequenino, junto com minha revista de programação da Net. “Boas Festas de seu entregador do Globo” está na frente do envelope. Há uns bons quatro meses não assino mais jornal. Dentro de meu lema “livrai-me do excesso de paranóia indesejada às 7 da manhã”, optei por ler jornal depois do clipping nosso de cada dia. Como, então, o entregador do jornal que não recebo tem a cara dura de me mandar um envelope sem sequer um cartãozinho? Pelos oito meses passados, é isso?

Hoje, novo ataque das hordas de pedintes de fim-de-ano me aguardava. A Catedral de São Sebastião é cercada por um descomunal terreno arenoso explorado por uma Car Parking da vida, que estabeleceu uma primeira classe e uma classe econômica para as vagas. Se deixarmos o carro no primeiro cí­rculo de vagas em torno da Catedral, pagamos módicos 3 reais por hora, 5 reais por 2 horas, 7 por três horas, 9 por quatro horas, seguindo em progressão ensandecida até completar 15 reais por 15 horas. Prefiro parar num nada aprazível recanto, separado do primeiro cí­rculo por uma correntinha e alguns cones. Há a segunda classe, o Baratex, que cobra 5 reais por doze horas e fica no mesmo terreno. Ao lado, atrás de um murinho, tem ainda o Super-Baratex, que cobra R$ 4,50 por doze horas e é gerenciado pela Coderte.

Pois bem, cheguei hoje, fiz um verdadeiro teste de baliza para estacionar na última vaga disponí­vel. Depois disso, surge um dos rapazes do Baratex. Cara inchada literal e literariamente, ele avisa: “ Ô­, patroa (é comigo mesmo)! A gente aqui tem uma tradição de um livro de ouro. Depois, você assina lá, ta?”. Aceno minha concordância com um trejeito de cabeça e saio resmungando que ele sequer me auxiliou a estacionar o carro. Mas terei que assinar o tal livro, já que ele parece disposto a deixar minha preciosa relí­quia da indústria automobilística ser, no mí­nimo, arranhada, caso eu não contribua com a caixinha de Natal. A verdade é que os moços do Carex são mais distintos, usam camisa pólo azul clarinha ou branca, têm jeito de quem acabou de sair do banho. Os dois do Baratex fazem o gênero descolado de baixa renda, entendeu, minha tia? Já no Super-Baratex o controlador do caixa ouve Djavan e tem lanterninha que auxilia quem precisa catar chaves de carro dentro das bolsas, me contou uma amiga.

Foi ela, aliás, a protagonista da mais nova modalidade de extorsão natalina.Ela estava na Lagoa, quando um menino de rua lhe pediu dinheiro porque tinha fome. Recolheu umas moedinhas, abriu o vidro e entregou para o menino, que, então, cravou as duas mãos na abertura da janela e disse: “ Aê, tia, me dá um dinheiro forte, só isso não”. Minha amiga, nervosa, começou a remexer na bolsa e o garoto conseguiu ver que ela tinha uma nota de vinte reais. Foi o bastante para ele querer aquela nota. “Aê, tia, me dá essa nota de vinte”. Ela então fez voz firme: “Fica com essa aqui”, passando-lhe uma nota de dez, aproveitando que o sinal abrira para arrancar com o carro.

Na verdade, ninguém pode dizer que minha amiga foi assaltada. O garoto pediu o dinheiro, não ameaçou, não mostrou arma. Só olhou fixamente para ela, aproveitou a descarga de adrenalina e faturou 10 pratas. Espero que a moda não se espalhe, mas a abordagem é semelhante a dos beneficiários das “caixinhas”. Do jeito que eles falam, a gente se constrange e não quer passar por pão-duro. Deveria ser criada uma tabela de doações para as caixinhas e livros de ouro, pois fica difícil estabelecer quantias, já que o total, teoricamente, será dividido igualmente. Ou será que o responsável pela abordagem tem um percentual maior? Enquanto as dúvidas persistem, melhor é decidir se dou R$ 10, R$ 15 ou R$ 20 pro Livro de Ouro, lembrando também que carteiros, entregadores de revistas que não assino e garis atrasam, mas não tardam.

Do Multiply, em 01/12/2004.

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