8.2.05

Révéillon

Uma pequena aranha, nem de um centímetro, se aproxima de mim. Vem do teto, pendurada num fio de teia. O que faz aqui embaixo? No mínimo checa quem é a maluca que, com uma vassoura mortífera, andou tirando do teto todas as suas companheiras no digno ofício de papar mosquinhas. Toco em uma de suas perninhas para ver se está viva. Está, foge para cima. Deve haver um botão de elevador na barriga dela, que acaba mudando de posto de caça. Fica em cima de minha cabeça. Dificilmente encontrará alimento por aqui.

Na praia, Júlia e Hugo pegaram uns bichos que não sei classificar. Moluscos, claro, dentro de conchinhas achatadas. Botamos dentro de um frasco de bebida isotônica (nossa, pareço até texto de matéria do Jornal Nacional. Era Gatorade mesmo) e eu pude, pela primeira vez em 44 anos, observar as antenas (?) deles, que usam para reconhecer o terreno fora da concha. As antenas se abrem e se fecham. Não são compactas, têm cavidades que se juntam formando um belo desenho.

Para quem passou boa parte de sua vida profissional trabalhando domingos e feriados, ser igual aos seres humanos normais tem um sabor especial. Estar de folga por cinco dias, mesmo sem viajar, me torna uma observadora da natureza, enquanto as crianças brincam. Fazemos tatuagens com henna nos tornozelos, tererês no cabelo. Para que tudo tenha um cheiro de férias, não leio jornal, só vejo bobagens na TV e planejo, sem muita convicção, ir ao cinema. Estar distante das notícias é meu feriado. Sempre detestei o calor do verão, mas estar na praia me revigora. O sol libera minha endorfina e me sinto plena olhando o mar, sentindo a brisa na beirinha.

Sábado, em vez de correr atrás de bloco, como era minha intenção, comandei uma boa faxina. Meu tetos pareciam da casa da Família Adams de tanta teia de aranha. Elas, geralmente, se salvam das vassouradas. Tenho até um certo cuidado em alertá-las, pois considero-as aliadas, já que me livram de alguns insetos. Há duas lagartixas que se esgueiram pelas paredes. Às vezes, as gatas conseguem abocanhar um rabo ou patinha de alguma coitada. Depois da faina de limpeza, tento ignorar a areia que, por mais que a gente lave o pé, sempre fica no assoalho. Dorminhocar após o almoço também é fundamental.

Eu poderia ter adiado a faxina para outra época e aproveitado melhor o sábado chuvoso. Aquela faxina, além de necessária, era um ritual de fim-de-ano dentro de meu processo de descoberta de um simples fato, que agora posso compartilhar com os outros brasileiros: o ano sempre começa numa quinta-feira. Engata só na segunda-feira, mas vai começando, devagarinho, com um sabor de despedida de festa, na quinta-feira.

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