20.5.05

Botafogo pede passagem




Eu já achava que Botafogo só não era o mais suburbano bairro da ZSul porque existe a área do Catete, Largo do Machado e afins (um pouquinho da Glória e do Flamengo). Assistir ao "Bendito Fruto", filme de estréia de Sérgio Goldenberg, só confirmou o que eu pensava. Comédia carioca gostosinha, um pouquinho sem ritmo, um banho de interpretação da mulherada (Vera Holtz, Zezé Barbosa, Lúcia Alves e até a linda Camila Pitanga) em torno de Otávio Augusto não tão brilhante como em outras atuações, mas ainda assim, bem.
O pano de fundo é um bairro sem praia, com um movimento estúpido de automóveis e pessoas, calçadas estreitas, uma "passagem" que é destino de muita gente com tantos colégios e consultórios médicos, além de clínicas dos mais diversos tipos, inclusive de aborto. Existe o Botafogo mais ZSul, intelectualizado, que freqüenta os cinemas do Estação, o Sérgio Porto, a Prefácio e compra no Zona Sul da Bambina. Este Botafogo convive com o bairro empobrecido, onde mansões encobrem a Santa Marta. Com o bairro do Rajá, que tem outro nome agora, mas a mesma população que freqüenta, democraticamente, o Escadaria Praia Shopping e a Casa & Vídeo. Tem o Botafogo aristocrático, dos colégios de mauricinhos e patricinhas (Santo Inácio, Andrews, Corcovado e Padre Antonio Vieira), dos meninos de classe média menos alta (Santa Rosa, Princesa Isabel, Imaculada Conceição), dos filhos dos bichos-grilos, alternativos, intelectualizados e artistas (Sá Pereira e Edem), das ruas maravilhosas do Humaitá. Tem também o bairro de classe média baixa, que põe os filhos em escolas modestas, como o Santo Carlos Magno e o Nossa Senhora de Lourdes, que só compra no Mundial da Voluntários (apontado pelas donas-de-casa como o mais barato dos supermercados da ZSul). Os pobres, do Santa Marta, esses têm filhos estudando na México ou na Joaquim Nabuco. E, perto do Carnaval, participam dos ensaios da São Clemente na praça do metrô.
A Voluntários da Pátria é uma das ruas mais feias do mundo, mas melhorou um pouquinho, após o Rio Cidade, admito. Na São Clemente, não deu para fazer Rio Cidade, ou o caos imperaria da Avenida Brasil ao Pontal. "Bendito ao Fruto" começa com um acidente que realmente aconteceu, ali na São Clemente, a tampa de bueiro que voou e foi parar num carro, onde, milagrosamente, não matou o motorista. Foi bem na esquina de minha casa, em frente ao palacete do Paula Machado, que considero o cenário perfeito para uma mansão mal assombrada. Botafogo tem locais soturnos e sombrios, como o fim da Arnaldo Quintela, aquela pracinha na Eduardo Guinle, que foi onde pudemos observar uma gata parindo numa tarde úmida.
Não era para eu gostar de Botafogo, nascida em Santa Teresa que sou, criada desde os 2 dias de idade em Ipanema, de onde saí aos 26 anos para viver 11 meses na Tijuca e me mudar para a Dona Mariana. De lá, fui para a São Clemente, onde permaneço pensando que gostaria de estar mais perto do mar outra vez. Mas o dinheiro e a praticidade me fixam em Botafogo, lar do Horácio, o mendigo, tem uma história tocante de vida (é irmão do outro Horácio, o padeiro, tem uma casa no Santa Marta, mas cisma em viver pelas ruas). Sofia, a outra mendiga, já teve três filhos, adotados sempre por moradores da Dona Mariana.
A todo momento sobem novos edifícios em Botafogo, o bairro sem calçadas, onde não podemos passear, apenas morar. O comércio pouco sofisticado apresenta provavelmente o maior número de farmácias por metro quadrado do mundo. E lojas de animais que recolhem os gatinhos nascidos nas ruas para doar aos fregueses (caí nesse conto quantas vezes...). Tem a amante de gatos que os anuncia na Internet e exige que assinemos fichas de responsabilidade quando pegamos um bichaninho em sua casa. Na loja do seu Manoel, acabamos nos convencendo a carregar viveiros e poleiros coloridos para pássaros. Ao lado, a loja de macumba, uma das várias do bairro, vende vasos de plantas lindas e baratas.
Uma região imensa e tão desigual tinha que abrigar templos para todos os credos. Quantos terreiros, quantos centros espíritas, quantas igrejas evangélicas e católicas coexistem harmonicamente, separadas, às vezes apenas pelo asfalto? A Rua da Matriz, em frente à maior igreja católica do bairro (há pelo menos mais umas cinco, de rua, ou dentro de escolas), tem três templos protestantes e um centro espírita.
É certo que o Rio inteiro é heterogêneo, mas Botafogo hoje ombreia Copacabana em vida pitoresca.

3 comentários:

Anônimo disse...

Olha eu aqui de novo Olga! ;o)
Já morei em Botafogo duas vezes: uma na rua São Clemente (em frente ao Dona Mata q eu detestei) e a outra na rua Ministro Raul Fernandes (bons tempos). Não gosto de Botafogo definitivamente mas saio de Laranjeiras parair até a Cobal. Ai, aquele galetinho...
beijinhos e vou ver o filme! Ju

Olga de Mello disse...

Bom, Ju, eu não moro em Botafogo por opção. Preferia ter continuado em Ipanema, mas, depois de 16 anos no bairro, aprendi a valorizar o que ele tem de bom e hoje me sinto "em casa" lá.

Anônimo disse...

Olga, moro em botafogo, compro no Mundial e no Rede Economia, minha filha estuda no IMPERIAL, frequento a Casa&video e tudo isto com muito orgulho, tenho imovel proprio, trabalho fixo, plano de saude e aposentadoria, nao gostei da forma pejorativa como vc se referiu aos moradores menos privilegiados financeiramente, nem acreditei que quando no final li que vc é nascida em Sta Teresa, pensei que tivesse nascido na Suécia....