16.5.05

Inventário





Meu sapato já furou, minhas roupas estão puídas, minha paciência não se acaba apenas porque há novidades farmacológicas poderosas específicas para se aturar a vida. Não estou depressiva, mas realista. Impaciente, talvez, e com razão.
Em poucos dias, engoli uma obturação (durante um almoço de negócios, claro), um vírus se instalou em meu computador, o celular da empresa foi furtado (nem senti levarem. Vão se dar mal, o modelito da Samsung é bonitinho, mas ordinário) e, depois de uns bons seis meses, me estabaquei no chão, a caminho da praia. Como disse uma amiga, à parte a obturação que é erro genético mesmo (como confundir um pedaço de porcelana com comida?), minhas demais agruras são rotineiras na vida moderna (Web) e dos que permanecem na Resistência em uma cidade violenta e esbucarada.
No corredor de meu apartamento, um cartaz em tamanho quase natural do Indiana Jones tampa a cratera aberta pelo pedreiro há algumas quinzenas para observar o que acontece na infiltração da parede. Bom, confiro todos os dias que a infiltração, que estava lá, quietinha, não seca. Por que resolvi me antecipar ao desastre a abrir a parede? Para ter esta oportunidade única de uma observação científica sobre um vazamento que, segundo o especialista, vem da banheira e, em vez de descer para o andar de baixo, sobe em direção do chuveiro. Nem me perguntem por que eu aceito explicações que desafiam a lógica e a física. Pior que isso só os sustos que levo ao me deparar com a silhueta do Harrison Ford. Igual a uma estátua de um padre, pavorosa, que tinha no Notre Dame e que era constantemente transferida de lugar, provocando calafrios aterrorizados nas alunas. Normalmente, ela era instalada na escadaria de entrada na clausura - um local misterioso que, segundo meninas possivelmente mentirosas, tinha cortinas de filó como divisórias das camas das freiras. Essas mesmas meninas juravam que as irmãs eram carecas, o que comprovamos ser mentira quando elas abandonaram os véus e parte dos hábitos. Bem que o Indiana Jones tem um aspecto muito mais agradável do que o padre corcunda, mas anda me atemorizando da mesma maneira...
Há outra infiltração na sala, esta imensa, ameaçando romper há alguns anos. Tive a sabedoria de deixá-la ao sabor do tempo e não esburacar tudo em busca da origem dos problemas, que, sei bem, de onde vêm. A papelaria ao lado do prédio já fez diversas obras de mais-valia. E eu minhas paredes se danam a cada uma delas.
Descobri também, por esses dias, que as gatas, não contentes em desfiar um dos sofás, furaram a palha de uma cadeira de balanço. Para consertar no faz-tudo, da rua, usando fio sintético, sai baratinho, só 80 reais. O braço da mesma cadeira quebrou, assim como o de um sofá sessentão, que foi da minha avó, de meu tio, de minha mãe e agora é meu. Há duas janelas com vidros quebrados, assim como o box de um dos banheiros. Ah, também preciso de uma nova cadeira para o computador, mas é melhor tirar o vírus antes.
Na casa de minha mãe, nada disso acontecia. Perfeccionista, ela não dormia com fios despencando por trás de aparelhos de som ou TV. Por mais que eu tente ser organizada, as coisas despencam sobre mim e, para não despencar junto, o que fazer? Esperar sábado para pegar uma praia, claro! O que não se resolve, resolvido está.

6 comentários:

Olga de Mello disse...

Erudita, eu?
Imagina? sou mais pop que o Papa!

Anônimo disse...

Olga,
está maravilhosa seu novo espaço! Casa nova e com seu toque esepcial! Beijos

Anônimo disse...

Pois acho que o "disfarce" está funcionando muito bem: não reparei a tal infiltração.
Já o braço da cadeira... eu não devia ter me apoiado nele.
Só de pensar nessas "obrinhas" já me arrepio, mas será que não dava pra fazer os consertos por etapas?

Beijo

Olga de Mello disse...

Wagner, tento repostar uma mensagem. ô coisa complicada, Deus do Céu! é capaz de ela andar pelaí, nas virtualidades deste mundo imaginário e tão real pelo qual transitamos.
Mas vamos aos fatos: você NÃO QUEBROU o braço do sofá. Aquela instalação contemporânea, com fita adesiva sobre a madeira, já estava incorporada ao objeto, que expressa o descontentamento do ser moderno com a acomodação...
Afinal, uma casa tem que ser conceitual, não? (rs)
Espero que, na sua próxima visita, alguns dos consertos necessários já tenham sido efetuados. Minha casa anda estropiada como eu...
beijo!

Olga de Mello disse...

Ju,
venha aqui sempre!
É bom como a casa antiga...
beijo

Anônimo disse...

manda benzer!