27.7.05

Depoente

E se meu nome fosse Marizilda Stephanie e eu fosse parar na CPI?
Vestiria meu surradíssimo blazer de crepe preto,
camiseta preta, calça preta, scarpin pretos.
E assim, fantasiada de urubu, com poucas bijouterias, porque sou classe média mesmo e as jóias já foram torradas, pregadas ou roubadas,
estaria lá sentada, sem advogado, imaginando como pagaria a segunda parcela da passagem aérea comprada no cartão de crédito - ou a CPI providencia a passagem pros depoentes?
Falaria de minha vida pregressa e do meu pequeno progresso profissional e patrimonial.
Falaria que tenho quatro filhos, mas só vivo com dois.
Os maiores, ingratos, quiseram ter aquela "presença masculina" tão necessária para a formação do caráter do menino.
Os menores podem querer à vontade, que daqui do meu lado não saem não!
Pensaria que aproveitaria a estada em Brasília para ver meus filhotes, tão lindos, tão saudosos, tão grandes, tão amorosos com a mãe com quem falam quase diariamente, mas que encontram apenas a cada três meses.
E viria a carga:
"A senhora conseguiu seu emprego por indicação política ou profissional? Ou foi uma indicação pessoal? Foi seu ex-marido? Foi seu ex-namorado? Qual é seu relacionamento com seu ex-marido? E com a mulher de seu ex-marido? Em que posição a senhora se coloca nos relacionamentos afetivos? Como a senhora adqüiriu seu carro? Quantos automóveis a senhora teve? Por que a senhora não optou pelo ofício de dona-de-casa? Por que a senhora vive na Zona Sul do Rio? A senhora tem empregada doméstica? Quer dizer que a senhora emprega uma mulher para cuidar de sua casa, de seus filhos, enquanto a senhora vai trabalhar? A senhora tem um tio que morou em Brasília em 1960? A senhora tem família em Brasília? Sua mãe trabalhava na Caixa Econômica Federal? Seu pai era jornalista? Sua tia é aposentada do Ministério da Fazenda? Seu avô era pedreiro? Ele foi fundador do PT? Havendo morrido antes da fundação do PT, seu avô não instruiu sua avó, em Santa Catarina, para participar da fundação do PT? Seus avós sabiam do esquema do mensalão?"
E aí eu veria que minha história, como a história de toda a humanidade, está entrelaçada a ponto de qualquer pergunta feita pelo novo tribunal do Santo Ofício parecer incriminatória.
Mas juro que não ia chorar.
Minhas lágrimas eu quero guardar para emoções mais sinceras.

3 comentários:

Anônimo disse...

Olga, gostei desse seu texto,tão apropriado ao momento que estamos vivendo. Vontade de chorar lágrimas de verdade, não?

Olga de Mello disse...

Viva, Sonia, que bom que você chegou aqui!!!!

Anônimo disse...

que bom que você chegou aqui!!!!
E visitei o hai-kai também.