22.7.05

Uma quinta-feira qualquer

Jamais acreditei em mau olhado, trabalho ou encosto. As pimenteiras que comprei secaram todas, mas não sei cuidar de algumas plantas. Nunca, nunca mesm, achei que inferno astral acontecesse, embora observasse que eletrodomésticos sempre quebram em seqüência, o que deve ser diretamente ligado à falta de cuidados com eles. Quando ferro de passar roupa pifa, é certo que o liqüidificador vai quebrar, que a máquina de lavar não centrifugará uma só peça ou que o fogão perderá os comandos automáticos.
Além dessas epidemias de panes mecânicas, nunca sofri uma série de revezes seguidos. Isso até duas semanas atrás. É verdade que o início dos azares começou por minha culpa, minha máxima culpa: devido à total falta de raciocínio lógico e conhecimento aritmético, tive um cheque devolvido, pois não sei calcular CPMFs e cobranças de taxas bancárias a cada segundo que se utiliza uma conta bancária. Dancei, paguei o cheque e ... o cheque foi PERDIDO pelo Pão de Açúcar/Casas Sendas. Então, eles entregam um papelzinho de recibo, atestando que a gente deveu, sim, mas já pagou e nada mais deve ao estabelecimento. Os bancos, geralmente, aceitam o papel. Não o Banco Real, que exige, além do documento, uma certidão negativa de um cartório e a microfilmagem do cheque desaparecido. Enquanto isso, o nome do ex-inadimplente continua sujo no Banco Central.
Este era o primeiro dissabor. Aí, meu computador pifou. Esperei que outras máquinas da casa se manifestassem, mas foi a única. Combinei de levá-lo ao conserto quando saísse para trabalhar, mas aí tive a notícia, já aguardada, do falecimento de meu padrinho - isso, sim, uma tristeza imensa, uma perda terrível, uma lacuna que a vida vai demorar a completar.
Em vez de ir ao trabalho, rumo para o velório de meu padrinho, que seria cremado no dia seguinte. Permaneço com minha madrinha até o fim do velório, acompanhamos o corpo até o refrigerador do crematório e volto para o carro, fervente a esta altura (cheguei de manhã, saí às 3 e tanto da tarde), numa quinta-feira quentíssima do inverno carioca. Há algum tempo, a porta do carona de minha brava Relíquia (14 anos mês que vem, mais velho que alguns de meus filhos) estava emperrada. E, logicamente, um outro veículo, uma Blazer imensa, havia estacionado grudadinha na minha porta. Consegui abrir uma das portas traseiras, passar por cima do computador, mas não deu para sentar no banco do motorista porque estava tão quente que não havia como eu entrar direto sem queimar as duas mãos. Então, soltei o freio de mão e, auxiliada por Maria, minha babá, que me criou e que hoje já tem 60 anos, empurramos o carro até que eu conseguisse abrir a porta dianteira, pegar uma flanela e manusear o guidom. Tudo bem dificultado por meu porte curvilíneo e paquidérmico, claro.
Saímos dali e pegamos um baita engarrafamento na Avenida Brasil. Seguíamos em velocidade baixíssima quando fui abalroada por um imenso caminhão Scania, dirigido por um mineiro distraído e cego. Por sorte, ele pegou meu lado e não aonde Maria estava sentada. O engarrafamento fora causado por uma blitz, onde parei e fiz um escândalo, gritando para os guardas que parassem "aquele palhaço cretino" que estourara o lado de meu carro. Pararam. O motorista, que responde pelo nome Sérvulo, informou que pusera a seta para avisar que ia entrar.
- Sim, mas você estava atrás de mim. Como eu ia imaginar que você jogaria o caminhão em cima de um canteiro e passaria por cima de mim. Só com o retrovisor?
Papo vai, papo vem, ele me passou o número dos telefones, os guardas querendo bater no cara, param minha madrinha, as filhas, os genros, todos os que estavam no velório. Um show! Eu, que tremia sem parar, tive que me acalmar e tranqüilizar meus defensores antes que avançassem no seu Sérvulo.
Enquanto refletia o quanto ando enrolada na vida, percebo que o Cabo Alexandre se aproxima sorridente com minha carteira na mão:
- Eu sei o que a senhora é!
- Sabe? (ai, ele descobriu que minha lanterna traseira queimou e vai cassar minha carteira por negligência!)
- Sei sim. A senhora é professora!
Dei uma gargalhada e disse que era jornalista, embora, num passado muito distante, tivesse cursado o Normal.
- Então é isso. Uma vez professora, sempre professora. Logo vi que a senhora devia ser assim. Este jeito de falar, esta finura toda...

Só as conclusões do Cabo Alexandre para eu refletir que, definitivamente, não existe inferno astral. Existe é falta de organização pessoal, o que acaba levando ao acúmulo de problemas como as duas vidraças que precisam ser trocadas, a palhinha da cadeira de balanço que furou, a infiltração do corredor, que finalmente acabou e chegou o momento de tapar o buraco e pintar a parede, trocar o papel do quarto da Júlia que está rasgado...
Tudo porque, na verdade, me dei dias para esquecer as obrigações e jogar os pés pro ar!



Nenhum comentário: