13.1.06

Ideologia da falsidade

Por que uma roqueira fracassada finge ser um jovem ex-garoto de programa, portador de HIV e ex-travesti de alguma forma? A farsa de J.T. Leroy tem tantas vertentes que já não sei nem mais o quanto este personagem encarnava no papel de épateur de la bourgeoise. No fim, era uma mulher interpretando tudo aquilo (ouvi ou li que ele/ela também fizera uma cirurgia para trocar de sexo). E a qualidade literária do personagem, vale?
Um de meus filmes favoritos é uma espécie de palestra filmada do Orson Welles, "F for Fake", no qual ela levanta a tese de que o trabalho de falsificadores em geral dá continuidade a obras primas. Um dos pontos de apoio do filme é a pergunta: quem é o autor da Catedral de Milão? Milhares de anônimos e, no entanto, ela é maravilhosa, sem a necessidade de um nome que carimbasse a garantia de qualidade. Lógico que até esta tese é uma farsa do Welles, que ficou famoso ao "transmitir" a invasão da terra por extra-terrestres, lendo "A Guerra dos Mundos", do H.G. Wells (não, talvez, por acaso, seu homófono).
Se hoje a farsa é forma de lançar seu nome no mercado, este, geralmente, pune os mentirosos. A dupla Milli Vanilli é a prova maior do justiçamento popular, que não aceita a empulhação de playback. O caso Leroy, no entanto, ainda pode ter desdobramentos mercadológicos, como a explicação sobre a farsa por sua autora, gritando ao mundo que o mercado discrimina uma mulher comum, porém incensa os que se fazem de malditos.
Ainda não li Leroy, li apenas as aventuras de seu personagem, do qual não gostei desde o início por estar definitivamente cansada dessa turma que adora jogar pra platéia. Todo mundo pode ter uma vida desgraçadamente difícil e até revelar os esqueletos guardados no armário, mas será tão necessário assim criar uma fábula para faturar mais? Todas as vidas neste mundo dariam um romance. Basta ter o ângulo certo para enfocá-las e contá-las.
E vamos falar sério: alguém mais agüenta saber das taras e idiossincrasias de cada celebridade mundial?

2 comentários:

ipaco disse...

Eu acho que a grande questão, Olguita, ninguém comentou ou analisou: como é que a imprensa cai nessa? O jornalismo hoje é tão voltado para fait divers e celebridades que ninguém mais questiona quando um "esquema" como esse aparece. Simplesmente se publica.

Olga de Mello disse...

Acho que a imprensa atualmente fica no papel de público. Assim como a justiça e a polícia. Deixa tudo estourar. Vende jornal? Vende, claro. Vende livro? Também. E ainda dá pra fazer telefilme contando a fraude toda.
O negócio é vender. O que for. Sem qualquer critério. Sem qualquer compromisso com a verdade.