22.9.06

O coreógrafo dá espetáculo na periferia
Na década de 60, o paulistano Ivaldo Bertazzo assistiu ao espetáculo de "um louco" chamado Maurice Béjart e decidiu fazer da dança seu ofício. Quarenta anos mais tarde, ele se dedica a mostrar que a dança pode ser não apenas uma expressão artística, mas uma maneira de reeducar atitudes perante a vida, tanto para profissionais engravatados, que procuram sua escola a fim de relaxar das tensões do dia-a-dia, quanto para jovens da periferia de São Paulo, que participam do projeto Dança Comunidade. Mais do que levar seus alunos ao palco, em espetáculos que juntam canções da Índia e da África do Sul aos batuques brasileiros, Ivaldo quer, por meio da arte da dança, promover a mudança de valores desses jovens, preparando-os para disputar o mercado de trabalho.
Trazer um rapaz da periferia para um ensaio em sala de dança não é tarefa fácil; por isso o recrutamento fica a cargo de ONGs. "Depois vem a fase de convencer as famílias e os professores. Chamamos todos aqui, fazemos palestras, demonstrações. Se não houver integração, não sai nada", diz Bertazzo.
A primeira experiência foi no Rio de Janeiro, quando montou um projeto de experimentação de coordenação motora com 70 adolescentes de 12 a 20 anos, todos moradores do Complexo da Maré. O trabalho acabou evoluindo para três espetáculos: "Mãe Gentil" (2000), "Folias Guanabaras" (2001) e "Dança das Marés" (2002). Em São Paulo, começou o Dança Comunidade no Sesc, em 2003. A proposta era ensinar dança e formar professores entre pessoas sem qualquer conhecimento formal de técnicas de balé. Atualmente, com apoio da prefeitura de São Paulo, os 100 jovens que participam do Dança Comunidade recebem bolsas-salário e têm cinco horas de aulas diárias de música, percussão, reeducação do movimento, dança, origami, fisioterapia e práticas circenses. No Sesc, o grupo já montou concorridas temporadas com os espetáculos "Samwaad - Rua do Encontro" e "Milágrimas".
"Tão importante quanto se apresentarem em palco é que se profissionalizem, que saiam do assistencialismo e se valorizem por meio da carteira assinada, do emprego", acredita Bertazzo, que trabalha com amadores desde 1975, quando criou a Escola de Reeducação do Movimento e passou a montar espetáculos com os chamados "cidadãos dançantes". Nunca deu atenção às críticas, que sempre surgem, lembrando que o Brasil tem a tradição de aceitar amadores em teatro, fotografia e música, mas reserva a dança para os profissionais.
"Eu queria quebrar esse padrão, levar para o palco corpos heterogêneos, sem a uniformidade dos bailarinos. A Broadway, em Nova York, está repleta de talentos porque diversas gerações de artistas aprenderam a dançar nas coxias. Esses meninos vêm aprender uma linguagem gestual muito diferente da que usam no axé ou no funk, e também abrem os ouvidos e as mentes para outros sons. Além disso, o fato de se deslocarem para o centro de São Paulo os levará a tomar posse da cidade, a descobrir o circuito cultural, a ter um novo desejo de consumo", acredita Bertazzo, que continua à frente de algumas turmas na escola, entre elas a dos jovens do Dança Comunidade."

(Olga de Mello, para o Valor, do Rio)

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