Sempre disse que ser repórter era conhecer luxo e penúria, por vezes, no mesmo dia. Sexta-feira, eu colhia os louros de uma entrevista com o Gustavo Franco sobre seu Shakespeare e a Economia , publicada no Valor Econômico ; sábado, fui para o Império Serrano, em Madureira, cobrir uma promoção do Tamoio Notícias, o tabloide popular para o qual também escrevo.
Graças ao Tamoio, volto a testemunhar o equilíbrio das relações sociais de uma cidade em que os contrastes tentam se camuflar, mas só se acentuam em diferentes campos. O lazer é o que mais nos surpreende. Não que eu jamais tenha frequentado sambas na ZNorte. Quando criança, era comum ir ao Maxwell, à Vila, à Mangueira. Quem organizava as caravanas era o Waldinar Ranulpho, que trabalhava na Última Hora onde papai era redator. Meu padrinho, João Ribeiro, era o motorista dessas incursões. Invariavalmente, perdíamos uma hora e meia na viagem, devido à falta de familiaridade de João com os caminhos.
Nas escolas de samba e nas rodas, éramos tratados como aristocratas graciosamente visitando o campesinato. Waldinar só nos chamava quando havia alguma homenagem à imprensa. Uma adorável figura, reverenciada pelos sambistas e macumbeiros, adorava carregar os mauricinhos da ZSul para seu habitat.
Adolescente, eu bem que tentava manter alguma dignidade ao lado de meus pais e padrinhos que partiam para a pista, dançando e sambando sem a menor compostura. Depois de fazer pose e armar carranca por uma meia hora, eu me rendia ao samba e caia na folia, sem ligar se dançava bem ou não. O que valia era ser contagiada pela animação que desafiava o calor e o cansaço.
Trinta e alguns anos depois, preparada para morrer de calor na quadra da Império Serrano,surpreendo-me com a alegria que a maturidade nos fornece. Quando repórter jovem, pouco me divertia nos plantões de domingo, correndo os subúrbios para cobrir a vida dos outros. Hoje, observo essa vida alheia como um aquário no qual gostaria de mergulhar, mas que devo respeitar, para não poluir com minha inadequação o ambiente que surge exuberante do outro lado do vidro.
O encantador nesse povo que dança entusiasmado é que eles não têm qualquer pudor nem tempo para reparar nos defeitos alheios. Estão na quadra para se divertir, para encontrar os amigos, brincar, namorar, viver paixões. As jovens passistas não são mais cabrochas. São lindas e desempenham papéis, entre eles o de enfeitiçar o público. Quase todos têm samba no pé, incluindo senhores de cabeças brancas, elegantes, que puxam qualquer dama para volteios como se estivessem em salões de baile. Há os homens de meia-idade que envergam camisas com inacreditáveis estampas. E os poderosos, de profissões não reveladas, com roupas de linho, cercados por belas ex-passistas. Na cozinha, as "tias" dançam enquanto servem quem foi ao samba para comer feijoada. A sede só é aplacada com cerveja. Moços e velhos sacam de bolsos ou bolsas acessórios preciosos para enfrentar o calor: toalhinhas de mãos, com as quais escondem as evidências da transpiração, leques ou ventarolas, uma tentativa de suportar o ar pesado e sufocante.
Em nosso camarote, mimados como celebridades, dançamos timidamente enquanto a quadra já recebe mais de mil pessoas, que pulam sem se importar com a temperatura que aumenta, vibrando com sambas de outras escolas. O que vale é viver e se integrar.
Então, a gente volta à vida real, tranquila, bem-comportada, no ar-condicionado. Deste lado do vidro.
5 comentários:
gostei... "deste lado do vidro"...
saudades sabe de q? de ver o jongo...
tô com saudades de você, Olguíssima. beijocas.
Deverias ter ido a minha feijoada, na São clemente e levado todos os meninos para se misturarem com os meus.
Ana, me avisa quando vc vier à feijoada da S. Clemente. Mas à da Império eu fui para trabalhar. beijo!
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