7.6.11

O Padre de Ipanema


Era fim dos anos 60 quando fui arrancada do torpor em uma missa celebrada por um alemão louro, que caminhava pelo corredor da capela do Colégio Notre Dame, interpelando as alunas, que eram obrigadas a participar dos cultos às sextas-feiras. Falava um português carregado de sotaque, conclamando os "chjouvennns" a procurar Deus no dia-a-dia. Distribuía perguntas ao público, deixando aturdidas as meninas a quem fazia indagações durante as celebrações. E aos sábados, à noitinha, celebrava a Missa Jovem, onde cantava-se música acompanhada por violões, em vez do tradicional e insuportável orgãozinho elétrico.
Meu contato com Frei Clemente Kesselmeier foi ínfimo, restrito às confissões, uma tortura imposta às crianças que já haviam feito Primeira Comunhão. Filha única, sofria a angústia de buscar pecados a enumerar antes de revelar minhas ausências da missa dominical - o que me garantia reserva de vaga para a eternidade no inferno. Quem tinha irmãos sempre podia contar que batera num, puxara o cabelo de outro; eu falava que respondera mal aos pais, contava mentiras e proferira o nome de Deus em vão. Um padre me dissera "tão jovem e já nesse caminho, minha filha", o que me impressionara. Cansava de ver meninas mais jovens deixarem o confessionário aos prantos.
Frei Clemente gostava de ouvir confissões das garotas na sacristia ou no altar da capela, cara a cara. Ouvir é modo de expressão, pois ele mal nos dava tempo para o ato de contrição. Depois do primeiro "desobedeci a meu pai", ele já cortava nosso discurso, mandava que rezássemos as aves-marias e pais-nossos de praxe, dispensando as pecadoras redimidas. Com os adultos, era diferente. Uma vez ficou de conversa com minha mãe, na Igreja da Paz. Como estranhei a demora, Mamãe me contou que ambos mantiveram um interessante debate sobre dúvidas de fé. Ela, que não gostava das celebrações de Frei Clemente, barulhento, sempre de batina branca, parecendo um Jon Voigt jogado nos trópicos, passou a respeitá-lo, então, como um orientador espiritual competente.
À parte a teatralidade da Missa Jovem (as luzes eram diminuídas no momento da Consagração e acesas, rapidamente, após o "Eis o Mistério da Fé"), as missas de Frei Clemente eram animadas e superlotadas, tanto no colégio quanto na Igreja da Paz. Lembro-me particularmente de uma em que ele se dirigiu a nós perguntando a gíria para "homem bonito". Ainda não era "um gato", mas já havia deixado de ser "um pão" - a metáfora que ele buscava para falar sobre a escolha de Cristo em se perpetuar como alimento básico na Última Ceia. Naturalmente, achávamos que Frei Clemente era maluco e antiquado, mas ninguém negava seu carisma e sua intensa busca pela aproximação com os chjouvens.
Ao longo dos anos, encontrei Frei Clemente em diferentes ocasiões, fora da igreja ou das ruas de Ipanema. Uma vez, ele adentrou o quarto de um amigo, na Barão da Torre, num ritual de bênção da casa inteira, atendendo ao pedido da mãe desse amigo, uma Clementete assumida. Os Clementetes eram os frequentadores do Encontro de Casais da Igreja da Paz, que adoravam o Frei.
Acompanhei a última missa de Frei Clemente em Ipanema, na Nossa Senhora da Paz, antes de sua transferência para o Convento de Santo Antônio, no Centro. Estava de plantão, na redação, e fiz questão de pegar a pauta. Ele já fora objeto de uma entrevista que determinei como pauteira/chefe de reportagem do primeiro número do jornal da Faculdade da Cidade, que acabara de ser aberta em Ipanema. Mas minha matéria com ele foi sua despedida do bairro, pranteada não apenas pelos Clementetes. Em nenhum momento ele se deixou levar pela comoção dos fiéis, que ameaçavam queixar-se ao prior dos franciscanos, reafirmando que o dever do sacerdote é ir aonde há necessidade.
Nos últimos tempos, eu o via em entrevistas de televisão, na missa de Bodas de Rubi ou de falecimento de amigos. Do barulhento Frei Clemente, que faleceu ontem, aos 76 anos, e da algazarra da minha juventude restam a sensação de que a vida pode ser uma alegre celebração.

Um comentário:

Anônimo disse...

Nossa, eu frequentei muito as missas dos jovens do Frei Clemente em Ipanema. Eu gostava das missas, mas nunca conversei ou me confessei com ele. Eu me lembro que eles eram dois irmãos gêmeos, dois freis, mas eu não me lembro do nome do outro. Um dia um tio meu viu um dos freis numa boate de reputação escusa com uma mulher. O frei provavelmente achou que ninguém iria notar porque a boate era muito escura. Eu fiquei tão decepcionada que nunca mais fui a nenhuma missa dos jovens, mas também nunca soube qual dos irmãos estava na boate, se é que o meu tio enxergou direito.
Eu estudei no Colégio São Paulo, no Arpoador e me confessava com o padre Aníbal, ou no próprio colégio, ou então na missa do Forte de Copacabana. Em ambos os casos a confissão era sempre traumática para mim, porque eu era bem pequenininha e o padre Aníbal me obrigava a confessar de pé de frente para ele, na frente da igreja toda. Eu detestava aquilo! Eu era só uma menina! Hoje em dia eu até frequento a igreja, mas me confessar, nunca mais! Ainda por cima porque o padre Aníbal fedia a cigarro e a batina tinha um cheiro azedo de suor que me embrulhava o estômago. Naquela época os padres usavam aquela batina preta o tempo todo, inverno ou verão.
Estou triste em saber que o frei Clemente morreu. Foi ele quem rezou a missa do meu avô, e foi uma missa muito bonita. Ele marcou a minha adolescência com sua missa dos jovens. Era muito moderna mesmo para as missas de hoje. Acho que a Igreja deveria promover mais missas dos jovens para atrair os adolescentes a ir à missa. As missas de hoje em dia têm andado cada vez mas chatas, sinceramente...