17.11.11

Cadê meus óculos?



Perdi meus óculos. Uso lentes de contato, mas a preguiça me impede de colocá-las de manhã cedo. Então, enfio "a cangalha na cara", como dizia minha mãe, revoltada porque minha miopia escondia o verdinho de meus olhos.
No dia em que a miopia foi comprovada pelo exame oftalmológico, lembro de Mamãe triste, à espera do elevador, quando saímos do consultório. "Você vai esconder o que tem de mais bonito, que são seus olhos". Conformada, passei a chamá-los de "bonitinhos, mas ordinários".
40 anos mais tarde chegou a presbiopia, a popular "vista cansada", que me obriga a uma ginástica constante de botar ou tirar óculos. Se estou de lentes de contato, tenho que pegar óculos para leitura. Se estou de óculos de grau, comuns, tiro para ler de pertinho, igual meu pai fazia.
O grande problema é a adaptação a tantos novos movimentos. Nunca sei aonde enfio os óculos que tirei do rosto para ler. Até porque cometi a estupidez de mandar fazer óculos de armação quase transparente. E meus olhos menos míopes (caiu meio grau, agora só tenho uns três graus de miopia) não distinguem a maldita armação contra qualquer fundo. Então, tenho mais dois pares de óculos, de armações bem coloridas, mas com menos grau, apenas para encontrar os que me serviriam perfeitamente atualmente - se eu tivesse ideia de onde eles estão!!!!!!!!!!!
Envelhecer exige exercícios constantes de memória - e não é que a gente não consiga mais se lembrar de nada, É QUE TEM COISA DEMAIS PRA GENTE SE LEMBRAR!!!!!
Pagar contas, comprar comida pra um bando de lobos famintos e indolentes, que algumas vezes conseguem se encaminhar até o supermercado (quando a fome aperta) para comprar víveres perecíveis na primeira refeição, marcar médico para toda a alcateia, trabalhar, frequentar reuniões de condomínio (esta é um dos primeiros rituais de passagem para a vida adulta; você se torna um ser humano completo e responsável a partir da primeira reunião de condomínio), lembrar de organizar vaquinha natalina ou de aniversário para 1) a moça que limpa a sala do escritório; 2) seus subordinados no escritório, arranjar dinheiro para pagar as vaquinhas, reservar fundos para os presentes de Páscoa, aniversário e Natal dos porteiros do prédio, visitar os parentes idosos e adoentados, telefonar para os amigos idosos e adoentados de seus falecidos pais, que você considera como parentes idosos e adoentados, conversar (ao telefone, claro) com os amigos, ir ao aniversário dos amigos em churrascarias e restaurantes (nunca em boates, porque esse povo envelheceu e não gosta mais de dançar), às vezes em casa, comprar presentes de aniversário e Natal, comprar presentes de casamento para os filhos dos amigos (que se casam mais de uma vez!!!!! Antigamente era só uma vez, mas agora há vários casamentos. Haja presente!!!!), ler 800 livros para se manter atualizado, ler o jornal, ver os filmes do momento, ver as séries do momento, dormir.
Não dá tempo para ir à praia, ao cinema, fazer caminhada ou dieta, nem manicure - aquelas obrigações de manutenção própria, que, vez por outra, até consigo cumprir, mas apenas em momentos especiais e bissextos.
Quando eu era jovem, não tinha IPTU pra pagar. Contribuía simbolicamente com os gastos da família, pagando contas de gás e luz. Passar no banco para fazer os pagamentos era minha única obrigação, além de lavar a louça e fazer minha cama. Agora, depois de levar uns dez anos ensinando a alcateia a escovar os dentes cinco vezes por dia e a tomar ao menos um banho diariamente, tenho que brigar para que arrumem a bagunça que produzem na casa toda.
Com a mente tão dividida para atender à agenda imaginária, ainda querem que eu encontre meus óculos?
Estou com dor de cabeça e com os óculos mais fracos.
Ah, claro, e estou ficando surda. Realmente. Tem um zumbido que não deixa meus ouvidos, um grilo cricrilando, estridulando, estrilando em minha cabeça eternamente, igual minha mãe se queixou a vida toda.
Para mais resmungos sobre a vida pré-velhice, é bom ler Nora Ephron. "Meu Pescoço é um Horror" era sobre esse início de decrepitude, visto com excelente humor. Mas "Não me Lembro de Nada", que a Rocco acaba de publicar, é bem mais doloroso. Será que vou virar uma velha tristonha?

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