Não quero pensar nos meninos
mortos no Rio Grande do Sul. Então, me concentro na minha despedida de férias,
quando curto a chegada de meu querido amigo Eduardo Graça, em sua temporada
anual no Rio e tento continuar a arrumação de minhas estantes, consolo pra quem
não tem como deixar a cidade por falta absoluta de recursos.
Umas três vezes por ano resolvo dar uma geral
nos livros, já que as prateleiras estão sempre entupidas de volumes deitados
sobre os demais. É quando percebo que não há espaço para tanto livro dentro de
casa e que preciso arranjar mais estantes. Então, aquelas que estavam
escondidas nos quartos conquistam um cantinho na sala. Cabem, porque moro num
apartamento antigo (mais de 70 anos), amplo. Não é imenso, mas comporta gente e
móveis. Não comporta é tanto livro, porque eles invadem tudo quanto é lugar,
acumulando poeira e lembranças.
Desapegar de livro velho é
difícil, tanto pelo afeto que eles encerram quanto pela falta de vontade dos
demais habitantes do planeta de recebê-los. Ninguém mais quer saber de
enciclopédias e eu tenho uma Barsa quase virgem de folheados, já que ela surgiu
em nossas vidas quando a Internet se fortaleceu. Hoje, não tenho o que fazer
com a Barsa. Nem a biblioteca da mais humilde escolinha comunitária quer uma
enciclopédia. Está tudo digitalizado. Já tentei me desfazer de minha velha
coleção dos livros do Monteiro Lobato. Antes de ser acusada de sacrílega,
informo: estão cobertos de fungos. E sou asmática. Já botei no sol, já deixei
ao relento, já acalentei. Não adianta, os fungos não os deixam em paz. Então,
consegui interessados em acolhê-los. Meu filho mais velho se indignou. Quer a coleção
para ele. Que mora em outra cidade e não tem casa própria. Enquanto não for
dono de seu nariz, os 17 volumes ficam aqui, contribuindo para o aumento de
minhas alergias, claro.
Nas férias, eu queria ter lido
mais. Li uns sete livros, apenas. Alguns em dias adoráveis passados na Serra
Fluminense, sem telefone, televisão ou Internet, pude ler um bocado, menos até
do que pretendia também, já que os amigos exigiam, felizmente, horas de
conversas intermináveis – e interminadas... Fiquei espantada com a quantidade
de livros que algumas blogueiras alegam ter devorado no ano passado. Os números
passam de cinco centenas, enquanto eu, que leio desesperadamente, não cheguei a
100. É verdade que a imensa maioria das obras relacionadas pelas jovens não
merece mais do que um passar de olhos – são romances de banca, digeríveis
facilmente, uma diversão sem consequências além do prazer imediato. Eu sou
metida, quero leituras mais consistentes, então...
Voltando às estantes, cuidar de
livro exige que eles sejam levados para novos domínios vez por outra. Saem de
uma estante fechada para uma aberta. Ficam mais expostos à luz, mais próximos
de janelas. A poeira se incrusta neles e não há como desinfecta-los. Alberto
Manguel, na abertura de “A Biblioteca, à noite”, diz que quando iniciamos uma
biblioteca temos o propósito de que nenhuma prateleira esteja fora do alcance
de nossas mãos. Ou seja, as estantes jamais podem ter altura superior a 1,80m. Isso,
até que a gente perceba que, dada a ausência de espaço para acomodar tantos
livros, eles começam a subir, igual a edifícios. E, lá em cima, ficam os que
não deverão ter tanta procura.
O problema é que o interesse da
gente é cíclico. Em criança, jamais compreendi por que meus pais tinham tantos
livros sobre Segunda Guerra Mundial. Ora, porque eles vivenciaram aquele
período. E quando a gente envelhece, ensaios começam a nos parecer mais empolgantes,
às vezes mais do que romances. Biografias que não despertavam atenção começam a
ser importantes e merecem destaque nas prateleiras baixinhas. Enquanto arrumo e
deixo a escada na sala, resmungando quanto à loucura que é ter tanto livro em
casa (não são tantos: não chegam a três mil), separando velhos volumes de
Graham Greene e Aldous Huxley, autores que se tornaram anacrônicos e que têm
páginas cobertas de pontos amarelados, passo num sebo e compro quatro títulos
antigos, cujos preços esperei baixar até se adaptarem a meu bolso. Isso nunca
vai acabar...
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