28.1.13

Fim de férias


Não quero pensar nos meninos mortos no Rio Grande do Sul. Então, me concentro na minha despedida de férias, quando curto a chegada de meu querido amigo Eduardo Graça, em sua temporada anual no Rio e tento continuar a arrumação de minhas estantes, consolo pra quem não tem como deixar a cidade por falta absoluta de recursos.
 Umas três vezes por ano resolvo dar uma geral nos livros, já que as prateleiras estão sempre entupidas de volumes deitados sobre os demais. É quando percebo que não há espaço para tanto livro dentro de casa e que preciso arranjar mais estantes. Então, aquelas que estavam escondidas nos quartos conquistam um cantinho na sala. Cabem, porque moro num apartamento antigo (mais de 70 anos), amplo. Não é imenso, mas comporta gente e móveis. Não comporta é tanto livro, porque eles invadem tudo quanto é lugar, acumulando poeira e lembranças.
Desapegar de livro velho é difícil, tanto pelo afeto que eles encerram quanto pela falta de vontade dos demais habitantes do planeta de recebê-los. Ninguém mais quer saber de enciclopédias e eu tenho uma Barsa quase virgem de folheados, já que ela surgiu em nossas vidas quando a Internet se fortaleceu. Hoje, não tenho o que fazer com a Barsa. Nem a biblioteca da mais humilde escolinha comunitária quer uma enciclopédia. Está tudo digitalizado. Já tentei me desfazer de minha velha coleção dos livros do Monteiro Lobato. Antes de ser acusada de sacrílega, informo: estão cobertos de fungos. E sou asmática. Já botei no sol, já deixei ao relento, já acalentei. Não adianta, os fungos não os deixam em paz. Então, consegui interessados em acolhê-los. Meu filho mais velho se indignou. Quer a coleção para ele. Que mora em outra cidade e não tem casa própria. Enquanto não for dono de seu nariz, os 17 volumes ficam aqui, contribuindo para o aumento de minhas alergias, claro.
Nas férias, eu queria ter lido mais. Li uns sete livros, apenas. Alguns em dias adoráveis passados na Serra Fluminense, sem telefone, televisão ou Internet, pude ler um bocado, menos até do que pretendia também, já que os amigos exigiam, felizmente, horas de conversas intermináveis – e interminadas... Fiquei espantada com a quantidade de livros que algumas blogueiras alegam ter devorado no ano passado. Os números passam de cinco centenas, enquanto eu, que leio desesperadamente, não cheguei a 100. É verdade que a imensa maioria das obras relacionadas pelas jovens não merece mais do que um passar de olhos – são romances de banca, digeríveis facilmente, uma diversão sem consequências além do prazer imediato. Eu sou metida, quero leituras mais consistentes, então...
Voltando às estantes, cuidar de livro exige que eles sejam levados para novos domínios vez por outra. Saem de uma estante fechada para uma aberta. Ficam mais expostos à luz, mais próximos de janelas. A poeira se incrusta neles e não há como desinfecta-los. Alberto Manguel, na abertura de “A Biblioteca, à noite”, diz que quando iniciamos uma biblioteca temos o propósito de que nenhuma prateleira esteja fora do alcance de nossas mãos. Ou seja, as estantes jamais podem ter altura superior a 1,80m. Isso, até que a gente perceba que, dada a ausência de espaço para acomodar tantos livros, eles começam a subir, igual a edifícios. E, lá em cima, ficam os que não deverão ter tanta procura.
O problema é que o interesse da gente é cíclico. Em criança, jamais compreendi por que meus pais tinham tantos livros sobre Segunda Guerra Mundial. Ora, porque eles vivenciaram aquele período. E quando a gente envelhece, ensaios começam a nos parecer mais empolgantes, às vezes mais do que romances. Biografias que não despertavam atenção começam a ser importantes e merecem destaque nas prateleiras baixinhas. Enquanto arrumo e deixo a escada na sala, resmungando quanto à loucura que é ter tanto livro em casa (não são tantos: não chegam a três mil), separando velhos volumes de Graham Greene e Aldous Huxley, autores que se tornaram anacrônicos e que têm páginas cobertas de pontos amarelados, passo num sebo e compro quatro títulos antigos, cujos preços esperei baixar até se adaptarem a meu bolso. Isso nunca vai acabar...


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