1.10.13

Ela, sim, entendia de beleza...

Pobre Helena, só com uns potes e a vontade de vencer

Por Olga de Mello | Para o Valor, do Rio
Reprodução / Reprodução
Coberta de joias, como era seu costume, Helena não lembrava a modéstia da aparência dos tempos de pobreza
Uma polonesa de 24 anos vai para a Austrália, em fins do século XIX, com doze potes de creme para a pele na bagagem. A fórmula do creme será a base de um verdadeiro culto a produtos que conquistarão bilhões de seguidoras mundo afora, graças ao empenho da jovem imigrante, que estuda química, biologia e abre fábricas e lojas na Europa e nos Estados Unidos, controlando com mão de ferro suas empresas. Verdade? Quase. Ao longo de sua vida, Helena Rubinstein apresentou diferentes versões sobre seu passado, colorindo com tons heroicos a trajetória de uma mulher que realmente nasceu em berço pobre e mostrou um talento raro para construir o mercado de cosméticos internacional.
"Helena escreveu - ou melhor, fez com que escrevessem - duas autobiografias que estabeleceram sua lenda", diz a editora da revista "Elle" francesa, a jornalista Michèle Fitoussi, autora de "A Mulher que Inventou a Beleza", em que tenta desvendar a personalidade de uma mulher fascinante, que seguiu apenas sua intuição para se destacar em um meio ainda hoje dominado pelos homens.
O nome de Helena Rubinstein, para Michèle, por muito tempo significou apenas "a assinatura em cosméticos que nem usava". A ousadia dos primeiros anos da jovem de pouca instrução, mas com coragem para viajar por dois meses, sem acompanhante, até um continente desconhecido, levou a jornalista a perceber na empresária uma personagem romântica e intrépida. Durante dois anos, ela entrevistou parentes ainda vivos de Helena, fez pesquisas nos arquivos de suas empresas e traçou um retrato nem tão favorável assim da empresária que gerenciava sua companhia como uma tirana, exigindo dedicação integral - e em qualquer horário - dos empregados, entre eles suas irmãs, cunhados e sobrinhos. Em entrevista ao Valor, por e-mail, Michèle sublinha a severidade de Helena na gestão de seu negócio, essencial para que se impusesse em um meio no qual até hoje muitas das mulheres bem-sucedidas são herdeiras ou ganham destaque através dos maridos.
"Ela lutou, passou fome, ganhou duramente cada centavo que conseguiu, com garra, autoridade, disciplina, desde quando era uma jovem inconformada com um destino modesto, pronta para tudo, que desembarca em um país desconhecido e vai morar com parentes nada simpáticos. Com obstinação e trabalho, venceu sozinha. Os poucos homens que a ajudaram lhe deram conselhos, nunca dinheiro. Helena era uma visionária, uma mulher de ação, uma personagem rara", diz Michèle.
Sob o intenso sol da Oceania, Helena Rubinstein chamou a atenção das australianas para seu tom de pele, claríssimo, protegido pelos cremes que trouxera da Europa. Encomendou à mãe mais potes do produto, passando a vendê-lo até iniciar a fabricação local, com ingredientes que manteve em segredo - mas que estavam na fórmula criada por um químico conhecido de sua família, na Polônia. Em 1902, abre em Melbourne o primeiro salão luxuosamente decorado, criando um ambiente acolhedor para oferecer às mulheres tratamentos de beleza. Expandiu os negócios para a Europa e para os Estados Unidos nos anos 1910. É na América que encontra uma concorrente de peso: a americana Elizabeth Arden.
"A rivalidade entre ambas durou muito tempo, porque não havia muitos que pudessem enfrentar as duas. Empresas como a Revlon, a Estée Laudée, surgiram mais tarde, aproveitando o que Helena e Elizabeth haviam iniciado, principalmente em marketing e publicidade", diz Michèle, que considera a principal qualidade de Helena a capacidade de se adaptar a qualquer lugar e em reverter situações adversas. Uma delas foi a de readquirir sua própria companhia, nos Estados Unidos, que entregara ao banco Lehman Brothers. Com a crise de 1929, lucrou mais de US$ 5 milhões ao comprar a baixo preço as ações da empresa. Retomou seu controle, reerguendo fábricas e institutos de beleza em solo americano.
"Na França devastada após a Segunda Guerra Mundial, com mais de 70 anos, ela arregaçou as mangas para recomeçar do zero. Claro que isso aumentava seu patrimônio, mas ela poderia ter deixado tudo de lado, porque tinha uma fortuna que permitiria viver sem o negócio", diz Michèle.
Autodidata em administração, Helena soube criar um marketing pessoal sem auxílio de especialistas em imagem. A diminuta "Madame", como ficou conhecida entre os empregados e amigos, compensava a baixa estatura (tinha menos de 1,50 m de altura) com uma autoridade inquestionável pelos que estavam próximos a ela. Vaidosa, vestia-se com os mais requintados estilistas e cobria-se de joias, caprichos que considerava imprescindíveis para qualquer mulher - e essenciais para quem representava a indústria da beleza. Colecionou obras de arte, cercando-se de artistas e intelectuais. Investiu em pesquisa científica para aprimorar o que seus laboratórios fabricavam. Ainda na Austrália, convenceu atrizes e cantoras a anunciarem seus produtos, antevendo que os artigos de maquiagem, até então de uso restrito aos palcos, aos poucos conquistariam as mulheres do mundo real. Sua maior paixão eram os negócios. Casou-se duas vezes, teve dois filhos e nenhum amante, por falta de "tempo ou vontade", como confidenciou a Coco Chanel. Uma vida semelhante à de muitas empresárias da atualidade, acredita Michèle.
"Helena intimidava sua família, é verdade, mas isso não impediu que tudo funcionasse bem e que ela vivesse junto a eles, dentro de um modelo semelhante ao que se apresenta hoje como o das mulheres dedicadas aos maridos e filhos. Sua intuição e "timing" eram excepcionais. Ela surgiu numa época em que, em matéria de beleza e de higiene, tudo tinha que ser produzido, e as mulheres estavam em vias de se emancipar", diz Michelle.
Em 1953, cria a Fundação Helena Rubinstein que patrocinaria projetos de apoio aos direitos e ao bem-estar de mulheres e crianças, além de incentivar o desenvolvimento da educação, ciência e cultura. "Enriqueci graças às mulheres. Portanto, esse dinheiro deve ser usado para o benefício delas e de seus filhos", costumava dizer "Madame", que, ao morrer, aos 94 anos, deixou um patrimônio de US$ 60 milhões, incluindo uma cobiçada coleção de obras de arte africana, além de quadros de artistas como Picasso, Dali e Matisse.
Michèle lamenta que os quase 70 anos dedicados por Helena ao negócio, criado a partir da observação das tendências de mercado, não sejam objeto de estudos acadêmicos. Não seria por falta de interesse de alunos e professores de escolas de comércio e de ciências políticas, que têm convidado a jornalista a falar sobre a pioneira de um setor da economia que somente no Brasil, em 2012, movimentou mais de R$ 30 bilhões.

"A Mulher que Inventou a Beleza"

Michèle Fitoussi. Tradução: Vera Lucia dos Reis. Editora: Objetiva. 400 págs., R$ 49,90


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