Um dia saí de casa, e, ao voltar para visitar meus pais,
descobri que meu quarto fora transformado em escritório. Minha caminha de
solteira havia sido dada para o porteiro, os quadros de cortiça aguardavam num
canto que eu decidisse seus destinos. Meu armário já guardava incontáveis
paninhos, roupas de cama, objetos que até então estavam espalhados por outros
cômodos. Minha presença tinha sido exorcizada dali: o que um dia eu usara
ganhava outras utilidades, entre elas a de depósito do que preferimos esquecer
que faziam parte da vida.
O recado era claro: quis sair, não volte. Mas eu voltei,
quase dez anos depois, acompanhada por quatro crianças pequenas. Minha mãe
engoliu o ressentimento pela "fuga" da filha única, nos acolhendo generosamente,
embora, naquele momento, ficasse claro que éramos hóspedes temporários, que atrapalhávamos
sua tranquila e dolorosa solidão.
As aves expulsam do ninho os filhotes para que eles aprendam
a voar e tomem seu rumo. Ninho vazio só existe pros humanos. Retardamos a saída
dos filhos desde que derrubamos o manto hipócrita da sexualidade camuflada
desses filhotes, permitindo que tragam namorados para dormir nos seus virginais
quartos. Nós os queremos embaixo de nossas asas, mesmo que sejamos tolhidos por
visitantes que passam as noites sob nossos tetos. Precisamos vê-los diariamente,
dar palpite em suas decisões, ouvir suas vozes, festejarmos a existência no
encontro frequente. Desejamos que eles voem, mas que estejam bem próximos, ao alcance de nosso olhar.
O esvaziamento do ninho vai além da saudade dessa
convivência interrompida. É mais uma comprovação de que nosso tempo está se
esvaindo, de que a decadência física ficou mais próxima do que imaginávamos. Que a maior realização de nossas vidas não é a fortuna adquirida, a carreira sólida. A vida continua interessante, porém, nosso maior prazer está ligado a quem trouxemos ao mundo. E a alegria pelo surgimento de novas gerações jamais sublimará a noção da perda
do poder. Passar o bastão, recolher-se para o mundo, é impensável. Que o diga a
Rainha Elizabeth.
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