18.3.05

Sonhos gregos ou praianos



Esta é a água de Corfu, a ilha grega da qual já falei. Era lá que eu queria ter passado minha infância, embora as águas de Ipanema, vez por outra, 40 anos atrás, também ficassem cristalinas e azuis. Acho que também gostaria de ter uma Corfu para dar a meus filhos uma bela infância. Tentei, ao emigar para Rio das Ostras. Pensava muito na vivência dos Durrell, quando fui pra lá. Imaginava deslumbrar meus filhos quando víssemos conchas e mexilhões nas praias ou no leito do Rio São João. Queria que eles pudessem conhecer a vida da colônia dos pescadores, andar descalços nas ruas de terra, ir à praia todos os dias.

Lógico que não chegou a acontecer nem um décimo do que eu imaginava. A vida era difícil, cara e isolada. Não havia como ser afável e travar sólidas amizades na cidade, por dificuldades de temperamento da família à qual eu então pertencia. Meus filhos não chegaram a virar minhocas da terra, até porque o sistema educacional da cidade era inferior a minhas exigências sofisticadas. Saímos de lá um ano e meio depois de chegarmos, casamento acabado, família em reconstrução.

Não sinto saudades de Rio das Ostras atual, porque a cidade, "enricada" com os royalties do petróleo, cresceu, foi pavimentada e continua com algumas deficiências anteriores: falta luz e água, ainda duvido da qualidade de ensino, a vida não é tão barata quanto se imagina e a orla ficou ridícula, totalmente "urbanizada". Sinto saudades de ter vivido uma época mais primitiva da cidade, cinco minutos antes de Macaé explodir em negócios. Ainda amo a cidade, mas já não é bem o lugar em que pretendo ter uma casa para viver durante o verão, quando eu for rica e só morar em locais agradáveis. Sim, porque meu plano de riqueza é viver constantemente na primavera. Aqui, em Aruba, nas ilhas gregas... Rio das Ostras seria uma dessas opções diversificadas em outras eras. Agora está muito maquiada, como mulher botoxada (botocada? Ou botocuda).

Quando vivia lá, trabalhei em um jornal cuja sede ficava em Barra de São João, a 10 quilômetros de minha casa. Para Rio das Ostras, esta distância é imensa. Eu ia de carro e voltava por uma estradinha na praia que liga as duas cidades (Barra pertence a Casimiro de Abreu e é a terra do poeta. Fui várias vezes visitar a casa dele, à beira do Rio São João, procurando, nas tardes fagueiras, a sombra das laranjeiras - que já não existem mais lá, só na serra). Nas noites estreladas, depois que as crianças dormiam, eu ficava olhando o céu, sentindo a brisa do mar, quando moramos num sobrado. Às vezes, acordava assustada com o barulho de algo pisando nas folhas do quintal - na verdade, um imenso matagal raramente capinado, onde eu estendia as roupas para quarar. Abria o janelão e a luz do luar mostrava um cavalo, que pastava nosso capim sempre que se soltava dos postes em que os carroceiros os largavam para passar a noite. A visão do cavalo parecia sempre um fotograma de filme do Fellini. Meu sonho odara foi bom enquanto durou.

Ficou o sonho ainda da árida Corfu, antiga Corsira, segundo minha amiga Gabriela Máximo, que anda traduzindo um livro sobre a Guerra do Peloponeso e virou uma verdadeira helenista. Sei que Corfu deve estar invadida de turistas, como a Provence de Peter Mayle (e até mais por causa dele). Em Corfu há placas indicando aonde os Durrell moraram e, provavelmente, hordas de visitantes munidos com maquininhas fotográficas se aglomeram em cada local descrito nos livros de Gerald Durrell. Ao encontrar fotografias da ilha e das casas da família, me bateu aquela sensação de que "My family and other animals" era um dos livros que eu queria ter escrito. (Tenho uma lista mental deles, como "Léxico Familiar", "A Casa de Papel", "O Amante", "O Apanhador no Campo de Centeio" e, nada modestamente, "Bartleby, o escrivão", assim como "A Fera na Selva". Pena que essa gente teve tais idéias - e experiências - antes de mim...) As descrições são tão precisas que, ao ver as fotos, reconheci varandas, cômodos das casas, os caminhos que eles percorriam na ilha, o lago, as praias. Corfu, que era um sonho para viver, tornou-se também o sinônimo de fim de outro sonho, de ter a clareza e brilhantismo para contar o que é bonito, não apenas o que é notícia. Mas como sou uma bem-aventurada, que pôde escolher em quê trabalhar, viver o real não é tão duro assim. E quem sabe um dia eu não esteja entre os bandos que incomodam os moradores de Corfu, procurando, ávida, os locais que já conheço por letras e imagens.



Começa aqui uma nova fase blogueira. Ilustrada, graças ao conhecimento internauta de Rosane Serro. Mas como eu havia prometido, esta crônica é dedicada à nossa helênica Gabi.
Quem quiser saber da Corfu e dos Durrell, é só ir em http://www.shoarns.com/Corfu.html

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