11.4.05

Uma Mulher Pública





Há pelo menos duas situações na vida de uma mulher em que ela se torna pública. Bom, há uma terceira, mas só vou tratar das que não têm qualquer conotação moral – estar grávida ou acima do peso. A gravidez, fruto de uma atividade até pouco tempo extremamente íntima (médicos, técnicos de laboratório e sabe-se lá quantas pessoas hoje em dia participam de uma concepção), torna-se propriedade pública no exato momento em que é anunciada. Se Maria viesse a saber atualmente que estava grávida, o anjo seria o primeiro a abraçá-la, beijá-la, amassá-la, como qualquer desconhecido faz com uma gestante. Parece que o júbilo com o ventre rotundo, leva homens e mulheres a apalparem a barriga da grávida, a quem só resta agradecer tanto carinho.
Isso quando as grávidas não precisam enfrentar uns tarados. Eles surgem para afiançar, com olhos semicerrados e sussurros, que não existe nada mais irresistível sexualmente do que um barrigão de grávida, enquanto tentam passar a mão na barriga. Como mulher grávida está com os nervos à flor da barriga, é difícil explicar aos malucos que aquela gestação, geralmente, é fruto de uma paixão por outro homem. Tais dissabores, felizmente, cessam com o parto. Aí começa uma nova fase na vida da mulher pública: os observadores da amamentação, que, além de adorar assistirem ao ato de amamentar, têm receitas fantásticas para "engrossar" o leite. A mais popular delas é tomar cerveja preta, que, segundo sei, engorda um bocado, mas não aumenta a produção de leite de ninguém. É o momento em que, geralmente, a mulher começa a se sentir apenas uma reprodutora e resolve botar para correr todos os curiosos, transformando-se numa mãe leoa, furiosa e pronta a atacar quem for mexer com ela ou com seu filhote.
Outra ocasião em que a mulher se torna pública pode ser mais perene que uma gestação e tão permanente como a maternidade. É quando a mulher engorda. Tanto faz estar dois ou 30 quilos acima do peso. Basta não ter medidas de top model para suscitar a clássica pergunta: "Quando você vai começar uma dietinha?". Pais, amigos e parentes estão aí para azucrinar nossa existência mesmo e vão cansar de repetir a pergunta, pois desejam o que consideram melhor para nós. Mas ouvir isso, das mais variadas formas possíveis, de desconhecidos é igual a encarar os tarados por gestantes. Constrangedor e insuportável.
Atire a primeira pedra a gorda que nunca foi informada sobre produtos miraculosos, como alcachofras em cápsulas, nos balcões de farmácia! Ou quem já ouviu de um total desconhecido loas sobre os pós mágicos do Herbalife? Para desvencilhar-se do ataque dos caçadores de gordos, o jeito é engatilhar um sorriso amarelo e informar que tem endocrinologista marcado para a semana seguinte.
Das mais pitorescas abordagem que sofri, uma foi em pleno estacionamento da Catedral Metropolitana. Uma velhinha se dirige a mim perguntando se eu não queria emagrecer. "Minha filha, eu era igual a você. Tomei Herbalife, olha como fiquei em seis meses". Estarrecedor, ela parecia uma retirante nordestina e eu não sei se gostaria de, em seis meses, ganhar tantas rugas... As estratégias de assalto desses vendedores precisam de algum refinamento. Ninguém superou o vendedor de túnicas na praia que se virou para mim e lascou: "Se eu arrumar uma túnica GG preta, a senhora compra?" Foi tão inesperado - e rude - que eu dei uma gargalhada antes de recusar a graciosa oferta. Uma amiga foi atacada de forma semelhante, provavelmente pelo mesmo vendedor, que lhe ofereceu uma camiseta Extra Large, em Ipanema. Minha amiga olhou seriamente para o homem e perguntou: "Extra Large? Por quê? Por acaso o senhor está dizendo que eu sou gorda?". Não adiantou o homem jurar que os tamanhos Extra Large GG Plus dele eram correspondente a manequim 38. Minha amiga manteve sua interpretação de ofendida e o vendedor deve estar até hoje analisando suas técnicas para conquistar freguesia.
Uma tática freqüentemente adotada pelos que tentam chamar ao regime as mulheres gordas é a adulação. Erroneamente, eles acreditam que classificar a pessoa de "fofinha" ou "forte" confere mais dignidade à vítima. Há os que dizem "Você não é gorda, tem quadris largos, um pouco de barriga, coxas grossas e um busto farto, que agora está na moda". E concluem com o que pensam ser o apelo definitivo: incentivar a vaidade. "Você é tão bonita, não pode se abandonar assim". Ou seja, as feias têm o direito de permanecer barangudas sem ninguém que as atazane. Outro bordão é "Não é uma questão de estética, mas de saúde". Mentira. Se a gente é magro e doentio, ninguém liga. O problema é ser gordo e saudável.
Interessante também é a absoluta convicção de que todos os gordos têm loucura por doces, chocolate, McDonald's e sabem cozinhar. Aliás, basta ser mulher para o mundo inteiro acreditar em seu profundo conhecimento culinário. Ao longo dos anos em que o peso passou a ser mais importante que minha personalidade, descobri que metade da humanidade tem certeza que o chocolate inebria qualquer coração ou mente. Bem, sou exceção à regra. Com peso acima dos três dígitos, dou meu testemunho: não como açúcar, não suporto balas, não gosto de gordura, não tomo sorvete, não ligo para chocolate, nem para massas em geral. O êxtase gastronômico para mim vem na forma de pão. Qualquer um. Sou absolutamente doida por pães.
Bem pior que convencer o mundo de que não gosto de açúcar nem de Big Mac é ficar com cara de paspalha com a insistência em me explicarem detalhadamente a confecção de pratos assim que elogio ou apenas provo uma comida. Imediatamente, a cozinheira (isso é coisa de mulher, querer compartilhar sua sabedoria; homem guarda para si) passa a enumerar ingredientes e desfilar detalhadas instruções para a montagem da iguaria, algo que jamais me habilitarei a tentar executar pela simples razão de que mal sei fritar um ovo e estou feliz desse jeito. Fui criada longe da cozinha, descobri como se preparava macarrão aos 26 anos. Vejo nos congelados aliados de gente como eu que gosta de comer, mas não tem a menor vocação para passar horas à frente de um forno quente, conversando com gente perfumadinha, enquanto adquire todos os odores do que está sendo preparado.
Enfim, adoraria que tivesse com o peso a mesma saudável relação que mantenho há 44 anos com meus cabelos, pele e bronzeado. Convivemos harmonicamente, trato deles com a higiene necessária e eles se apresentam sempre bem, sem sem vincos nem depressões e com uma coloração brilhante. Já que meu corpo não entendeu que meus parcos cuidados deveriam ser retribuídos com a firmeza dos 20 anos, só me resta esquecer o pão por algum tempo e trocá-lo por frutas, saladas e pouco queijo. Veremos o que acontece. Ah, 130 anos atrás isso não me atormentaria. Talvez tivesse que me proteger do sol para não amorenar tanto, mas... Ah, Maupassant, ah, Renoir!. Que musa vocês perderam...

Esta é para todos os meus amados amigos-irmãos, que, eu sei, vão continuar me atazanando enquanto eu não emagrecer por motivos de saúde, não estéticos.

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