11.4.05

O pior trabalhinho do mundo

Uma vez comentei com a maior sinceridade com meu então marido: "Coitados desses jogadores de futebol. Os caras têm que trabalhar todos os domingos, quartas-feiras à noite e ainda participam de treinos diariamente. E o pior, precisam jogar futebol durante 90 minutos. Eu sei que eles ganham fortuna, mas eita profissãozinha horrível, né?". Naquele momento, percebi o olhar de decepção de meu ex-marido. Descobrira que eu não era tão brilhante quanto ele imaginava. Sua voz transmitiu o quanto sentia-se penalizado por minha ignorância: "Olga, só tem um detalhe: esses caras gostam de jogar futebol".
Fiquei absolutamente chocada. Nunca me passara pela cabeça que alguém racionalmente gostasse daquele tipo de trabalho. Eu, que me inscrevi sempre nos primeiros horários da ginástica para não ter o desprazer de entrar na câmara de tortura e me deparar com outras pessoas que saíam felizes, livres daquela hora de horror, jamais poderia imaginar que alguém praticasse algum esporte por motivos além dos financeiros.
Foi quando comecei minha lista de profissões pavorosas, que eu jamais exerceria, nem se escolhida. Ser presidente da República, por exemplo. Além de viver rodeado por gente feia e chata, só tem aborrecimento. Envelhece, faz mal à pele. Se é intelectual, é dissociado das causas sociais. Se tem origem popular, é um ignorante. Se é honesto, tem gente tentando dissuadi-lo e levá-lo para o caminho da maracutaia. Se é desonesto, vive apavorado com tanta gente que precisa subornar.
Outra profissão que me daria calafrios seria chefe de cozinha, por razões que já expliquei em outras escrevinhanças. A única vez em que resolvi cozinhar para os amigos me deixou com os nervos em pandarecos e cheiro de comida impregnado até nos meus cabelos. Aquela inglesa bonita que aparece na TV mostra tudo com tanto charme. É que televisão não tem perfume. E o calor? Também não serviria para ser atriz. Primeiro, morro de vergonha de interpretar até música. Segundo, já pensaram repetir uma cena mais de trinta vezes? Nem com o Johnny Depp, gente! Talvez teatro seja mais interessante, porque vai tudo de uma vez. Mas eu prefiro ficar na platéia. E modelo-manequim? Além da falta do physique du rôle, eu tenho pavor de experimentar roupas. Detesto comprar roupas só porque tenho uma preguiça fora do comum de tirar tudo, vestir, andar um pouco, ver se ficou bom (e nunca fica, com aquela iluminação de provador). Fazer isso o dia inteiro? Pior que isso, só sendo aeromoça. Usar uma maquiagem pesada, viajar de avião sem parar e comer aquela comidinha de quinta categoria durante quantos e quantos anos de vida...
Resta-me a dúvida quanto a qual será a pior profissão do mundo: Sumo Sacerdote ou Rainha da Inglaterra.

Que o Papa era pop, não há como negar. Retrógrado, arrojado, careta, mal humorado, bonitão, aquele que "depois do atentado, nunca mais foi o mesmo, perdeu a vitalidade", mas conseguiu voar pros quatro cantos desse mundo de meu Deus com uma disposição que eu sequer invejo, pois jamais teria. O Papa tinha um dos empregos mais chatos deste mundo: dizer a multidões que elas deviam ser muito boazinhas, rezar missas, encontrar chefes de estado, assistir às mais aborrecidas e bregas cerimônias, rezar mais umas missinhas, usar aquelas roupas chiquérrimas, mas, convenhamos, muito pouco práticas, além de jogar pra platéia como ninguém - aquele gesto nojento de dar beijo no chão de cada lugar em que aterissava era o máximo!
A cobertura das exéquias (papa não pode ter apenas um funeralzinho besta, ora) foi das mais completas que o jornalismo mundial propiciou. Perdeu pro 11 de setembro, porque, embora os rituais fossem solenes e severos, não há como resistir a tanto colorido e manter a tristeza em filas literalmente quilométricas. Virou festa, happening! Todo mundo sabe agora como se elege papa, quanto tempo demora um conclave, o que faz o camerlengo. Eu só me lembro bem do Paulo VI, o João XXIII morreu quando eu era pequena, o João Paulo I morreu (?) rapidinho. E ficou o Karol, com seu talento dramático e charme incontestável.
O único Sumo Pontífice que eu vi de perto foi o Dalai Lama. Era a Eco-92 e eu, Hugo na barriga de oito meses, fora destacada para cobrir o que acontecia no Hotel Glória, um pouco da badalação do Aterro do Flamengo, e a Barbara Bush. Aonde iam aqueles cabelos brancos, ia eu atrás, porque era uma cobertura leve. No MAM, me encostei numa escultura do Krajberg, cansada de tanta andança. O tótem quase desabou em cima justamente de quem? Da Mrs Bush. Um cinegrafista me amparou, um iluminador escorou a escultura de madeira que não me parecia levinha como era, na verdade. Vexame total, veio uma segurança da Bush, parecida com a Kate Mahoney. Eu morri de medo da mulherzinha miúda, óculos escuros de Polícia Federal e casaco de couro. Pensei que fosse acabar na Praça Mauá, sendo visitada pelas crianças na cela, mas como nada aconteceu, me safei.
O Dalai também me fez passar maus bocados com a segurança. Uma baita confusão no Hotel Glória, Dalai ia fazer uma palestra. Lá estava eu, pensando em subir de elevador, mas, no corre-corre, decidi subir as escadas rolantes em meu ritmo de pata choca. Um segurança afobadinho foi pedindo licença e empurrando as pessoas na escadaria, que era bem estreitinha. Quando chegou perto de mim, perguntou: "Dá pra chegar pro lado?". De costas para o rapaz, respondi que não. Ele insistiu, eu me virei de lado, dando a dimensão de meu perfil. O segurança esperou bufando chegarmos ao andar superior para me cortar pela direita e voar ao encontro da entourage do Dalai. Aguardei com paciência zen que todos fossem devidamente revistados e, quando chegou minha vez, nem por detetor de metais passei. Naquela época, apenas grávidas oriundas da Colômbia ou Bolívia eram escaneadas pelos federais...
O Dalai era uma gracinha, simpaticíssimo, gentil, com as vestes mais lindas que alguém poderia usar. O público fazia aquela cara de elevação, sorvendo suas palavras como se fossem a verdade absoluta. Nem me lembro do que ele falou, mas deve ter sido alguma coisa sobre harmonia e paz entre homens e natureza. Ou seja, uma chatice total. Apesar da roupa.
Roupa linda também usou a protagonista da maior história de amor dos últimos tempos, a Camilla feiosa Bowles, que casou com o não menos feioso Charles, desagradando mãe e o povo britânico. Aquela família real ganha os tubos, vive às custas do Erário Público, esbanja dinheiro e charme, mas têm uns empreguinhos muito chatos mesmo. Não podem comer, não podem engordar, não podem beber em público, têm que ser simpáticos, não podem dar mancada, assistem a todos os shows de nativos em tudo quanto é Papua Nova Guiné do mundo, comem um pouquinho de feijoada, um pouquinho de buchada e tiram férias esquiando em público. Sempre. Estão sempre com cara de que saíram do banho e que nunca precisaram usar desodorante. Eventualmente, há uns 600 anos, são envenenados, decapitados, enfrentam alguns escândalos com amantes, mandam matar as mulheres, fundam uma nova igreja. E ainda querem ser reis. Tem gosto pra tudo nesse mundo...

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