17.6.05

Nos Andes





O trem seguia por caminhos arenosos, áridos, amarelos, claros e poeirentos. Fazia frio lá fora, naquele céu esgazeado, como dizia minha avó, mas dentro era quente, um tanto ao quanto barulhento, com crianças chorosas e pais que as consolavam, cantando para elas ou tentando entupi-las de biscoito maisena. Por que os pais acreditam que a criança se acalmará com biscoito maisena? Por que os pais acreditam que crianças suportarão horas de travessia no desconforto sem gritar.
Não dava nem para ficar enjoada naquele trem. Eu evitava olhar os precipícios pela janela. Bastava o medo depois de três dias de estrada, com alucinados motoristas em altíssima velocidade, por estradinhas mínimas pelas quais não passariam jamais dois veículos ao mesmo tempo, mas que os peruanos enchiam a boca para apresentar como "La Panamericana".
Preferia o trem. Era tanta cor, tanta gente. O encontro ruidoso de brasileiros que se conheciam naquele instante, contavam a vida inteira um pro outro, trocavam beijos e abraços calorosos para espanto dos canadenses: “Você já conhecia os dois?”. Não, nunca havia visto mais gordos. Era um casal em lua-de-mel que ficara preso pela Alfândega do outro lado do Lago Titicaca. Paulistas, juravam que o comício na Praça da Sé, pelas diretas já, era a maior manifestação de rua que o Brasil tivera. Mas eu já havia lido que no Rio um milhão de pessoas se concentraram na Candelária. Depois de rirmos e nos confraternizarmos, nunca mais nos vimos.
Hoje, percorrer o mesmo caminho vai doer no meu coração. Não tenho mais a coragem dos 23 anos, não tenho a saúde daquela época. E olha que passei mal, que fui internada para tomar oxigênio, que vomitei a alma de tanto enjôo com a altitude. Hoje, a pressão não presta nem na beira do mar. Imagina lá nos Andes. Eu nunca mais voltarei a Machu Pichu. Eu nunca mais acreditarei em política tampouco. Dificilmente esbarrarei outra vez com aquele casal. Mas o desejo de descobrir um mundo novo, este sempre carregarei no peito.




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