Pense bem, enquanto calcula cuidadosamente seus passos sobre os paralelepípedos:
1) Você paga IPTU, IPVA, INSS, IR, ICM, ISS e o que houver mais?
2) Você sabe o que querem dizer todas essas siglas?
3) Os paraíbas de obra mantêm-se calados à sua passagem?
4) Antes de se calçar você pensa o quanto vai doer seu pé no fim do dia?
5) Você gosta de ficar em casa?
6) Você fica a maior parte do tempo em casa?
7) Seus amigos estão ficando chatos e inconvenientes?
8) Seu marido ficou careca e/ou barrigudo e/ou insuportável?
9) Suas amigas só falam em plástica e comida?
10) Todo mundo da sua idade sabe cozinhar?
Se respondeu “sim” a qualquer uma dessas perguntas, querida, você envelheceu. Não adianta pensar que virou uma mulher em sua plenitude, porque não existe plenitude feminina enquanto houver um só artigo informando que a mulher mais desejada do mundo tem 25 anos, namora o Leonardo DiCaprio e pesa 35 quilos sem fazer dieta. Melhor parar de pensar em tanta bobagem e carregar direito essas compras, equilibrando-se com galhardia, porque garbo, amiga, ficou para a Greta, que, dizem, era sapata, como muitas mulheres lindas, charmosas, ricas e inteligentes são.
Caminhar no lusco-fusco, de saltos altos, nessas vielas de Santa Teresa, é uma temeridade. Mas você insiste, porque ainda há uma chama a impelindo a persistir na vida. E também, finalmente surge sua empregada, que a viu estacionando pela janela, para carregar parte dos pacotes. Parte nada, ela morre de pena de você e de sua batalha, porque sabe que você é uma senhora cansada de tanto mourejar e correr atrás de tudo, sobre os saltos altos, perigando despencar nesses paralelepípedos.
Jure que vai se mudar para um lugar mais plano, com supermercados mais próximos, com muitos supermercados, sem tanta ladeira, sem tanta necessidade de usar carro para qualquer coisa na vida. Jure só mais uma vez, reclame do peso das compras, de seu peso, de não sentir muito tesão por seu marido, mas também nem o menor tesão pelo Leonardo DiCaprio, que é uma gracinha e parece tanto com seu filho do meio, de saber que nunca mais na vida você terá 35 quilos, o que aconteceu há cerca de 35 anos.
Pior que andar neste lusco-fusco foi dirigir até aqui com todo o brilho nos olhos. Parece que um padre, no fim da Renascença, criou este termo, para definir a luminosidade do fim da tarde, que tanto incomodava os viajantes desde então. E isso naquela época, em que o transporte era por cavalos. Bem, deveria ser mais difícil ainda pensar nos olhos dos bichos e nos olhos do condutor... Enfim, não dá para dirigir neste horário, desiste, é um problema só seu, de seus olhos cansados, envelhecidos, extenuados.
Hora boa para chegar em casa, tomar uma chávena de chá inglês, e começar, finalmente, neste Bloomsday, a cumprir uma promessa firmada anos atrás, quando este dia passou a ter algum significado na vida de quem gosta de estar acima de um viver tão vulgar: ler “Ulisses”.
Faz isso e aproveita alguma coisa da maturidade antes que a velhice roube sua mente também.
Escrito a convite de Wagner Campello, no Multiply, inspirado pela foto abaixo (consegui postar!!!!!), tema que já arregimentou um grupo de escrevinhadores.
2 comentários:
1. Moça, olhos verdes têm o seu preço!
2. Passear em Santa Teresa de salto? Duvido que a sra. Dicaprio saia dessa impunemente!
3. Empregada que sai correndo pra te ajudar a carregar as compras é coisa de gente muito chique!
4. Você é a reclamona mais garbosa e querida deste mundo!
Saia do anonimato, Anônimo. Desistiu do Multiply?
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