22.9.10

O discurso eleitoral

Tem eleição chegando - e meu cinqüentenário também. Como sou do século passado, posso usar trema sem qualquer receio. Pelo menos até 2012, quandoo acordo passa a valer e o mundo acaba.
Nesses quase 50 anos de vida, já passei por dois ou três fins do mundo anunciados.
Aprendi até a cantar o samba de Assis Valente, aquele que diz que anunciaram que o mundo ia se acabar e o malandro sai fazendo as pazes com a humanidade, beijando a boca de quem não devia, pegando a mão de quem não conhecia, o que, enfim, vai gerar barulho e confusão, porque o mundo não se acabou.
Nesses quase 50 anos de vida, já passei por mais de uma dezena de eleições enquanto sufragadora. Mas nesta, o desânimo me acompanha. Ontem, assisti a um debate dos candidatos locais na TV. Chatinho... Todo mundo dando pau no Serginho Cabral (eu o conheci quando jovem, magro e belo, trabalhando com o pai, o Sergião, eleito, então vereador, um doce de pessoa. Por isso chamo o governador de Serginho), que falava o quanto o estado se deu bem graças à aliança com o governo federal. Serginho está reeleito, resta saber em que turno. As UPPs - ou a tentativa de transformar a Zona Sul no principado de Mônaco, como disse um sociológo - são um sucesso. Eu voto no Gabeira, embora pessoalmente ache que perdemos um grande senador, cargo ao qual ele deveria ter concorrido, deixando de lado a campanha suicida em que se meteu.
No âmbito federal, vou Marinar, também sem qualquer esperança. Por mais que se jogue lama na Dilma, é difícil o Serra emplacar. Lula pegou o País numa fase áurea, abriu os cofres pro social e apresentou um belíssimo programa de construção e concessão de casas para os pobres. Sou realmente entusiasta do Minha Casa, Minha Vida, mesmo achando o nome do programa de um ridículo atroz. Faltou alguém bom de título na hora de batizar a proposta. As bolsas-tudo, as cotas, tudo o que faz estremecer algumas camadas da população, são mais que merecidas. É a previdência social operando no paralelo, porque vai tentar institucionalizar esses auxílios no oficial. Tem que, praticamente, convocar uma Constituinte para criar legislação e regulamentações que gerem despesas.
Mas não vim aqui fazer declaração de voto e sim falar do que eu mais gosto em eleição: a propaganda eleitoral. ADORO! Em plena ditadura, houve época em que a propaganda consistia na apresentação de três fotos do infeliz candidato, que se apresentava sorridente em uma, sério na outra, pensativo na terceira, enquanto uma voz em off enumerava seus feitos e biografia. "Felisberto Aires foi considerado o melhor síndico do condomínio Palhares, em Cachambi, por quinze anos consecutivos, merecendo a reeleição para o cargo todas as vezes em que concorreu. Estudou na Escola Municipal Amaral Peixoto, em Varre e Sai. Mudou-se para o Rio com os pais. Foi engraxate, office boy e vendedor de eletrodomésticos até abrir seu próprio negócio, o Bazar Aires, que hoje tem três filiais na região da Penha Circular. Como deputado, Aires vai lutar pela redução do ICMS, pela regulamentação da profissão de síndico de condomínio e por melhores condições de moradia, com gás de rua em todas as casas da Penha Circular".
Hoje é muito melhor, porque todos podem declamar o mesmo texto, com algumas variações. A frase inicial, dita com entusiasmo ou total apavoramento diante da câmera, quase sempre é "você me conhece". Daí pra frente vem "você sabe que o que eu digo, faço". E a plataforma: "para acabar com a corrupção/violência no trânsito/violência urbana/serviço militar obrigatório/pobreza/menores abandonados/desemprego/flanelinhas/táxis-pirata/camelôs/desmatamento/favelas/imoralidade/funk/poluição sonora/poluição ambiental/poluição visual/impunidade/evasão de impostos/evasão dos royalties do petróleo/evasão da renda dos jogos no Maracanã/tráfico de drogas/tráfico de armas/tráfico de influência/crimes de colarinho branco/sacrifício de animais em rituais de umbanda/filas/escova progressiva nos salões de cabeleireiro/pedras portuguesas nas calçadas". As realizações: "Autor da Lei que obriga os donos de papagaios a registrarem seus pássaros no Ibama / criou o horário exclusivo para a prática do frescobol nas praias cariocas/determina aos porteiros de edifícios que usem uniforme em serviço/exige que os motoboys façam cursos de direção defensiva/concede aos professores municipais uma semana de internação gratuita em clínicas de repouso/reserva aos maiores de 75 anos poltronas mais confortáveis em salas de espera de cinema/garante o direito a pausas para descanso a cada duas horas aos ascensoristas". E o arremate: "Pela ficha limpa/pela prevenção às drogas/pelo fim da impunidade/por Jesus/por Alan Kardec/pelo amor de Deus".

Eu lá quero saber de ouvir aquela lenga-lenga e troca de acusações dos que disputam eleição a sério. Quero mesmo é saber o que falam os que dificilmente chegarão a qualquer parlamento, mas que não estão nem aí se são alvo de zombarias. Eles, os que ficarão de fora do legislativo, pelo menos me fazem sorrir muito mais do que a campanha de Tiririca. Nada contra o legítimo direito de um artista querer fazer política. No entanto, não é o cidadão Tiririca que se apresenta candidato, mas o personagem Tiririca. Vai ganhar muito voto de eleitor revoltado com o establishment. Mas poderia ter um discurso menos imbecil.

Nenhum comentário: