18.11.13

Jasmine, a incômoda

Adolescente, fui ver A Mulher do Lado, de Truffaut, e não gostei nada do drama realista que o diretor mais romântico do cinema criara. Onde estavam as paixões redentoras, que perdoam traições e mal-entendidos, desde que cometidos em nome do amor? Levei muitos anos para compreender que a paixão, muitas vezes, destrói, porque ela avança como proprietária dos corações imaturos. E que os dramas da vida real podem virar cinema, sempre.
Ainda bem que já sou madura o suficiente para apreciar a densidade inconveniente de Blue Jasmine, um Woody Allen amargo, sem concessões ao onírico, de um lirismo doloroso e real. Jasmine, a protagonista que certamente renderá indicação ao Oscar para Cate Blanchett, vive a fantasia de outras personagens de Woody Allen, mulheres que abraçam o papel de anfitriãs ideais para homens de negócios. Simbolizando a decadência de Wall Street, ela própria é uma metáfora para diversas adoções - filha adotiva, mãe adotiva, sem qualquer qualificação profissional, se entope de remédios para reiniciar a vida longe de Nova York, onde acompanhou a prisão do marido, executivo que fraudou investidores e foi condenado à prisão. O enteado desapareceu antes que a família se desfizesse e perdesse todo o patrimônio. Aos poucos, a detestável Jasmine, que reinventou o próprio nome, vai se revelando ao público nesse drama da vida real que não apresenta muitas concessões para a felicidade.
Eu não sei se Woody Allen ficará como o cronista crítico da vida urbana ou o poeta nostálgico, eternamente apaixonado pelo amor. Blue Jasmine está ao lado de O Sonho de Cassandra ou Match Point. Incomoda tanto quanto a realidade.


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