12.11.13

No Valor, hoje.

Dorothy não calçava sapatinhos vermelhos, mas prateados, para percorrer a Estrada de Tijolos Amarelos. E, no fundo, tudo era uma sátira sobre o novo momento financeiro nos Estados Unidos da virada do século XIX pra XX. Para saber muito do que se escondia além do arco-íris, a nova edição do Mágico de Oz tem um prefácio do Gustavo Franco explicando todas essas ocultas intenções, o que ele me explicou na entrevista publicada hoje no Valor. 

Uma segunda história para Dorothy e o Homem de Lata

Por Olga de Mello | Para o Valor, do Rio
Aline Massuca/Valor / Aline Massuca/Valor
Gustavo Franco assina o prefácio, uma "alegoria política e monetária"
Um conto de fadas americano, uma peça de subversão socialista ou uma sátira aos Estados Unidos na chegada ao século XX. Essas definições foram atribuídas, ao longo de quase cem anos, a um dos clássicos da literatura infantil americana. Lançado em 1900, "O Mágico de Oz" tinha a explícita intenção do autor, L. Frank Baum, de oferecer diversão às crianças da época, dispensando o cunho moral dos contos de fadas europeus. Por isso, até hoje, os admiradores de Baum protestam contra as diferentes interpretações políticas e econômicas que os meios acadêmicos atribuem à série de livros sobre o reino de Oz.
"Sem desmerecer a excelente narrativa, não há como ignorar a hipótese de que Baum tenha montado uma segunda história, com críticas bem-humoradas a serem compreendidas apenas por leitores maduros", acredita o economista Gustavo Franco, que assina "O Mágico de Oz como Alegoria Política e Monetária" - o prefácio da nova edição ilustrada e comentada de "O Mágico de Oz", integrante da coleção de clássicos comentados e ilustrados da editora Zahar.
Desdenhado pela crítica especializada em literatura infanto-juvenil durante anos, "O Mágico de Oz" foi um sucesso em todas as formas que adquiriu: livro, montagens teatrais e em cinco versões cinematográficas. A mais famosa adaptação para o cinema, protagonizada por Judy Garland em 1939, não respeitou alguns detalhes importantes para a visão político-econômica das aventuras de Dorothy, entre elas a troca da cor dos sapatos que ela calça - originalmente prateados, transformaram-se em vermelhos, para se destacar no cenário da Estrada de Tijolos Amarelos.
Condenado como propaganda comunista pelo macarthismo, na década de 1950, o livro foi banido de algumas bibliotecas no período, quando o obstinado e temido Comitê de Atividades Antiamericanas buscava mensagens subliminares de esquerda em qualquer manifestação artística- incluindo a literatura pré-marxista. No Reino de Oz, apesar da existência de bruxas más, opressoras, a população não adoece, não envelhece e raramente alguém morre.
"Para alguns críticos, ali se delineia uma utopia americana que até pode ser confundida com um estado socialista. O irônico é que talvez as preocupações do macarthismo tenham acordado os leitores para essa simbologia. Nunca houve qualquer dúvida de que Baum aludia à história americana. A comparação de Oz com a era progressista dos Estados Unidos passou a ser um exercício proposto como dever de casa para estudantes secundaristas americanos", diz Franco.
Em 1964, Henry Littlefield, professor de história em escolas secundárias, publica o estudo "O Mágico de Oz: Uma parábola sobre o populismo", que considerava a obra uma sátira "política e monetária". A interpretação foi imediatamente rechaçada pelos admiradores de Baum, que não admitiam o aproveitamento político da história. Somente 20 anos mais tarde a versão de Littlefield conquistou o reconhecimento do meio acadêmico, quando o respeitado economista Hugh Rockoff escreveu um artigo corroborando sua interpretação. Para Rockoff, Baum criara não apenas uma história infantil, mas um "sofisticado comentário sobre os debates políticos e econômicos da era populista".
No prefácio de 25 páginas, Franco traça um panorama da época vivida por Baum, um homem de múltiplos talentos que ganhou a vida como empresário, jornalista, dramaturgo e ator, que usou sete pseudônimos diferentes para cada estilo literário em que criava, entre eles um romance para adultos sobre o Brasil e novelas para adolescentes. Na primeira aventura de Dorothy no Reino de Oz, é estabelecido um paralelo com os Estados Unidos daquele momento de intenso choque cultural pela chegada de imigrantes, além da agitação social pelos direitos dos trabalhadores urbanos e no campo. O movimento sufragista, que buscava dar o direito de voto às mulheres, também ganhava força. Entre as diferentes plataformas políticas em discussão estava o sistema monetário bimetálico, pelo qual o governo poderia emitir dinheiro com lastro em prata, como já fazia com o ouro, aumentando a oferta de moeda e crédito. O Partido do Povo, que abraçou a causa do bimetalismo, tinha bases sólidas no Kansas, o lar da menina Dorothy.
"Baum quis trabalhar com o imaginário de uma garotinha para usá-la como a alegoria de um país jovem. Littlefield foi o primeiro a perceber que ali estava a crônica de uma época, com a defesa do programa do Partido do Povo. Sempre que há uma citação aos sapatos prateados de Dorothy, eles aparecem em contraste com a Estrada de Tijolos Amarelos, em alusão clara ao bimetalismo. Toda a vez em que surge o ouro, a prata se apresenta. Não há nada acidental", diz Franco.
Para Littlefield, as analogias de Baum tinham tanta consistência que não poderiam ser consideradas apenas coincidências. A representação de toda a população americana está em diferentes personagens. Um grupo que se veste sempre de vermelho lembra os "rednecks", os camponeses do Sul dos Estados Unidos. O Espantalho representaria os fazendeiros em dificuldades, enquanto o Homem de Lata (originalmente, o Lenhador de Lata) seria o trabalhador urbano robotizado, que perde sua humanidade diante do trabalho pesado nas fábricas. O Leão Covarde encarnaria o político William Hennings Bryan, conhecido como "O Leão de Nebrasca". O próprio nome do reino de Oz teria se inspirado na abreviatura para onças, a medida de peso utilizada para metais preciosos - embora Baum tenha comentado que escolhera o nome ao abrir um arquivo que listava assuntos de O até Z.
O olhar adulto sobre a obra de Baum jamais afastou qualquer leitor do mundo fantástico de Oz, diz Franco. "Baum nunca deixou nada se interpor à proposta de criar uma história para o público infantil, ligada à realidade americana, o que sobreviveu à sátira de uma época, voltada para leitores de outras idades. Por trás de tantas imagens fortes, que nem fazem sentido para o leitor da atualidade, permanece uma narrativa encantadora que se fixa no imaginário das crianças e dos adultos."

"O Mágico de Oz"

L. Frank Baum. Tradução: Sergio Flaksman. Editora: Zahar. 256 págs., R$ 49,90


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