2.3.20

A amiga da Casa

A casa se tornou lar muito porque nela fiz uma amizade que transcende a vida.
Quando nos conhecemos, em 1997, eu estranhava que ela ficasse em casa quase todas as noites, torrasse na praia nos fins de semana, mas nunca comigo, só com as amigas e um amigo no calçadão, bebendo cerveja e comendo porcarias fritas. Nossos programas em comum envolviam filhos – festas de crianças, de colégio – ou família: ano novo, Natal, aniversários, noite de fim da novela, eu perguntando tudo o que acontecera nos capítulos anteriores, ela fingindo se zangar comigo, vociferando respostas.
E tinha a bebida, sua companheira de todas as noites. Havia as fases da vodca, outras da cerveja, um período de vinho e, mais que tudo, uísque. Falava o melhor inglês de uma brasileira, aquela voz belíssima que soava natural ao mencionar “Bread Pit”, e não “BrediPitch”.
Partiu sem alarde. Não era de alardes, era de amores, casou-se cinco vezes. Jactava-se da boemia na juventude. 
Ela se foi e me deu vontade de deixar o canto que ganhou cara de casa porque estávamos próximas. Foi ela que me concedeu a sensação de pertencer ao prédio. Foi ela que me deu vontade de amealhar recordações como as que trocava com os filhos – e hoje essas lembranças se confundem com os tempos em que convivemos.
Sei que ela entrou na minha vida para me marcar.
Eu passei por ela como distração, brincadeira. Mas nos aproveitamos bem.
Ela vai comigo pro outro endereço.

Nenhum comentário: