2.3.20

Cosmo

 Quando chegamos, há 26 anos e pouquinho, não me recordo do Cosmo, só do seu João, o vigia noturno. Em muitas madrugadas, deixei a chave de casa com seu João enquanto corria para pronto-socorro com filho doente, pedindo que salvasse as outras crianças em caso de incêndio.
Cosmo nunca serviria para acudir num incêndio. Era meio atarantado. Falava sem olhar diretamente o interlocutor, passava todos os recados do síndico quanto a falta de água, de luz, de gás – manutenção, troca ou limpeza – e também as broncas pelas molecagens dos pirralhos, os meus quatro e o Luís Heitor, que tinha gaveta de roupas e guardados em nossa casa. Arauto das piores novas, comunicava cada falecimento de morador.
Nossas conversas versavam sobre a temperatura e política, jurando que votava em meus candidatos, mas nunca acreditei muito. Como todo porteiro, ficava com os eletrodomésticos dispensados pelos moradores. Diferente de boa parte dos colegas de profissão, jamais demonstrou interesse ou talento para fazer biscates no condomínio. No máximo, lavou carros.
Hoje, está em licença de saúde. Lamento não poder me despedir do Cosmo, nem ter lhe dado o último panetone de Natal, pois já entrara em licença pelo INSS. Quando soube que íamos nos mudar, perguntou se o gatinho ia junto. Não que gostasse de gatos. Jamais demonstrou qualquer afeto por animais ou plantas. Por ele, as plantinhas do prédio viveriam apenas da água da chuva. Para nós, Cosmo foi tão essencial, nesses anos, como a água da chuva.

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