26.11.10

Guerra urbana



As imagens que mais me impressionaram na batalha da Vila Cruzeiro, ontem, foram as que mostravam o contingente de traficantes subindo o morro, em fuga do confronto com a Polícia. Ao longo do dia, acompanhei a cobertura pela TV Globo (nem adianta: todo mundo gostou das imagens ao vivo, sim. São espetaculares, primorosas. E a culpa não é da imprensa pela situação mostrada, que é grave mesmo). E durante a tarde, troquei comentários no Facebook, que posto aqui porque eles exprimem o que fui percebendo, diante de réplicas às vezes raivosas, às vezes preconceituosas, às vezes apenas pueris.

Destilar o ódio ao pobre, preto e favelado não resolve a situação. O preto, pobre e favelado não é bandido. É pobre, por isso, favelado. Pregar o extermínio oficial dos bandidos também não elimina o problema da falta de padrões que levam as pessoas a tal meio de vida - curta, aliás.

Acredito, realmente, que boa parte da população está tão cansada com esta situação que se estende por tanto tempo que desabafa com raiva, criando uma bolha de exceção para os que ama. O mundo é habitado por nós e por "aquela gente".

Não digo que não tenho medo de bandidos. Tenho, e muito, claro. Mas não me dou o direito de decretar a morte deles em prisões superlotadas ou simplesmente exterminados. Igualar-se ao bandido é ser criminoso também.

Em tempo, acho que a Polícia está agindo de forma correta. Seguem, então, as observações diversas.

  • Ideia genial que acabo de ouvir: pegar as toneladas de maconha apreendidas ontem ou hoje, fazer uma fogueirinha na frente do Alemão pra ver se acalma a galera toda, só com a fumaceira da erva.

  • As vozes do obscurantismo já se fazem ouvir, bradando pelo extermínio da bandidagem, regozijando-se com a ação policial e torcendo para que se torne um banho de sangue. Acho tão perigoso quando nos vemos como imunes a tais justiçamentos, enquanto "os outros", ou seja, os pretos, pobres e, por isso, culpados pela própria natureza, ficam à mercê de julgamentos fora de tribunais.

  • Antes que comecem os brados de "Bandido bom é bandido morto", vale lembrar que o Estado brasileiro acredita e luta por isso há muito tempo! As condições carcerárias no Brasil são tão criminosas quanto os que estão nas cadeias. Em espaços mínimos ficam amontoadas centenas de pessoas, o que nos leva a imaginar um nítido objetivo oficial de levá-las ao confronto e morte. A gente mantém um Estado para desenvolver políticas de prevenção ao crime e de punição aos delitos, não de extermínio. Sei que esses caras são perigosos, sei que nada justifica a crueldade. mas ao Estado não cabe o papel de ser bandido com o bandido.

  • Já tive amigo assassinado por traficante. Já tive amigo assassinado por assaltante. Já fui assaltada. Já tive filho assaltado. Mas isso não me fez desejar a morte de todos esses bandidos. É uma questão de formação pessoal, de filosofia de vida. O discurso não está pronto, não. Eu o escrevo diariamente quando crio filhos que convivem normalmente com pessoas de etnias, categorias sociais e opções sexuais diversas. Ou quando peço, apenas, que a gente reflita sobre o que nos diferencia ou nos dá o direito de clamar pela morte desses bandidos.
  • Acabo de me deparar com comentários pavorosos sobre a situação da cidade e a arrogância carioca. Triste pensar que a cidade atravessa um momento desses e há quem destile seu ódio pelo Rio, chamando seu povo de ignorante, besta e, principalmente, culpado pelo que está acontecendo. Alegria do palhaço é ver o circo pegar fogo
  • Eu havia postado um comentário, dizendo que nosso Estado é realmente adepto do extermínio, vide nossas condições carcerárias. E isso foi motivo pra ser chamada de ingênua, copiadora de discurso pronto, ou instada a levar para casa cinco bandidos.
  • Só para esclarecer: não sou contra esta ação policial, que me pareceu, até agora, bastante cuidadosa. Entendo perfeitamente que a população esteja farta de lutar contra a violência urbana. Mas não que a desgraça acontecendo no Rio dê munição para os adeptos da pena de morte, que, exceto em tomada de poder por revoluções mundo afora, acabam atingindo os pobres de sempre.

22.11.10

Saint Pauly

Ih... cadê a Olga, que não teve tempo, grana nem como vir pro Morumbi me ver? Será que preferiu viajar até Bauru, onde o Kevin Costner brincava de roqueiro?
Ah, São Paulo, ah Sir Paul!!!!

11.11.10

D.Odilão Moura O.S.B (1918-2010)


Batizando Júlia - Oto, como sempre, aprontando lá atrás






Com Júlia e Mamãe, num Natal.


Neste novembro tumultuado por vestibulares, provas, aniversários de dois filhos, casamentos de duas primas, acabo de perder meu tio mais velho. Para os que o conheceram fora da família era D. Odilão Moura, monge beneditino, professor de Teologia e Filosofia durante muitos anos na PUC e na Santa Úrsula, especialista em Sto Tomás de Aquino.
Para mim era o Tio Telmo, o sacerdote da família nem tão católica assim, responsável por oficiar casamentos e batizados de irmãos, sobrinhos e sobrinhos-netos, celebrante de todas as missas.
Péssimo motorista, dirigia um fusquinha que Vovó lhe deu para facilitar as idas do Centro, onde fica o Mosteiro de São Bento, à Gávea. Por duas vezes, foi o piloto em viagens que fiz com ele pelo interior de São Paulo. Sentia sono na estrada (acordava diariamente às 4 da manhã e nos telefonava às 7h, mais que desperto, rindo porque a voz que o atendia tinha indícios de um despertar a contragosto), parava em postos de gasolina para dormir por dez minutos.
Adorava comer, um dos prazeres que precisou reduzir, velhinho, por causa da diabetes. Exatamente como minha mãe, tinha acessos de riso incontroláveis, que contagiava quem estava por perto. Não podia ver um mendigo na rua sem obrigar os irmãos a darem esmolas. Adorava crianças. Contava que fora uma peste em menino, fugia de casa, vivia de castigo de tão moleque. Meu filho Oto seguiu a tradição. Aos 12 anos, virou um erudito, estudante compenetrado. Tentou seguir Medicina, mas não conseguiu acompanhar dissecações de cadáveres. Fez alguns meses de Direito. Acabou entrando para o Mosteiro aos 19 anos, para revolta de uma prima mais velha. "Telminho é bonito demais", escreveu a parenta para minha bisavó, que retrucou: "Deus também gosta de gente bonita, ora". Mas Telminho, segundo minha mãe, logo botou óculos, ficou careca e engordou. Uma sina da família.
É estranho enterrar os parentes, mesmo velhinhos, mesmo sobrevivendo sem lucidez, como era o caso de Tio Telmo há pelo menos dois anos. Uma parte da formação de minha vida foi sepultada ontem também.

1.11.10


Quem diria, hein?

Sem carisma, sem uma família feliz a seu redor, sem beleza ou doçura, uma mulher que foi à luta e chegou mais alto do que jamais poderia imaginar.