30.1.06

Diferenças


... escarafuncho a Internet à sua procura, como se eu tivesse significado algo em sua vida. Insignificância é meu mote, mas não desisto. Quero saber se você está se tornando tão medíocre como eu.
Detesto gente moderna, de atitude, de sucesso pequeno, exatamente como você. Detesto gente ressentida exatamente como eu.
Então, sigo em sua cola, catando pedaços de sua vida, tão bem camuflada sob a capa da autosuficiência que esconde uma tremenda insegurança. Quantos piercings furam seu rosto? Qual é a cor de seu cabelo? De seu cabelo real, aquele que surge escuro e logo se transmuta em louro, ruivo, jamais branco, que você não passará nunca dos 27 anos.
E você segue, espezinhando quem não é igual, quem não é espelho, quem não se enquadra no seu texto. Não dá sequer pra aturar a convivência com o diferente, você não quer aproximação, não acredita em gente que pense de outra forma.
E isso sempre me fascinará.

Vida que passa






Fim-de-semana de visitas e conversas. Fui com os meninos ver meu tio velhinho no Mosteiro de São Bento. Ele tem 87 anos, foi um grande professor de teologia e de ética, autor de livros teológicos e há algum tempo padece dos males de uma saúde bastante irregular. Teve alguns cânceres de pele, outro, mais sério, de estômago. Confunde os meninos, mas lembra-se de detalhes de seis anos atrás. Estranha a forma como a mente trabalha.
Casal de compadres vem nos visitar para me dar forças num momento difícil. Amigos que já foram muito próximos e que hoje estão mais distanciados. Mas que surgem nas horas duras. Estamos para completar 30 anos de amizade, eu e meu grupo de adolescência. Amizade que se mantém, felizmente, não apenas com visitas sociais. É estranho envelhecermos juntos, vermos nossos filhos crescendo, chegando à idade em que nos conhecemos. Já faz muito tempo mesmo...

Foto: Marcelo e eu, em 1979. Atrás, Ricardo e Fernanda, cantando. Em primeiro plano, a indefectível pastinha de cebola.

28.1.06

Lamento de verão


Vivo numa cidade que me supre de emoções e atrativos tão numerosos que dispensaria conhecer o mundo só para jamais deixá-la, o que me torna pequena, provinciana e reduzida diante dos cidadãos do mundo. Foi a escassez de dinheiro e a distância de meus filhos que tornaram minhas férias um período a ser desfrutado no Rio. Porém, um mecanismo de sobrevivência qualquer sempre me fez acreditar que o melhor lugar do mundo era aqui, apesar da violência, da agressividade, dos custos que a gente paga para curtir o Rio.
Em criança e adolescente, na época em que férias significavam quatro meses por ano de pernas para o ar (de fins de novembro a fevereiro E o mês de julho inteirinho) porque o MEC não determinara ainda o aumento dos dias letivos, nos quais as escolas incluem "passeios-aula", "viagens-aula", "apresentação pedagógica", e o malfadado conselho de classe (sem que esta ampliação de carga horária correspondesse a melhorias no ensino/aprendizado ou reduzisse a ociosidade que convida à cooptação pela marginalidade dos alunos) eu era levada para Florianópolis com meus pais, para visitar o ramo paterno da família. Geralmente, íamos no verão. No inverno, apenas em 1972, para comemorar as Bodas de Ouro de meus avós, quando todos sofremos terrivelmente com um frio para o qual não foramos programados geneticamente - ou, no caso do barriga verde do meu pai, havíamos perdido a resistência das células sulistas para a adaptação a um ambiente tropical úmido depois de mais de vinte anos no Rio de Janeiro.
Foi naquela época que eu passei a detestar as viagens a Florianópolis, porque o Rio era onde estava a diversão, os amigos, os cinemas, a praia. Em Florianópolis, ir à praia era uma operação de guerra, que incluía uma distância a ser percorrida de carro. No Rio, era olhar se havia sol, tomar café, trocar de roupa e rumar para a areia.
A maioria dos meus amigos de então sofria o mesmo dilema: a saudade dos parentes de fora do Rio e a vontade de ficar na cidade, para encontrar a molecada com que convivia apenas nos fins de semana, porque naquele milênio ainda se era obrigado a estudar de segunda a sexta e só sábado e domingo eram reservados à gandaia. Menos nas férias. Nas férias, podíamos nos encontrar todos os dias, falar pessoalmente, sair! E haja praia, claro.
Naquela época, o grupo de amigos era bastante coeso e muito semelhante socialmente. Os pais trabalhavam, as mães, não (exceto a minha, claro). Vivíamos em Ipanema, íamos ao Teatro da Praia ver o Asdrúbal, ao Parque Lage assistir ao Pessoal do Despertar, dançávamos no Circo Voador e numa boate do hotel Intercontinental, sempre juntando os trocados do grupo inteiro, porque alguém da turma nunca tinha dinheiro suficiente para pagar a entrada/consumação. Só uma amiga tinha verdadeira loucura pelas viagens (algo que ela cultiva até hoje, com mais reservas, já que agora, quem custeia os passeios é ela mesma), embarcando em excursões organizadas pela Soletur. Aquelas excursões em que há animação a bordo, com todos os viajantes alegres e íntimos, relacionamentos que se esfumaçam na volta à metrópole. Eu preferia as viagens no estilo mochilão, como meus pais, que, depois dos 50, foram passear por alguns países da Europa, mal falando inglês, dormindo em trens e se hospedando em pousadas sem qualquer estrela.
O grupo de amigos de minha adolescência permanece o mesmo. Ao longo de outros verões, acumulei novas amizades, e, com exceção de duas ou três, todos têm a mesma característica: vieram viver no Rio ou na Zona Sul, mas são de outras cidades. A visão deles sobre São Sebastião é muito diferente, pois não tiveram "adultos de referência" que conheceram um Rio mais agradável, embora já infernalmente quente, nas décadas de 40/50/60. Quase todos tiveram que deixar a casa dos pais muito jovens para estudar na cidade grande, enquanto minha geração viveu sob as asas protetoras da família enquanto precisou ou quis. Eles fizeram o caminho dos meus pais e engrossam o grupo "estrangeiro" que dá ao Rio este ar tão cosmopolita. Mas, diferente das gerações de migrantes anteriores à minha, só os que se apaixonam perdidamente pela cidade permanecerão aqui. O Rio, atualmente, assusta. E dá muita vontade de arranjar meios para garantir férias em outros cantos.

27.1.06

Parabéns!



Depois de ler as sábias palavras da Sônia, que não aceita ouvir que está envelhecendo com uma cabeça tão jovem, ("Tenho cabeça de velha, sim", diz a Sônia, orgulhosamente), eis quem faria hoje 250 anos, mas se foi precocemente, aos 35 anos, deixando um legado maior que sua vida para a humanidade. Imagino que, se houver um Paraíso, deve ter muito concerto legal pra gente acompanhar, com anjos e arpas acompanhando homens geniais.

Sobre a igualdade

Agência do correio entupida de candidatos a cargos diversos em concurso de órgão público. A cordialidade entre todos os futuros concorrentes é prova do mito da generosidade brasileira. A igualdade acaba na taxa de inscrição: quem concorre a cargo para o qual se exige curso superior tem que pagar três vezes mais que os de nível técnico.
Qual é a razão desta cobrança tão acima da outra? Se aprovado, o funcionário público com nível superior vai ganhar três vezes mais que o de nível técnico. Mas isso é depois que for aprovado. As provas, provavelmente, são elaboradas por gente gabaritada, já que os cargos técnicos, muitos deles, exigem certificados de cursos das escolas técnicas - que são mais concorridas do que universidades públicas.
A falácia educacional-econômica brasileira sedimentou mitos, mas um deles, a do povo conformado que não levanta a voz para reclamar de nada, é alimentada pela cada vez maior fraude que sustentamos: um sistema de ensino vergonhoso, que não acostuma o estudante a duvidar da lógica simplista que aceita cobranças baseadas numa justiça social questionável. É assim que descobrimos que utilizar o serviço público não é tão fácil quanto a clásse média empobrecida imagina. Para matricular um filho em colégio público comum - não aqueles aos quais se entra por concurso, como os CAPs ou o Pedro II - é necessário, primeiro, saber se haverá vaga sobrando para ele, pois, a prioridade é de quem esteja na rede pública, tenha irmão já estudando na rede, tenha alguma deficiência física, descenda de índios, seja cigano, trabalhe em circo ou, absurdo absoluto, seja filho adotivo. Até então, eu imaginava que as crianças, pela atual legislação, perdiam tal pecha ao serem adotadas.
Lógico que tudo piora se pensarmos que os hospitais públicos estão cancelando cirurgias por pane no sistema de ar condicionado nesses dias de verão insuportável. Cadê a CPMF mesmo? E o IPVA que se paga para a manutenção de estradas que não cobram pedágio? E a taxa de incêndio que é discutida na Justiça porque seria uma bitributação, já que um serviço público é custeado por impostos como o ICM? Ah, sim, o IPVA também estaria na mesma categoria, já que é cobrado sobre o valor de um bem pouco durável, que tem impostos violentos no momento da compra?
Enquanto isso, o amor floresce no Big Brother *, leio no Globo on line, notícia que merece destaque semelhante ao das celebridades chegando ao Fórum Mundial, onde, aliás, as esquerdas criticam a "endireitada" de Lula. Tem jeito? Lembrar de um reggae que o Gil cantou muito com o Bob Marley: "Don't worry 'bout a thing, cause every little thing's gonna be all right".

* Em meus tempos de funcionária pública, este era um tema recorrente das conversas. Quem acompanhava o andamento das tramóias do Big Brother, que sempre levam a ensaios fotográficos com gente pelada, discutia os personagens - porque, convenhamos, aquilo é teatro interpretado por atores de qualidade questionável. O mais admirável é a tremenda cara de pau: todos choram desesperadamente por estarem eliminando alguém a quem conheceram semana passada e por quem nutrem uma profunda amizade. Agora, segundo o Globo On, todo mundo tá dando beijo na boca, casais apaixonados, mulheres e homens, que ensaiam trocarem selinhos para acabarem com o preconceito contra o homossexualismo, embora declarem que não são gays. Ah, o Coliseu desses tempos modernos...

25.1.06


Absurdo: estou com os pés inchados de tanto calor que nem dá coragem de ir à rua, quanto mais à praia.
Mas vou, pra fazer inscrição em concurso público, pra fazer matrícula de menino na escola, pra comprar comida, pra conferir conta bancária.

E aos amigos, juro: jo no soy mandingueira y no creo que las hay.
Pero que las hay, las hay

22.1.06

Os coitados

O calor é tanto que embota o pensamento. Não há raciocínio com o corpo molhado, a cabeça dolorida e a claridade tão intensa que dá vontade de usar óculos escuros em casa. À noite, o calor é pior, abafado, não há vento, não há brisa, não há alento.
As gatas, coitadinhas, deitam-se no chão da cozinha, buscando resfriar a barriga. Até o cio delas fica mais discreto, a sensualidade perde as forças nesta umidade amazônica que se abate sobre a cidade. A vontade é vestir a tanga de São Sebastião e usar a pele como roupa.
Por incrível que pareça, é na Gamboa que passo tardes frescas. No imponente prédio que abriga o Centro Cultural José Bonifácio, outrora um internato para meninos e meninas, a Cia Étnica de Dança ensaia a coreografia da comissão de frente da Escola de Samba Flor da Mina do Andaraí. As salas de ensaio têm pés-direitos de, no mínimo, cinco metros de altura. Os arquitetos portugueses definitivamente entendiam como fazer edificações acolhedoras nos trópicos. Pena que, pertinho dali, no Morro da Favela, os primeiros barracos miseráveis eram erguidos e serviam de inspiração para nossos especuladores imobiliários imaginarem caixotes superaquecidos onde nos amontoamos atualmente.
É nos salões centenários que lindas jovens do morro do Andaraí contam o quanto batalham para serem respeitadas pelas próprias famílias por haverem escolhido o balé como profissão. Já recebem salário para dar aulas ou bolsas de estudos para aprenderem as técnicas de dança, mas pais e mães insistem que façam concurso público ou procurem um emprego seguro. Não estão errados os pais e mães, que sabem da dificuldade em viver da arte neste país. Eles padecem do mesmo mal que boa parte de nossa população, que encara o projeto social - este é patrocinado pela Petrobras - como uma ocupação para afastar os jovens da criminalidade.
Essas moças não querem ser bailarinas exóticas em shows de mulatas, encantando os gringos com a sensualidade folclórica das negras e mestiças. Querem dançar, lutar por um estágio na companhia de Martha Graham, assistir a espetáculos diferenciados e aprender diferentes técnicas de expressão corporal, enquanto inspiram outras meninas dos morros cariocas a fazer arte, mesmo sem o sucesso dos atores do Nós do Morro, que conquistaram a TV Globo. Pena é que artistas sem destaque nas revistas de celebridades continuem encarados como "uns abnegados, coitados".

16.1.06

Verão

Não dá pra se tomar uma cerveja em paz, numa tarde em que faz 39 graus na sombra, enquanto se tenta escrever, e na TV surge Sandra Bullock interpretando uma alcoólatra internada em sanatório...

14.1.06

Casais



Depois das fotos do réveillon do casal Garotinho - nada contra o excesso de peso da dupla, mas fecho em gênero, número e grau com todos os críticos: um maiô inteiro, vez por outra, faz uma falta danada -, vem a notícia sobre o bebê dos pais mais lindos do mundo.

Te cuida, Angelina Jolie... Nenéns biológicos podem criar bolinhas em garotinhas...

13.1.06

Ideologia da falsidade

Por que uma roqueira fracassada finge ser um jovem ex-garoto de programa, portador de HIV e ex-travesti de alguma forma? A farsa de J.T. Leroy tem tantas vertentes que já não sei nem mais o quanto este personagem encarnava no papel de épateur de la bourgeoise. No fim, era uma mulher interpretando tudo aquilo (ouvi ou li que ele/ela também fizera uma cirurgia para trocar de sexo). E a qualidade literária do personagem, vale?
Um de meus filmes favoritos é uma espécie de palestra filmada do Orson Welles, "F for Fake", no qual ela levanta a tese de que o trabalho de falsificadores em geral dá continuidade a obras primas. Um dos pontos de apoio do filme é a pergunta: quem é o autor da Catedral de Milão? Milhares de anônimos e, no entanto, ela é maravilhosa, sem a necessidade de um nome que carimbasse a garantia de qualidade. Lógico que até esta tese é uma farsa do Welles, que ficou famoso ao "transmitir" a invasão da terra por extra-terrestres, lendo "A Guerra dos Mundos", do H.G. Wells (não, talvez, por acaso, seu homófono).
Se hoje a farsa é forma de lançar seu nome no mercado, este, geralmente, pune os mentirosos. A dupla Milli Vanilli é a prova maior do justiçamento popular, que não aceita a empulhação de playback. O caso Leroy, no entanto, ainda pode ter desdobramentos mercadológicos, como a explicação sobre a farsa por sua autora, gritando ao mundo que o mercado discrimina uma mulher comum, porém incensa os que se fazem de malditos.
Ainda não li Leroy, li apenas as aventuras de seu personagem, do qual não gostei desde o início por estar definitivamente cansada dessa turma que adora jogar pra platéia. Todo mundo pode ter uma vida desgraçadamente difícil e até revelar os esqueletos guardados no armário, mas será tão necessário assim criar uma fábula para faturar mais? Todas as vidas neste mundo dariam um romance. Basta ter o ângulo certo para enfocá-las e contá-las.
E vamos falar sério: alguém mais agüenta saber das taras e idiossincrasias de cada celebridade mundial?

11.1.06


Brigas, falência, desânimo, desespero, soluções, trabalhos, um cisco de esperança... e um bom Frontal que ninguém é de ferro!

9.1.06

Coragem!

O sol voltou às terras de São Sebastião, mas cadê ânimo para enfrentar os quilômetros que me separam da praia?
Sair de casa com um bando de adolescentes nem sempre é fácil. Todos têm que ficar prontos, cada qual em seu ritmo de mau humor particular, porque ser adolescente virou sinônimo de maus bofes durante a metade do período de convívio com seres idosos - qualquer um acima dos 20 anos. O difícil de estar na maturidade é que a juventude não nos parece tão distante assim. Os ímpetos ainda são os mesmos, o absoluto desprezo pela falta de experiência de vida ainda não existe. Interessante é que fatos históricos são facilmente relembrados, pois boa parte deles foi parte de sua própria existência.
O primeiro choque de envelhecimento me pegou por volta dos 25 anos, quando senti dificuldade em dançar vigorosamente cinco rocks seguidos. Fumava, bebia, mas era magrinha ainda. Sem fôlego já. Aprendi, então, a alternar a dança e segui pulando, deslizando, volteando e me embalando vida afora, incluindo as quatro gestações. A segunda tomada de consciência sobre a idade veio num McDonald's. Era domingo de manhã e eu acompanhava um colega, de motocicleta, que fora comprar o almoço para quem estava de plantão na redação. Meus braços eram necessários para acomodar os pacotes, delivery era palavra absolutamente estranha a nosso vocabulário. Enquanto aguardávamos os pedidos, ouvi um "Saudade Não tem Idade" anunciado no rádio da lanchonete. A canção que se seguiu não tinha dez anos de lançada e fora parte da trilha sonora de meus sábados à noite, quando dançava na Papillon. Foram duas revelações: de que uma geração musical é muito menor do que se imagina e que minha música já estava inscrita nos hits do passado.
Daí para a frente, foram muitos os momentos de conscientização sobre o envelhecimento, nem sempre diante do espelho. Encontrar conhecidos que se perderam pelo mundo e hoje têm rugas, papas, gordura, magreza excessiva, cabelos de diferentes matizes, fotografias de netos. A falta de paciência com a rabujice de velhos e de jovens, o enternecimento com as graças de uma criancinha, a ousadia de assumir atitudes sem o menor temor do ridículo. Vêm também uma maior freqüência de dores ósseas ou musculares, a redução da capacidade auditiva e visual. A pior perda, no entando, é a do tempo. A sensação de que o tempo é muito curto, de que não podemos passar o dia dorminhocando, porque há muito a fazer e que se eu não estivesse aqui registrando essas sensações todas, poderia estar a caminho do mar.

3.1.06


Primeiros dias do ano, não dias úteis, como bem me lembra um amigo, pois esses só virão após o Carnaval, e descubro que o mundo continua e permanecerá pessimista. A amiga mais baixo astral da família viajou para o Nordeste, achando uma droga ganhar uma viagem com toda a sua família de presente; minha madrinha de crisma (não sou crismada, mas é a única pessoa a quem chamo de Dinda) telefona, gentil, para me desejar um bom ano, pois a vida é muito difícil para mães solteiras, lembra, com seu jeito Hardy-Ha-Ha de ser; um amigo afirma que não encontrarei emprego novo nesta época do ano; na porta do banco, uma mulher bem jovem, com bebê no colo, pede uma ajuda. No outro extremo, uma menininha vende balas. Eu queria tanto surtar na Provence, embora lá, hoje, seja inverno e não daria para comemorar os 16 anos de Oto, meu garoto manquitolas, com tanto calor quanto pretendemos lhe oferecer.
Imagina querer isso tudo quando se mora na cidade mais bela do mundo...

1.1.06

Saravá!


Ano novo tinha festa, beijo nos pais à meia-noite, mais festa e às 5h, com os amigos adolescentes, uma caminhada até a Praia do Diabo. A única data no ano em que podíamos brincar de adultos, voltar para casa com o sol batendo no rosto. A vida era dourada (não tanto quanto a imagem amarelecida pelo scanner enlouquecido), nem todos vestiam branco, cor mais associada aos macumbeiros que levavam oferendas para Iemanjá nas praias escuras, iluminadas apenas pelas velas e animadas pelos cantos e danças dos cultos.
À praia à noite ia Maria, minha babá, na época voltada para o sincretismo católico-africano. Alguns vizinhos jogavam palmas brancas no mar. Uma só vez, fomos fomos ver baianas dançando, fumando charutos, incorporando entidades. Meu tio Beto, de Florianópolis, queria conhecer o ritual e ficou amedrontado. Naquele tempo não era politicamente incorreto chamar afro-fiéis de macumbeiros. Vinícius de Moraes deu um toque aristocrático à fé de nossos antigos escravos, tão democrática, tão acolhedora, tão malandra que incluiu os santos católicos para disfarçar seus deuses e acabou criando uma nova corrente de fé, reunindo o que vinha dos judeus e cristãos ao dos povos da África.
Depois, a praia virou território dos que assistem ao espetáculo pirotécnico dos fogos de artifício. Detesto morteiro, mas amo fogos de artifício. Bato palmas, fico embasbacada. Também adoro contagem regressiva, dar pulinhos, beijos, abraços e - claro - me emocionar, chorar um pouquinho. Embora quisesse ir à Lagoa, onde tem fogos, tem árvore e um bocado de gente, mas a maioria moradores das cercanias, sem sotaques, sem muitos gritos, apenas o júbilo natural que a esperança de dias melhores nos trazem, acabei em Copacabana, onde estive, a última vez, na virada para 2000. Íamos de metrô, desistimos por causa das filas. Fomos em dois táxis (tenho cinco adolescentes em casa atualmente), pousamos na casa de Tia Zélia (a inspiração para a Tia Gertrudes, três ou quatro posts atrás), rumamos para a praia, mas, desta vez, permaneci na calçada mesmo. Tanta traquitanda estava armada entre a areia e as pistas da praia que desisti de tentar um lugar no mar de gente.
Os fogos? Mais lindos que nunca! Mas Copacabana só me pega novamente daqui a seis anos.