30.11.12

No Valor Econômico, hoje


A vida é um livro aberto
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Por Olga de Mello | Para o Valor, do Rio
Dois romances e um ensaio já iniciados aguardam o retorno de Alberto Manguel à sua casa, em Poitiers, na França. Nas últimas semanas, o escritor e ensaísta compareceu a eventos literários no Chile, na Inglaterra e na Itália até chegar ao Brasil, onde veio abrir a 7ª Bienal do Livro de Campos dos Goytacazes, no norte do Estado do Rio. "Os escritores se transformaram em caixeiros-viajantes que ganham a vida em leituras e palestras. Isso acaba prejudicando o trabalho de quem precisa escrever", lamentou Manguel, em entrevista ao Valor, no Rio, onde, na noite anterior, esbanjava simpatia no encontro com cerca de cem leitores na pequena Biblioteca Popular de Botafogo.

As viagens abalam a rotina deste argentino naturalizado canadense, que gosta de ler Dante Alighieri diariamente e escrever durante as manhãs. Por falta de tempo, recusa boa parte dos convites que recebe. A princípio, rejeita qualquer atividade de promoção de livros nos Estados Unidos.
"As 'book tours' começaram no século XIX. Era um acontecimento na vida de escritores como Charles Dickens. Mas eles participavam de uma, no máximo duas, dessas viagens. No século XX, elas tomaram um vulto empresarial nos Estados Unidos, onde, atualmente, os agentes literários e as editoras montam sessões contínuas com diferentes escritores se apresentando ao público em grandes livrarias. Não faço mais isso. Hoje, quem quiser ver e ouvir um escritor entra no YouTube", diz.
Em sua 30ª vinda ao Brasil - sempre a trabalho -, atendeu ao chamado para falar sobre a leitura como patrimônio pessoal na era das virtualidades. "Essa profusão de festas literárias em diversos lugares é excelente para os leitores e uma oportunidade para os escritores trocarem ideias, pois, cumprindo agendas lotadas, mal podem se ver", observa Manguel, que aproveitou o festival L'Altra Metà del Libro, que organizou há duas semanas, em Gênova, para se reencontrar com amigos, como os romancistas Ian McEwan e Daniel Pennac. Nos próximos dias, já tem outro compromisso em Paris. E no ano que vem coordenará outro festival, na cidade francesa de Nantes.
O calendário apertado não o convenceu a adotar comodidades como celular e e-mail, embora escreva em computador. Quando viaja, dita os artigos a um digitador, que os envia para quem o contrata. Reconhece a utilidade da tecnologia, mas prefere permanecer distante de algumas facilidades, evitando a leitura em ambientes virtuais.
"Meu filho assiste a filmes numa tela do tamanho de um selo. Eu não consigo. O e-reader é prático para o leitor que vive em trânsito, que não precisa carregar peso na bagagem, mas eu gosto do contato com o livro sólido, físico. A experiência de ler no papel é totalmente diferente da leitura na internet, que acaba dispersando o leitor", diz Manguel, que cultiva hábitos quase anacrônicos, como o de trocar cartas com amigos escritores. Na biblioteca que construiu em Poitiers tem cerca de 40 mil volumes, "todos abertos, nem todos lidos", organizados por temas nem sempre tão eruditos como se imagina de um dos mais reconhecidos especialistas em história da leitura e bibliofilia. Ao lado de livros sobre as lendas de Don Juan e do Judeu Errante, há muito sobre gastronomia e novelas policiais. "Só leio por prazer, o que acontece nas minhas leituras diárias de Dante e também quando pego um livro de Agatha Christie, que escrevia bem. Entretenimento não precisa ser vazio."
É com paixão de militante que ele fala contra o mercado editorial que privilegia a publicação de conteúdos medíocres. Fora do Brasil, afirma, os melhores textos têm sido lançados por editoras universitárias, enquanto as demais preferem publicar gêneros de boa vendagem, seguindo a tendência do momento.
"Uma editora deveria ter o compromisso de formar leitores. Eu me preocupo em ver que elas se tornaram cúmplices da formação não de leitores, mas de consumidores para a sociedade. Quando elas se tornam empresas gigantescas que compram editoras pequenas, estão destruindo a literatura. Seis meses antes de ganhar o Nobel de Literatura, em 2007, Doris Lessing me contou que sua última novela estava prestes a ser recusada por seus editores nos Estados Unidos e na Inglaterra, porque ela escrevia textos muito longos para ser apreciados por um público mais jovem. Isso é um desrespeito com uma escritora de 88 anos, então, com uma contribuição inestimável à literatura britânica. Aí veio o anúncio da premiação e, naturalmente, a situação mudou", lembra-se.
A incorporação de pequenas editoras e livrarias pelos gigantes do mercado também contribui para a perda de qualidade da literatura. O tratamento impessoal dispensado ao leitor nas grandes livrarias mostra o interesse em fomentar só o consumo, diz Manguel, que não se deixa levar pelo discurso de que os livros comerciais sustentam a publicação dos que têm mais qualidade. Falta espírito crítico aos leitores, afirma o escritor, que se surpreendeu com o sucesso de livros eróticos entre mulheres jovens, quando as tramas enfatizam o arquétipo das protagonistas submissas.
"Se as mulheres são 70% dos leitores, deveriam repudiar histórias que vão contra tudo o que se fez para estabelecer a posição feminina na sociedade patriarcal do Ocidente. A maior violência nesses romances não é sexual, mas o fato de impedirem as heroínas de questionar as ordens que recebem dos homens. Isso reforça o mito da inferioridade feminina em pleno século XXI, como se as mulheres não tivessem autonomia para tomar decisões plenamente. Homens e mulheres devem, juntos, como leitores, membros da sociedade, refletir sobre essa literatura que nega ao personagem o direito ao questionamento", diz.
Apesar das políticas públicas de incentivo à leitura, a sociedade desestimula os leitores, acredita Manguel: "A criança que gosta de ler é rotulada como 'nerd' pelos colegas na escola. Isso porque a leitura exercita o cérebro e vivemos uma época em que se recomenda ao jovem que evite as dificuldades, entre elas ler o que vai desafiar seu intelecto. Cada vez mais se compram livros superficiais, de textos curtos. Os leitores têm um poder que eles próprios desconhecem. Deixar de lado livros sem conteúdo forçará o mercado a procurar mais qualidade nas publicações".

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27.11.12

Erótica

Recebo um release de livro pornô para mulheres. Aparentemente, o romance deve ser tão fraco quanto o texto do release, que o pobre assessor de imprensa teve de penar para transformar em algo legível. 
Agora que as editoras mundo afora descobriram que as mulheres gostam de sexo, cada vez mais a dita "literatura feminina" será composta de romancezinhos água-com-açúcar enfatizando a dominação masculina, com heroínas jovens abobalhadas que adoram ser maltratadas. Sadomasoquismo foi alçado ao panteão de grande símbolo de iconoclastia, mas, por enquanto, a submissão é feminina e o príncipe encantado continua sendo o objetivo de vida das mulheres. 
Coisa mais ridícula...

Ainda mais...

Chegaram os dias abafados, que chuvinhas não refrescam. A transpiração ajuda a reduzir a pressão do corpo, mas se torna mais uma camada sobre a pele. Ainda é época de sentir arrepio ao abrir o chuveiro, igual ao primeiro mergulho nas mar gelado de Ipanema, mas acabou o tempo de tomar longos banhos quentes. Bate uma estranha melancolia enquanto me delicio sob a ducha gelada, pensando em tantos que nem água têm para beber. Antes, era só a pressão da cultura judaico-cristã que me deprimia. Agora tem a filosofia politicamente correta pra alimentar a culpa.

11.11.12

Versace, sempre um perigo!



O que o designer ensandecido da Versace imaginou ao criar este pavor, uma elegia a nereidas e a Maria Bonita, talvez?  Parece figurino daqueles projetos televisivos-artísticos com poesia de Ariano Suassuna.
A roupa é de mau gosto tão avassalador que ganha qualquer Troféu Helena Boham-Carter/Bjork/Cher de trajes típicos para tapete vermelho.
Se nem a Heidi Klum, que é alta, magra, linda e poderosa, fica bonita nisso, imagina uma mortal qualquer.

9.11.12

No Valor Econômico, hoje

Aqueles dias todos escuros

Por Olga de Mello | Para o Valor, do Rio
Reprodução / ReproduçãoDilma Rousseff mencionou Freitas (foto) em seu primeiro discurso de campanha
A lembrança mais antiga da jornalista Cristina Chacel relacionada aos tempos de regime militar é a de ver seus pais queimando livros, "provavelmente de conteúdo classificado como subversivo pela repressão, logo após a decretação do Ato Institucional nº 5, em 1968". Pouco depois, a família foi viver na casa de seu primo, o crítico de arte Mário Pedrosa, então exilado no Chile. Se alguém perguntasse por Pedrosa, Cristina seguia à risca a recomendação de informar que ele estava viajando e que não sabia quando retornaria.
"Ninguém explicava por que tínhamos de agir assim. Viver aos cochichos era comum durante a ditadura", afirma Cristina, autora de "Seu Amigo Esteve Aqui" (Zahar, R$ 42), a biografia de Carlos Alberto Soares de Freitas. Conhecido como Beto, Freitas, dirigente da Vanguarda Armada Revolucionária Palmares (VAR-Palmares), um dos grupos que lutaram contra o governo militar, desapareceu em 1971.
Entre outros militantes ligados a Freitas estava a então estudante Dilma Roussef, que mencionou Freitas em seu primeiro discurso como candidata do PT à Presidência da República. Em 2009, ainda como chefe da Casa Civil, Dilma recebeu Cristina, para falar sobre o amigo, figura influente na sua formação política.
"Ela ficou muito emocionada ao conversar comigo, demonstrando que eram realmente muito próximos. Os amigos, parentes e ex-companheiros deram depoimentos comoventes sobre Beto. São pessoas muito marcadas pelo período de militância, quando, por norma de segurança, pouco sabiam sobre a vida dos outros. Isso ficou para a vida toda deles, tanto a discrição em torno dos assuntos pessoais quanto a confiança nesse grupo que não se dissipa, que está unido para sempre", diz Cristina.
Convidada por amigos e companheiros de militância de Freitas para escrever o texto, em 2009, Cristina sabia que não podia contar com registros oficiais sobre sua prisão ou morte, ocorrida, possivelmente, em maio de 1971, na chamada Casa da Morte - local de prisão de presos políticos -, na cidade de Petrópolis, na região serrana do Rio de Janeiro. O título do livro vem do comentário de um sargento do Exército para Inês Etienne Mourão, também presa na casa.
"Essa foi uma das poucas notícias sobre o destino de Beto, dada pelo sargento que, hoje, não fala sobre o assunto. É muito estranho para um jornalista não ouvir os dois lados de uma história, mas não sei quanto vale a palavra de um torturador. O governo militar nunca admitiu a prisão de Freitas, embora a União tenha concedido uma indenização a seus pais, em 2005, considerando que era um desaparecimento político", diz Cristina.
O projeto de pesquisa foi financiado com parte da indenização recebida por Sergio Campos, o último dos companheiros de militância a ver Freitas vivo. O livro conta a vida de Freitas desde a infância em Minas Gerais, passando pelo envolvimento com política, a imersão na clandestinidade, até o dia em que se despediu de Sergio Campos, ao saltar de um ônibus em Copacabana, no Rio. Também acompanharam a coleta de material e as entrevistas um primo de Freitas, Sergio Ferreira, e a jornalista Flavia Cavalcanti, outra ex-militante da VAR-Palmares. "Só eu assino o livro, mas este é um projeto de todos que se empenharam em relatar lembranças sobre o Beto, a fim de tirar do anonimato alguém duplamente desaparecido - da vida e da história. Este é um momento importante no resgate da história dos derrotados, em que a Comissão Nacional da Verdade busca levantar o sentido de um período em que os militares brasileiros não reconheceram os crimes hediondos que praticaram", diz Cristina.

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Ai, ai...

Experimentando remédio de lá pra cá, pareço melhor. Mas se eu for listar as mazelas que me acometeram de uns anos pra cá, estava perdida. Prefiro ler sobre a aristocracia inglesa da primeira metade do século XX e sonhar que um dia não fui serva, mas tinha quem me servisse.
Ah, como cansa ser da classe trabalhadora. Dá orgulho pelas conquistas, mas uma exaustão...


7.11.12

Farmacolover

Posso ter nascido em ano do rato, mas eu não sou cobaia, não!!
A médica desistiu do remédio novo, depois que eu arfei, chiei e apitei igual a uma cambada de gatas no cio. Mudou pra algo mais tradicional e tascou mais corticóides. Resultado: estou levitando.
Cortisona é praticamente pomada Minâncora, serve pra tudo! De leucemia a processos alérgicos, contenção de tumores a artrite. A bula é literatura de amplo aspecto.
Ultimamente, andava muito cansada. Acreditava que era excesso de peso e idade. Mas era falta de ar mesmo. Incrível como respirar mal cansa! Incrível que eu, tão culta e brilhante, jamais consegui perceber isso. Incrível como fico animada com cortisona.
Meu filho Oto era assim. Tinha crise de asma, parecia que ia morrer sem ar. Na segunda dose de cortisona, pulava pela casa inteira.
Tomara que me reste algum ânimo semana que vem, quando o tratamento já estiver acabado.Porque hoje, comemorando a reeleição de Obama, inspirando profundamente e expirando silenciosamente, nem chorei muito pela perda dos royalties do petróleo que a Câmara garfou do Rio. Espero que Dilma e o STF consertem isso.




6.11.12

Direto do Canteiro 2 - O condomínio

Parece título de filme de terror, mas é apenas o início das obras no meu edifício setentão (72 anos, para ser mais precisa), que agora passa por intervenções urgentes, reestruturando reboco desgastado pelo tempo. Começou a retirada dos cacos de parede e, imediatamente, meu organismo, que se assanha a cada revoada de poeira, manifestou-se.

A asma me acompanha há tanto tempo que nem dou mais bola pra respirar mal e viver arfando, cansadíssima. Ontem, toda ruim, acabei numa clínica de alergias, onde constatou-se que estou cheia de porcarias nas vias respiratórias e que tenho de tomar um bocado de remédios. Comecei à noite, com o primeiro das bombas e... amanheci toda congestionada, com gripe!

Como doente crônica e alérgica a diferentes tipos de medicamento, sou partidária da cura pela paciência. Meu filho Hugo percebeu que lá em casa só vamos ao médico depois de três dias de febre ou qualquer sintoma que persista depois do uso de Paracetamol, pomada Minâncora, Luftal, antialérgicos ou sal de frutas. É sério. Uma vez, um dos meninos tinha como dever de casa listar os remédios que tínhamos em casa. Para fazer "volume", incluímos o Puran que Mamãe tomava para a tireóide.

Mas os médicos não acreditam que meu organismo fique bom sozinho e insistem em me receitar quatro diferentes remédios, como a médica que consultei ontem. Ora, ela, igual a todos os imunologistas, acredita que a gente 


1º ) está doidinha pra ser cobaia de novos medicamentos;
2º) tem uma fortuna para gastar em medicamentos que não têm patente quebrada;
3º) dispõe de criados para a assepsia de sua residência ou pode deixar a casa permanentemente imunda, já que um alérgico não deve: varrer, tirar pó, lavar, arrumar, tocar em poeira;
4º) jogará na rua todos os livros, as plantas e os animais domésticos que provocam alergias.
5º) viverá em ambiente limpíssimo, com móveis que jamais acumularão qualquer resíduo, com uma estética de filme de ficção científica das antigas (os atuais são todos sombrios e cheios de imundice).

E, at last, but not least, vai tomar miraculosas vacinas que acabarão com a asma pro resto de nossas vidas.

Então, em nome dos outros seres que necessitam sobreviver da melhor maneira possível, informo que:
1º) não sou cobaia;
2º) não tomo remédios caros por falta de recursos para tal (R$ 105 pratas somente UM deles!!!)
3º) meus filhos são a última geração que conheceu empregada doméstica - agora temos faxineira quinzenal, então...
4º) não viverei sem meus livros, minhas plantas e não há quem queira meus gatos;
5º) moro em Botafogo. A fuligem cobre qualquer milímetro do ar e das paredes de casa.

E, finalmente, não tomo vacina miraculosa.

Ou seja, a luta continua, companheiros! 

4.11.12

Amélia

Enquanto as mulheres não acreditarem na capacidade masculina de cuidar dos filhos e da casa, as tarefas domésticas permanecerão sob responsabilidade feminina. A Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), que há 44 anos observa as condições de vida no País, apontou que na última década a contribuição dos homens no trabalho de casa aumentou 8 minutos. Em 2001, mulheres dedicavam 24 horas semanais às tarefas domésticas; já os homens, dez horas (e eu acho que esses números são tão falsos quanto a quantidade de conquistas amorosas masculinas, sempre superestimadas pelos autores). Em 2011, as mulherem reduziram em duas horas a carga de trabalho em casa. Os homens, por sua vez, fazem 10 horas e oito minutos semanais.

E isso mereceu uma interessante matéria no Globo , que, no entanto, peca pela utilização de termos empregados ainda hoje pelas mulheres. Maridos "ajudam" em casa. (A foto, claramente montada para a matéria, retrata a tranquilidade  do homem, refestelado no sofá, em frente à TV, enquanto a mulher passa roupa!) Ora, quando esta terminologia é usada, significa que as mulheres consideram os homens inaptos para desempenhar as funções tradicionalmente atribuídas a elas. E não só os homens. Os filhos brasileiros, enquanto vivem com os pais, têm os mesmos privilégios. Naturalmente, às meninas cabe algum tipo de "ajuda" às mães, maior do que a dos meninos. 

Mais de um ano atrás, fiz uma matéria para o Valor tratando deste mesmo tema, devido à pesquisa de uma antropóloga britânica sobre mulheres que investiam em beleza e cultura como o chamado "capital erótico", que garante aos maridos poderosos uma companheira encantadora. A tese era que mulheres cultas estavam trocando o mercado de trabalho pelo casamento, mais vantajoso economicamente. Isso, a grosso modo. Naturalmente, estamos falando de classe média. Porque mulheres pobres, em qualquer canto do mundo, sempre trabalham dentro e fora de casa.

"A empregada doméstica, no Brasil, amortece a batalha das tarefas domésticas", disse-me, então, uma das mulheres que entrevistei. A economista Hildete Pereira de Melo lembrava que o número de empregadas estava caindo vertiginosamente, um fenômeno comum do crescimento econômico. O serviço cada vez mais caro precisa ser desempenhado pela família. Aí é que começam os dramas na classe média. Quem vai ficar com toda a carga de trabalho doméstico?

Nos tempos em que passou Avenida Brasil, a novela-sensação, uma das observações era de que as mulheres suburbanas trabalhavam em casa e na rua, sem discutir com os maridos, que assumiam as tarefas como naturais, algo não incorporado pelas moças da Zona Sul carioca. Embora em tom de farsa, não há como perceber que o fenômeno existe: as mulheres foram convencidas de que são as escravas dos lares. Quando os homens assumem tais tarefas, ainda que esporadicamente, são, imediatamente glorificados e celebrados, mesmo que o trabalho se resuma a trocar uma fralda suja do filho.

Tive empregadas que saíam de casa de madrugada e, ao voltarem à noite, tinham que cozinhar, varrer e lavar roupa de marmanjos desempregados - fossem maridos, filhos, enteados ou irmãos. Em Rio das Ostras, uma delas levou para casa um marido novo com filho e cunhado. Nenhum dos homens trabalhava. Nem na rua, nem em casa. 

Há 25 anos, quando me casei, fui claríssima ao informar que não precisava de "ajuda" nas tarefas domésticas, mas sim que cada um fazia a sua parte. Acho que fui pioneira e solitária nessa cruzada, mas, enquanto fui casada, deu certo.Já convencer meus jovens príncipes a assumirem cuidados higiênicos com a casa é mais difícil do que ensiná-los a escovar os dentes. Um dia, a gente percebe que eles, sim, tomam banho sem que ninguém mande, escovam os dentes sozinhos - ao se levantarem e depois de todas as refeições também! Por que, então, não lembrá-los desde pequenos sobre a existência de pratos a serem lavados, de que a cama pode e deve ser arrumada diariamanente? Resmunguem, briguem, eduquem! Abaixo a indiferença quanto às tarefas de casa!

Porque, Amélia, querida, seus filhos são da última geração que conheceu empregada doméstica. Podem ser a última, também, que conheceu mães-domestdicadas.