4.11.12

Amélia

Enquanto as mulheres não acreditarem na capacidade masculina de cuidar dos filhos e da casa, as tarefas domésticas permanecerão sob responsabilidade feminina. A Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), que há 44 anos observa as condições de vida no País, apontou que na última década a contribuição dos homens no trabalho de casa aumentou 8 minutos. Em 2001, mulheres dedicavam 24 horas semanais às tarefas domésticas; já os homens, dez horas (e eu acho que esses números são tão falsos quanto a quantidade de conquistas amorosas masculinas, sempre superestimadas pelos autores). Em 2011, as mulherem reduziram em duas horas a carga de trabalho em casa. Os homens, por sua vez, fazem 10 horas e oito minutos semanais.

E isso mereceu uma interessante matéria no Globo , que, no entanto, peca pela utilização de termos empregados ainda hoje pelas mulheres. Maridos "ajudam" em casa. (A foto, claramente montada para a matéria, retrata a tranquilidade  do homem, refestelado no sofá, em frente à TV, enquanto a mulher passa roupa!) Ora, quando esta terminologia é usada, significa que as mulheres consideram os homens inaptos para desempenhar as funções tradicionalmente atribuídas a elas. E não só os homens. Os filhos brasileiros, enquanto vivem com os pais, têm os mesmos privilégios. Naturalmente, às meninas cabe algum tipo de "ajuda" às mães, maior do que a dos meninos. 

Mais de um ano atrás, fiz uma matéria para o Valor tratando deste mesmo tema, devido à pesquisa de uma antropóloga britânica sobre mulheres que investiam em beleza e cultura como o chamado "capital erótico", que garante aos maridos poderosos uma companheira encantadora. A tese era que mulheres cultas estavam trocando o mercado de trabalho pelo casamento, mais vantajoso economicamente. Isso, a grosso modo. Naturalmente, estamos falando de classe média. Porque mulheres pobres, em qualquer canto do mundo, sempre trabalham dentro e fora de casa.

"A empregada doméstica, no Brasil, amortece a batalha das tarefas domésticas", disse-me, então, uma das mulheres que entrevistei. A economista Hildete Pereira de Melo lembrava que o número de empregadas estava caindo vertiginosamente, um fenômeno comum do crescimento econômico. O serviço cada vez mais caro precisa ser desempenhado pela família. Aí é que começam os dramas na classe média. Quem vai ficar com toda a carga de trabalho doméstico?

Nos tempos em que passou Avenida Brasil, a novela-sensação, uma das observações era de que as mulheres suburbanas trabalhavam em casa e na rua, sem discutir com os maridos, que assumiam as tarefas como naturais, algo não incorporado pelas moças da Zona Sul carioca. Embora em tom de farsa, não há como perceber que o fenômeno existe: as mulheres foram convencidas de que são as escravas dos lares. Quando os homens assumem tais tarefas, ainda que esporadicamente, são, imediatamente glorificados e celebrados, mesmo que o trabalho se resuma a trocar uma fralda suja do filho.

Tive empregadas que saíam de casa de madrugada e, ao voltarem à noite, tinham que cozinhar, varrer e lavar roupa de marmanjos desempregados - fossem maridos, filhos, enteados ou irmãos. Em Rio das Ostras, uma delas levou para casa um marido novo com filho e cunhado. Nenhum dos homens trabalhava. Nem na rua, nem em casa. 

Há 25 anos, quando me casei, fui claríssima ao informar que não precisava de "ajuda" nas tarefas domésticas, mas sim que cada um fazia a sua parte. Acho que fui pioneira e solitária nessa cruzada, mas, enquanto fui casada, deu certo.Já convencer meus jovens príncipes a assumirem cuidados higiênicos com a casa é mais difícil do que ensiná-los a escovar os dentes. Um dia, a gente percebe que eles, sim, tomam banho sem que ninguém mande, escovam os dentes sozinhos - ao se levantarem e depois de todas as refeições também! Por que, então, não lembrá-los desde pequenos sobre a existência de pratos a serem lavados, de que a cama pode e deve ser arrumada diariamanente? Resmunguem, briguem, eduquem! Abaixo a indiferença quanto às tarefas de casa!

Porque, Amélia, querida, seus filhos são da última geração que conheceu empregada doméstica. Podem ser a última, também, que conheceu mães-domestdicadas.


Nenhum comentário: