21.6.17

Águas cariocas

Em 1966, eu era criança e não me lembro das enchentes. Mas saí do Colégio Notre Dame, algumas vezes, pela Nascimento Silva, sobre pinguelas de tábuas que as freiras armavam da portaria à calçada. A Barão da Torre estava sempre inundada. 
 Nos anos 70, fomos acordados de madrugada com o telefonema de amigos, avisando que estavam ilhados no quartel dos bombeiros da Praça da Bandeira/São Cristóvão. No dia seguinte, eles eram a foto de alto da primeira página do JB, ela nos ombros de um bombeiro, ele caminhando, atrás, com água no peito. O carro foi levado pela enchente.
Em 1988, saí num sábado de manhã com motorista e fotógrafo para ver a chuva que não parava desde o domingo. O carro de reportagem não conseguiu subir a Marquês de São Vicente, na Gávea, de tantas pedras que rolavam. Passamos pela Rua Jardim Botânico antes que fosse tomada pelas águas. No dia seguinte, tentamos subir o Morro da Formiga para ver os estragos da chuva, mas a PM parou o carro, e, por duas vezes, fomos levar gente machucada para hospitais.
Anos 90: caiu o Pavão/Pavãozinho, mas eu estava na folga de Natal. Já morando na São Clemente, peguei carona ao sair do metrô, numa van, porque a rua estava completamente alagada. Para entrar em casa, um homem que passava pela rua e o porteiro fizeram cadeirinha com os braços e fui carregada até a portaria, sob aplausos da vizinhança (mico maior não passei na vida). Outra chuvarada, enfrentei singrando o carro por ruas de Botafogo, na contramão, arrebentando o motor de arranque de minha brava Elba. Num temporal, levei quatro horas para chegar até o Jornal do Brasil, engarrafada por causa da chuva. Quando saí do carro, as pernas bambearam de tantas horas de tensão, entorpecidas.
Anos 2000: Veterana nas chuvaradas, largo o carro no início da São Clemente, e vou ao cinema. Quando saio, o trânsito anda. Noutra vez, ao fim de uma sessão no Espação Botafogo, o lobby estava encharcado - as águas invadiram o hall dos cinemas. Fomos pro bar ao lado, hoje, a Void, para conversar até a chuva amainar. Depois, voltamos caminhando pelo meio da Voluntários da Pátria. Só gente andando. Carros não passavam, presos em alagamentos no Humaitá.
Carnaval de 2008: chove tanto que faz frio. Vamos pro Cordão do Boitatá, compramos capas e guarda-chuvas, fingimos resistir, mas acabamos indo pro Capela, onde está quentinho e seco.
Anos 2010: nem fecho a janela da varandona. Deixo a água molhar as plantas. No dia seguinte, passo um pano no chão.


Alta tensão na Província de Botafogo


Um amarradinho de fios. Elétricos ou de varal.