25.2.05

OMM - A Conversão de uma Cética

De tanto ler livro de auto-ajuda, entrei em processo de auto-descoberta. Éxplico: a necessidade financeira me obriga a ler livros de gurus orientais para elaborar releases de apresentação das obras aos jornalistas em geral. Daí minhas reflexões a partir das iniciais de meu nome, a partir das quais iniciarei meu livro de auto-ajuda e trilharei o caminho da fortuna pessoal.
Título: OMM - A Conversão de uma Cética
Introdução - a sílaba sagrada impressa na vida
Sempre achei que não era à toa que minhas iniciais formavam uma sílaba sagrada para os vedas. Só me dei conta disso em 1985, quando os computadores entraram na redação do jornal em que eu trabalhava. Naquele momento, deixei para trás a assinatura das reportagens que escrevia. Datilografávamos em papéis divididos em colunas, as laudas, o que víamos diariamente nas ruas. E, abaixo do título, eu escrevia: por Olga de Mello, omitindo o sobrenome materno (Moura, nome com um simbolismo forte também, levando a imaginação às pessoas de pele escura, à colonização portuguesa, ao embate cristãos e muçulmanos, ao início de nossa civilização judaica-romana, Ismael o filho de Abraão com sua escrava Agar). Então, chegaram os computadores, os papéis foram substituídos por telas escuras, nas quais, para escrever, era necessário ter uma identidade. Na época não se falava em login. E a minha ID era OMM, naturalmente, juntando minhas iniciais.
Foi quando caí em mim e passei a simpatizar com o som. Anos mais tarde, escrevendo para meus filhos, criei OMM the MOM, como assinatura. O anagrama de OMM era MOM (mãe, em inglês). Ou seja, a sílaba era semelhante ao primeiro chamado dos bebês, que serviu de nome para identificar as mulheres que alimentavam aquelas criancinhas, em diversas civilizações. ("mamma", italiano, "mère", francês, "madre/mamã", espanhol, "mor", holandês, "nãna" - yorubá - aqui entraráo milhares de mães, incluindo em esquimó, que deve ter o mesmo som também. Pagarei um trocado a um estagiário para pesquisar os nomes, conferir com cada consulado e representação de nação, e, enfim, relacioná-los). Eu trazia em mim o nome da matriz, da que vai guiar os primeiros passos de um ser humano. Tempos passados, um namorado romântico foi descobrir o que olga significava como substantivo comum. Estava no dicionário: Terra fértil. Senti-me, então, a verdadeira Gaia"
Não emplaca na auto-ajuda? Será o começo de um império (editora, workshops, centro de estudos, cruzeiros em busca da matriz da alma, a mãe de todas as coisas, a sílaba sagrada); O chato será aturar um monte de gente maluca acreditando neste besteirol!!!
Esta brincadeira rendeu até uma discussão divertidíssima com uma amiga, que acredita em fadas, duendes, astrólogos, tarólogos, cartomantes, espíritas, umbandistas, budistas, taoístas, hinduístas, cristandade, muçulmanos, xamãs, rabinos, santo daime, vudu, mas não ainda na Força dos Mestres Jedis. Minha amiga é uma pessoa doce, inteligente, e, naturalmente, sincrética. Ela faz feng shui e não quer saber de proximidade com samambaias ou jibóias (as vegetais, das animais eu quero muito distância também). Expliquei que minha seita, assim que conseguisse angariar muito dinheiro, igual a esses gurus da Nova Era, seria desmascarada por sua própria fundadora. Aos seguidores, uma escolha: doar o que haviam gasto e gerado lucros para obras de assistência a quem realmente precisasse ou reaver o dinheiro empenhado no auto-conhecimento. Foi aí que minha amiga me alertou: "Você vai criar uma massa de angustiados, que se sentirão ludibriados e arrasados de depressão".
Eu tinha uma intenção esclarecedora, queria abrir as mentes dos iludidos, mas, realmente, compra ilusão quem dela sente necessidade. Quem sou eu para edificar meu império da espiritualidade geradora de lucro material sobre os anseios alheios?
Eu até que estava empolgada. Não gosto de práticas religiosas em geral, tenho profunda aversão a algumas em particular, mas ADORO vestimentas, sininhos, o dourado, o branco, o vermelho, amarelo e verde que adornam altares das mais variadas seitas. Aqueles monges budistas tibetanos e aqueles mantos laranja ou púrpura, as batinas brancas com dourado dos padres católicos, o clegyrman dos pastores mais antigos, sempre de negro, os ternos escuros dos rabinos, solenes nas leituras de torah, a elegância das vestes dos muçulmanos, os turbantes dos hindus (e dos arábicos também), os lenços com bordados em vermelho ou preto dos árabes, a infinidade de fitas, contas, miçangas, o branco dos rituais afro-brasileiros, o colorido das cerimônias religiosas, tudo me empolga. O que me desanima imediatamente é porque não sou uma pessoa de fé. Não é falta de respeito, é falta de credo mesmo. Não consigo acreditar no poder das feiticeiras celtas, da força dos elementos naturais conjurados contra um coitado qualquer que desagradou um xamã, na ira divina queimando Sodoma e Gomorra. Não consigo. Nem quero discutir essas coisas.
Só que com quatro ou cinco exceções, todos os meus amigos são religiosos, das mais diversas correntes. A maioria é espírita mesmo, mas abre concessão de fé para astrologia, tarô, ciganismos e lendas a fins. Eles seriam os primeiros a não acreditar na seriedade de minha seita Divina Luz dos Picaretas Ltda.
Acho que minha carreira de guru acaba de ser empastelada...

21.2.05

Motorista Categoria B

A fila estava pequena no quiosque lotérico da estação do metrô da Carioca. Precisava sacar 50 reais e entrei na fila exclusiva para correntistas da Caixa Econômica. Dez minutos se passaram, o sol batendo apenas e exatamente naquele local. Como eu saíra cedo, na hora do temporal, estava toda paramentada para passear no Central Park, claro. Sapato fechado, casaco marrom (de voil, mas marrom), tudo para esquentar. A fila era à prova de distrações. A visão mais próxima era do quiosque de lingerie erótica e nem fica bem a gente fixar olhar em calcinhas com plumas escondendo fendas. Foi então que a mulher do caixa avisa ao homem que estava em minha frente que só iria atendê-lo. Eu que passasse para outra fila, na qual oito infelizes aguardavam atendimento. Falei que não passaria, mas avisaria quem viesse se postar atrás de mim. Ela disse que não iria me atender porque precisava almoçar. Um homem entrou na fila atrás de mim, avisei-o da informação da mulher. "Ué, aquela ali me disse pra vir para cá". Aquela ali acabou assumindo o posto da que ia almoçar. Bufando, atendeu a todos.

Com o espírito renovado pela boa vontade das moças do quiosque no atendimento do público, entrei no metrô para ir até uma clínica indicada pelo Detran, aonde faria meu exame de saúde, comprovando ter condições físicas, psicológicas e morais para continuar merecedora de uma carteira de habilitação, categoria B - Categoria "B", podendo dirigir veículos motorizados com menos de oito lugares, excluído o espaço para o condutor, e peso bruto total superior a 3,5 mil quilogramas!!!! Emergi na Presidente Vargas e participei da corrida para alcançar a calçada oposta ao buraco do metrô. O bom é que hoje em dia tem tanta van fazendo condução que o trânsito pára e dá tempo de galgar os canteiros e atingir o objetivo. Há muito tempo não caminhava por aquelas bandas. Continua tudo feio, calçadas maltratadas e imensas poças d' água nas pistas de automóveis. Odores fétidos misturando fritura com gasolina. Quem mandou parar de fumar e recuperar o olfato? Sofre, carioca, sofre!

Subi um edifício comercial bem sinistro - na acepção real do termo, não na da gíria atual - e cheguei à clínica indicada pelo Detran, que fica do outro lado da Avenida. A "clínica" é um conjunto de salas com dois banheiros, bebedouro e carteiras escolares no hall de espera. A modernidade está no equipamento digital de identificação. Já conhecia o equipamento. Moderníssimo, é só botar os polegares e os indicadores num visor e estamos identificados. Eu fizera o registro na sexta-feira, quando não pude ser submetida ao exame médico, pois era quase meio-dia e a clínica fecha para almoço, por determinação do Detran, informa um aviso de papel na porta. Ou eu voltava mais tarde ou voltava em outro dia. O sistema de computação também estava ruim, porque o Detran anda cheio de gente, já que esta semana é a última antes que entre em vigor a obrigatoriedade do cursinho de boas maneiras no trânsito que todos os motoristas fluminenses deverão fazer a partir de março, pagando algo em torno de R$ 50. Farei daqui a cinco anos. Afinal, paguei a renovação da carteira (R$ 70) e o exame médico (R$ 42), um dos menos detalhados pelo qual passei em 44 anos. A médica se espantou com minha pressão arterial (13X18).

- Ué, você tem esta pressão normalmente?
- Tenho.
- Mas você disse que tem pressão alta.
- Tomo remédio para mantê-la assim.

Satisfeita, ela pediu para ver minhas pernas até o joelho. Mostrei. Mandou que eu fizesse alguns movimentos da Macarena com os braços. Depois, para apertar uma espécie de medidor de força manual. E olhar numa máquina, dizendo quais letras e cores via, como reagia a um flash. Com fones de ouvido, foi comprovada a excelência de minha audição. Então, acabou. O exame foi tão rápido quanto os que o Detran fazia gratuitamente no passado.

Por que eu não acredito na validade de cursos de boas maneiras para motoristas? Porque ouvi outro dia uma historinha ilustrativa que conto aqui. Uma moradora de cidade serrana saiu afobada de casa para uma reunião no Rio. Estava tão afobada que, ao passar pelo pedágio, percebeu que estava sem bolsa. Mas conseguiu catar moedas, aqueles troquinhos que sobram de estacionamento, para pagar o pedágio e seguiu viagem. Depois da reunião, resolveria o que fazer. Foi parada numa blitz na Avenida Brasil. Ao guarda, explicou que estava sem documentos, sem nada e que, se iam levar o carro, que lhe ajudassem a pegar um táxi rapidamente. O PM quis, então, que ela telefonasse para casa e pedisse a alguém que descesse até a blitz e trouxesse "o da cerveja". Ela se recusou, repetindo que estava atrasada.

- Mas a senhora não tem nada mesmo? A gente não quer rebocar seu carro, argumentou o guarda.
- Não, olha aqui. Tenho umas moedas de troco do pedágio, não dá nem três reais.

O guarda deu um suspiro profundo: "Ah, tá. Me dá isso aí mesmo", disse, liberando sua passagem.

Será que o curso de direção defensiva e noções de trânsito ensinará como reagir em situações similares?

15.2.05

Caderno de pensamentos - Dicionário de mais termos novos (nem todos politicamente corretos)

Dona Maria ----------------------- Senhora (pronuncia-se Seinhooora) Maria
Seu José -------------------------- Senhor (pronuncia-se quase como "señor', em espanhol) José
Parentes --------------------------- Familiares
Favela ------------------------------ Comunidade
Fazer ginástica ----------------- Malhar
Analista --------------------------- Terapeuta
Nutricionista --------------------- Nutrólogo
Sincretismo religioso --------------------- Holístico
Crente ------------------------------ Evangélico
Pobre ------------------------------- Carente
Curso Profissionalizante ------------ Capacitação
Dar emprego --------------------- Gerar emprego
Entidades da Sociedade Civil --------------- ONGs
Pular carnaval ------------------ Desfilar (em bloco ou em escola de samba)
Playboy ------------------ Mauricinho
Pivete --------------------- Menino de Rua
Menor -------------------- Criança ou adolescente
Oxigenar cabelo --------- Fazer mechas ----------------- fazer Luzes /Balaiage
Alergista ----------------- Imunologista
Alergia -------------------- Doença auto-imune
Tamanquinhos --------- Sandálias
Chinelos ------------------ Sandálias
Collant --------------------- Body
Mal vestido ------------------- Estiloso
Chilique --------------------- piti
Acetona ------------------ Removedor de esmalte
Oxigenada ------------ Loura
Na moda -------------- fashion
Liquidação ----------- Sale
Espírita -------------------- Kardecista ---------------- Espiritualista
Macumbeiro ------------- Espiritualista
Papel Yes --------------- Lenço descartável
Maconheiro ------------- Usuário de drogas leves
Cheirador ---------------- Usuário de drogas pesadas
Comerciante ----------- Empresário
Foca ---------------------- Estagiário
Laboratório -------------- Oficina ---------- Vivência
Educação Moral e Cívica --------------- Noções de Cidadania
Passeata ---------------- Caminhada
Mangue ------------------ Manguezal
Velho --------------------- Idoso
Velhice ------------------ Terceira Idade
Gagá --------------------- Senil ----------------- sofre de Mal de Alzheimer
Gordo -------------------- Obeso (este não melhorou em nada)
Magrinha --------------- Sarada
Fortão ------------------- Sarado
Bicicleta ---------------- Bike
Lutador ----------------- Pitboy
Loja de animais ---------- Petshop
Decorador ----------------- Arquiteto de interiores
Sem graça ------------- Minimalista
Pirralho levado ---------- Hiperativo
Pirralho metido a gente ----------- Pré-adolescente
Mocinha ------------------ Adolescente
Rapazinho --------------- Adolescente
Adolescente --------------- Aborrecente
Aqueles dias --------------- TPM
Incomodada ---------------- de Chico (infame) -------- menstruada
Fumante ---------------------- tabagista

14.2.05

Feliz ano novo

Seu Jorge, meu mestre de obras, me telefonou na véspera para avisar que não retoma a obra, parada há três semanas, antes do fim do mês. "Não esqueci da senhora, não, mas surgiram urgências", informa, em um dos prédios onde ele comanda sua turma de pedreiros, eletricistas, bombeiros hidráulicos, homens que não podem faltar na vida de qualquer ser urbano. Fechar a cratera de uma infiltração já sanada de meu banheiro para o corredor do apartamento fica para depois. Pendurei um tapete peruano sobre a cova e procuro não respirar fundo próximo à caverna oculta.

Seu Luís, o pintor-encanador-pedreiro e vigia noturno de um edifício no Catete, faz-tudo da administradora do apartamento de cima, encarregado de pintar o teto de meu vestíbulo danificado pela infiltração que começou na cozinha do vizinho, também telefonou na noite de Quarta-Feira de Cinzas. Queria começar a obra no dia seguinte, mas Vanúzia, minha empregada, estava de folga e não havia quem o recebesse em casa. A obra vem sendo adiada - por ele ou por mim - há uns quatro meses. Ora eu tenho festa de criança, aniversário, Natal, férias, períodos que não combinam com raspagem de teto e pintura, ora é ele que não pode executar os reparos. Mais uma vez, o serviço é adiado.

Vanúzia chega atrasada, contando que ao voltar para casa, na véspera do Carnaval, parou em uma birosca e foi assaltada. Detalha o assalto, a arma na cabeça do dono da birosca, uma criança que dormia na cadeira, esperando o pai, a bolsinha de moedas que os ladrões levaram. Mora em Santa Isabel, arrabalde de São Gonçalo, segundo ela, uma roça, com pouca luz e muito matagal. O marido não quer sair de lá, diz que assalto tem em todo canto. Vanúzia está traumatizada e nada tenho a dizer para consolá-la.

Voltei a meu ritmo de sono sincopado, acordando a cada duas horas, esperando o toque o despertador. Tocou primeiro o relógio de Hugo, animadíssimo, entra em meu quarto para avisar que vai tomar banho. Júlia está sonada, mas, antes de meu despertador, o apito do guarda de trânsito soa, implacável às 6h15m. Não existe trânsito neste horário, cadê a lei do silêncio? Olha que eu moro de fundos, num apartamento da década de 40, com isolamento acústico melhor que em estúdio de som. Mas o apito do guarda municipal atravessa qualquer barreira. Jogo as cobertas para o lado. Neste verão maluco, dormi de edredom quase todas as noites e estou com a garganta doendo, do ventinho que entrou à noite pela janela. O ano começou!

13.2.05

Do Coleguinhas, Uni-vos

A observação abaixo, sen-sa-cio-nal, como diz o autor dela, bem cadenciado, é do Ivson. Eu não sei fazer link, por isso vai na íntegra. É a cara do Rio.

Não dá pra entender
Quando os turistas são assaltados no Rio, os jornais fazem um escândalo, dizendo que isso vai prejudicar a imagem da cidade - e do país - no exterior. Mas quando uma personalidade internacional - como a Miss Universo, Jenniffer Hawkins, mas não só ela - prestigia a ex-Cidade Maravilhosa, participando ativamente de sua vida social, é sacaneada como "arroz de festa".
postado por Ivson às 10:57 - Direto no post

12.2.05

Terra de Ninguém

Cada vez mais me falta a virtude da paciência. Mas não sem alguma razão. Há dias li uma crônica do Zuenir na qual ele falava sobre a total falta de respeito que assola as salas de projeção cariocas. É a mais pura verdade. Basta entrar num cinema de shopping para passar pela provação de aturar uma platéia barulhenta e, mais que isso, inconveniente.
Na verdade, o fenômeno se repete continuamente nas salas do Rio Sul. No Botafogo Shopping, embora haja programação preferencial pelo filme-pipoca, as platéias são mais comedidas. Falo do Rio Sul e de suas péssimas saletas porque caio sempre na esparrela de fazer compras diversas e aproveitar para pegar um cineminha. Eu trabalhei na Torre, então era comum sair do trabalho e dar uma passada num cinema em dia de semana. Mas está ficando muito difícil enfrentar a horda de futuros pitboys e marias tatame que se agrupam naquelas salas.
Tive a infeliz idéia de ir assistir “Em Busca da Terra do Nunca” lá. Filme bonito, tocante, porém arrastado, lindas interpretações, Julie Christie soberba, muitos casais, alguns pais com filhos crescidinhos, mocinhas – e balzacas, pós balzacas, o mulherio todo, enfim - suspirando por Johnny Depp, tudo correndo relativamente bem. Uma horda adolescente entrou, celulares em punho, fazendo algazarra discreta que, no decorrer da sessão, tornou-se bastante audível e irritante. Mais de uma hora de projeção passada, eu não agüentei e fiz um “psiu” bem audível. Eu estava numa das últimas fileiras, os bufões quase na tela, saindo e entrando sem parar. Próximos deles, muita gente também incomodada, que só se animou a pedir silêncio depois que eu fiz por onde. Eles se aquietaram um pouco, depois voltaram, mas o filme pegou ritmo e som que abafava o dos pivetões, que, a aquela altura, conversavam animadamente, alguns de costas para a tela, formando uma rodinha.
O artigo do Zuenir falava sobre a grosseria de quem conversa no celular e se porta no cinema como se estivesse em casa. Mais absurdo que este comportamento de absoluto menosprezo por quem estiver ao redor é o de quem não se insurge contra isso, intimidado pela falta de educação de pirralhos. Nesse cinema, o grupo barulhento não tinha mais que 14 anos. Em duas ocasiões, no mesmo Rio Sul, mandei outro tagarelas se calarem. E eles ficaram quietinhos, pois, quando algum tentou falar mais grosso, muita gente, então, mandou-os parar. O que me chocou desta vez foi a passividade dos adultos. Os barulhentos não queriam apenas fazer bagunça. Era mais que isso. Eles estavam à vontade, sem dar a mínima para o resto do público.
Temo que boa parte da sociedade esteja se tornando conivente com a falta de respeito, de modos, de tudo. Semana passada, no mesmo Rio Sul, fui assistir “Closer”, e vi os seguranças do shopping obrigando um grupo de jovens mulatos e negros se levantarem das mesinhas de um quiosque. Se fossem branquinhos, como os barulhentos do cinema, nada ocorreria.
Qual é a solução? Ir aos cinemas de rua e torcer para que outros pais e mães queiram ter o trabalho de educar os filhos, ensinando um preceito básico para os seres humanos de bem: que a liberdade de cada um acaba quando começa a do vizinho. E que o Capitão Gancho, com seus piratas e o crocodilo, persigam impiedosamente quem não souber aprender a crescer.

8.2.05

Caderno de Pensamentos - Vidas além morte

Júlia me informa que acredita em reencarnação.
- Quer saber por quê?
- Quero.
- Porque, pensa bem, se a gente morre e não há mais nada, deve ser muito chato.
Hugo decide intervir.
- Júlia, se você reencarnar não terá qualquer lembrança desta vida.
- Como é que você sabe?
- Dizem isso.
- Quem dizem?
- Quem acredita em reencarnação.
- E você acredita neles.
- Não, eu não morri, como é que vou acreditar nisso?
- Ah, eu quero acreditar em reencarnação. É melhor - conclui Júlia, taxativa.
Concordo com ela silenciosamente. Espero que ela tenha fé e não viva a angústia de sua mãe, ex-católica, talvez agnóstica, mezzo-materialista.

Révéillon

Uma pequena aranha, nem de um centímetro, se aproxima de mim. Vem do teto, pendurada num fio de teia. O que faz aqui embaixo? No mínimo checa quem é a maluca que, com uma vassoura mortífera, andou tirando do teto todas as suas companheiras no digno ofício de papar mosquinhas. Toco em uma de suas perninhas para ver se está viva. Está, foge para cima. Deve haver um botão de elevador na barriga dela, que acaba mudando de posto de caça. Fica em cima de minha cabeça. Dificilmente encontrará alimento por aqui.

Na praia, Júlia e Hugo pegaram uns bichos que não sei classificar. Moluscos, claro, dentro de conchinhas achatadas. Botamos dentro de um frasco de bebida isotônica (nossa, pareço até texto de matéria do Jornal Nacional. Era Gatorade mesmo) e eu pude, pela primeira vez em 44 anos, observar as antenas (?) deles, que usam para reconhecer o terreno fora da concha. As antenas se abrem e se fecham. Não são compactas, têm cavidades que se juntam formando um belo desenho.

Para quem passou boa parte de sua vida profissional trabalhando domingos e feriados, ser igual aos seres humanos normais tem um sabor especial. Estar de folga por cinco dias, mesmo sem viajar, me torna uma observadora da natureza, enquanto as crianças brincam. Fazemos tatuagens com henna nos tornozelos, tererês no cabelo. Para que tudo tenha um cheiro de férias, não leio jornal, só vejo bobagens na TV e planejo, sem muita convicção, ir ao cinema. Estar distante das notícias é meu feriado. Sempre detestei o calor do verão, mas estar na praia me revigora. O sol libera minha endorfina e me sinto plena olhando o mar, sentindo a brisa na beirinha.

Sábado, em vez de correr atrás de bloco, como era minha intenção, comandei uma boa faxina. Meu tetos pareciam da casa da Família Adams de tanta teia de aranha. Elas, geralmente, se salvam das vassouradas. Tenho até um certo cuidado em alertá-las, pois considero-as aliadas, já que me livram de alguns insetos. Há duas lagartixas que se esgueiram pelas paredes. Às vezes, as gatas conseguem abocanhar um rabo ou patinha de alguma coitada. Depois da faina de limpeza, tento ignorar a areia que, por mais que a gente lave o pé, sempre fica no assoalho. Dorminhocar após o almoço também é fundamental.

Eu poderia ter adiado a faxina para outra época e aproveitado melhor o sábado chuvoso. Aquela faxina, além de necessária, era um ritual de fim-de-ano dentro de meu processo de descoberta de um simples fato, que agora posso compartilhar com os outros brasileiros: o ano sempre começa numa quinta-feira. Engata só na segunda-feira, mas vai começando, devagarinho, com um sabor de despedida de festa, na quinta-feira.

3.2.05

Troco carnavalesco

Meu irmão Eduardo Graça fez um comentário tão delicioso sobre este broguinho, que eu preciso replicar. Quem gosta de um olhar brasileiro sobre a vida na capital do mundo deve entrar no blog do Eduardo, que atualmente vive no Brooklyn, a vários graus abaixo de zero.
Edu conta as coisas do mundo de lá com um sorrisinho no canto da boca, mostrando o que vê através daqueles olhos de corça aparentemente sérios e frágeis, camuflados sob a lente dos oclinhos. É muito bom e bem mais sério do que meus exercícios para soltar a voz pelas telas. Vão lá. O endereço é
www.edudobrooklyn.blogspot.com.

E como estamos às vésperas do Tríduo Momesco, decidi trocar de lay out. Vamos ficar mais alegrinhos. Este template é muito aristocrático para o momento...

2.2.05

Adulto

Em que momento a gente envelhece? Ou melhor, em que momento a gente constata que amadureceu, que virou adulto?
Quando criança, eu achava que era no instante em que se começava a usar as expressões “Eu era criança”, “Eu era moça”. Nunca usei a segunda. Até porque hoje em dia a gente entra na categoria “garota” e permanece nela até os 40 anos. Já li uma autoclassificação de “menina” por mulheres de 35 anos.
Depois, achei que era quando surgem os cabelos brancos, algo que dá um ar respeitável aos homens e de desleixo às mulheres. Mas não, tem muita gente que pinta cabelo desde a adolescência.
Provavelmente, um dos indicadores de envelhecimento mais preciso é o desinteresse absoluto por novas tendências musicais. De repente, a gente percebe que os últimos discos, digo, CDs comprados são: trilhas sonoras de filmes, o do B.B.King com Eric Clapton, os antigos do Caetano, do Gil e do Chico, que são baratinhos nas Lojas Americanas e... pior que tudo, “Mis Boleros Favoritos”, de Luiz Miguel! Poucos confessam, mas há quem admita que existe lugar para o Luiz Miguel cantando bolero velho em sua discoteca...
Os livros? Os livros continuam sendo comprados às carradas, os discos de música clássica também. Mas é duro quando a musiquinha mais modernosa a tocar em seu lar é do Skank – e não é aquela do “Cosmotron”, é a do Unplugged da MTV!
Uma vez eu li uma entrevista do Marcello Mastroianni na qual ele definia a velhice como “quando sua filha pega seu cotovelo para ajudá-lo a atravessar a rua”. Talvez o “amadurecimento” ou a “adulthood” seja o período marcado pelo início das reprimendas dos filhos adolescentes quando você dança no show do Skank. É uma fase que vai durar a vida toda até que chegue a hora de eles pegarem seu cotovelo para atravessar a rua.