28.7.06

No Valor, hoje

Entrevista do embaixador Marcos de Azambuja, um otimista observador do Brasil.

O Brasil não conhece o Brasil



Valor: Quais são as diferenças de percepção do Brasil?

Carol Carquejeiro/Valor Marcos de Azambuja, que foi embaixador na França e na Argentina: "Existe uma expectativa de prazer quando se fala em Brasil, percebe-se imediatamente a exuberância, na natureza, vitalidade, energia"

Marcos de Azambuja: Nosso primeiro registro, a carta de Pero Vaz de Caminha, é um primoroso trabalho de um repórter estrangeiro. Durante 200 anos, o país não teve capacidade para se perceber. Vinham pintores, cientistas, que apenas retratavam a natureza brasileira e consideravam o homem um mero acessório. A marchinha de Lamartine Babo, "Quem Foi que Inventou o Brasil?" nos convida a uma reflexão sobre este país que se definiu pelo que os demais falam de nós. Depois de algum tempo, passou a ser a invenção de quem está aqui dentro.

Valor: Como o Brasil é visto pelos estrangeiros?

Azambuja: O estrangeiro sorri quando se menciona o Brasil, existe uma expectativa de prazer quando se fala em Brasil. O que eles percebem, imediatamente, é a exuberância, seja na natureza, na vitalidade, na energia em estado puro que o povo demonstra pela cordialidade, na afetividade que domina a racionalidade. Tem ainda a musicalidade brasileira, o fato de as pessoas se exprimirem melhor cantando do que falando, de que se canta em qualquer reunião.

Valor: E os pontos negativos?

Azambuja: Os pontos negativos seriam a insensibilidade social, o hábito de viver com uma certa dose de periculosidade, sem ligar muito para a saúde, e a desordem intelectual.

Valor: Como o Brasil se percebe?

Azambuja: O Brasil é excessivamente severo consigo mesmo. É um país que toma como base de comparação econômica, cultural e social não os seus pares, mas as nações de Primeiro Mundo. A exigência é muito alta e a capacidade de autoflagelação maior ainda. O único resultado aceitável no futebol é o sucesso. O torcedor brasileiro é implacável. Da mesma forma, condena com veemência a corrupção e se atemoriza. O brasileiro é um detrator público de seu próprio país.

Valor: Os estrangeiros que vivem no Brasil também são críticos?

Azambuja: Nem tanto. A opção por ser brasileiro foi tão absoluta que os imigrantes abandonaram suas tradições. Nos EUA existem ítalo-americanos; na Argentina, anglo-argentinos. No Brasil, é diferente. Quem emigra, geralmente, deixa sua terra pressionado pela pobreza, pelo terror, pela intolerância, vai se recriar em outro lugar. Mas aqui o estrangeiro não conheceu uma resistência que o obrigasse a se identificar com seus compatriotas. Não havia necessidade de reter sua identidade nacional.

Valor: Os imigrantes adaptaram suas culturas ao Brasil?

Azambuja: O Brasil é fruto do sincretismo, que levou a esta composição social diversificada, à miscigenação. A feijoada é o Brasil, com sua mistura, que, no fim, tem um bom resultado. Por isso o Brasil é o mais interessante laboratório de convívio do mundo, com tantas diversidades étnicas e culturais. Se o Brasil não for possível, o mundo é impossível. O mundo futuro terá a nossa cara, a globalização está levando a um abrasileiramento do mundo.

(Olga Mello, para o Valor, do Rio)

No Valor, hoje também!


Entrevista com o escritor Ricardo Piglia, mais conhecido aqui pelo "Plata Quemada", mas que tem uma forma peculiar e deliciosa de escrever.

Um falso mentiroso


A sinergia entre autobiografia, ensaio e história pode ser um caminho para a literatura contemporânea, acredita o escritor Ricardo Piglia, um dos mais aclamados ensaístas e romancistas da atualidade. "Não é o único, mas é o caminho que mais me interessa", disse ao Valor esse argentino de 61 anos que consegue trazer a ficção para dentro dos estudos literários, os quais, por vezes, pontua com intervenções de seu alter ego Emilio Renzi, personagem presente em diversas de suas obras. A combinação de fatos reais com ficção está dando certo: rendeu-lhe o Prêmio Planeta, em 1997, por "Dinheiro Queimado" (Companhia das Letras), em que conta um assalto a banco em 1965 e o cerco da polícia aos ladrões. No mês que vem, Piglia estará na Feira Literária de Paraty (Flip), onde vai falar sobre o quanto a literatura reflete a vida de quem a ela se dedica - seja como escritor ou leitor. Tese que ele já apresentou em livros, como a coletânea de ensaios "Formas Breves", lançada em 2004 pela mesma Companhia das Letras.

Cleo Velleda/Folha Imagem Em seus livros, Ricardo Piglia ultrapassa o limite dos gêneros, trazendo traços de ficção até para seus elogiados ensaios

No epílogo de "Formas Breves", Piglia afirmava que a crítica é a forma moderna da autobiografia. "A pessoa escreve sua vida quando crê escrever sobre suas leituras. Não é o inverso do 'Quixote'? O crítico é aquele que encontra sua vida no interior dos textos que lê", dizia no livro. No ensaio "O Último Leitor", a ser lançado em breve no Brasil, a vida e a leitura voltam a ser abordadas, sob novo ângulo.

"Busquei reconstruir a figura do leitor em situações distintas e em diferentes épocas. Segui os passos de Franz Kafka, de Che Guevara, de Jorge Luis Borges, e também os rastros de figuras imaginárias e muito intensas no papel de leitores, como Molly Bloom, de James Joyce; Phillip Marlowe, de Raymond Chandler; ou Anna Karenina, de Tolstoi. É um livro que escrevi ao longo de muitos anos, uma jornada pessoal pelas recordações e pelos sinais de minha própria experiência de leitor", diz Piglia, que atualmente trabalha no romance "Blanco Nocturno", uma história de amor passada na época da guerra das Malvinas, que tem um Emilio Renzi de 35 anos como protagonista.

"Hoje em dia, ele está com cerca de 60 anos. Para mim, Renzi é uma voz particular, um modo de ver a realidade. Renzi tem uma visão irônica sobre o mundo e sobre ele próprio. Sempre me divirto com suas aparições", esclarece Piglia.

Em "Blanco Nocturno" (o título remete à utilização de lentes especiais pelos soldados ingleses para enxergarem alvos durante a noite), Emilio Renzi se muda para uma casa de subúrbio, emprestada por um amigo que saiu em viagem, nos primeiros tempos da guerra que, por um breve momento, levantou o brio de um povo que sofria com a repressão violentíssima durante a ditadura militar que matou milhares de pessoas.

"Ele se isola, sente-se como um Robinson Crusoe, registrando os fatos em seus diários, vivendo escondido como se fosse um desertor. Na realidade, a novela acontece durante a guerra das Malvinas, mas a guerra não é o tema. Meu interesse foi trabalhar sobre o efeito dos fatos, mais do que sobre os fatos em si próprios. Trata-se de uma história de amor em tempos de guerra, algo que Hemingway mostrou em 'Adeus às Armas'. Além desse tema em comum, tem a noção de 'paz em separado', que é a chave em Hemingway e que surge como obsessão em Renzi, que se distancia da euforia generalizada que a guerra provocou na Argentina nas primeiras semanas e se mantém à parte."

"Blanco Nocturno" deverá estar terminado no próximo ano. A primeira versão já foi concluída, mas Ricardo Piglia acredita que escrever é, essencialmente, corrigir. Entre a primeira versão de "Dinheiro Queimado" e sua publicação passaram-se quase 30 anos. Durante esse intervalo, o escritor lançou outros livros, muitos entrelaçando o mundo real com a criação literária, algo que faz desde a década de 50, quando iniciou um diário que considera a história de sua relação com a linguagem. Nos cadernos, inventou uma vida diferente, o que teria tornado o diário uma espécie de romance, pois os acontecimentos descritos haviam ocorrido de outra forma. A superposição de realidade e ficção está presente em "Dinheiro Queimado": "Quase tudo ali foi inventado. Apenas as características dos personagens e a trama eram reais. Em 'A Invasão' há uma história, 'Mata Hari 55', que também foi trabalhada com a técnica de não-ficção".

Para Ricardo Piglia, é o cinema, hoje, na Argentina, que está mais ligado à realidade imediata do que a literatura: "Ao menos isso acontece com uma série de jovens cineastas que trabalham muito perto do documentário, dentro da perspectiva do neo-realismo italiano. Claro que também há outros cineastas argentinos maravilhosos, mais próximos de uma tradição literária, como é o caso de Lucrecia Martel ou de Martin Rejman".

Na literatura atual de seu país ele destaca Alan Pauls (autor de "Wasabi", lançado pela Iluminuras): "um excelente escritor das novas gerações, que é bem conhecido no Brasil, com diversas traduções. Pauls está dentro da melhor tradição da literatura argentina, embora tenhamos outros autores muito bons". Sobreviver de literatura na Argentina contemporânea sem fazer grandes concessões ao mercado, no entanto, é difícil, afirma Piglia, que também é professor de literatura da Universidade de Princeton, nos Estados Unidos.

"Em meu caso, sempre ganhei a vida lendo e ensinando modos de ler", diz. E ressalva que não tem um método especial para escrever: "Sempre trabalho de manhã. Meu único segredo consiste em levantar cedo e deixar o telefone desligado até o meio-dia". Para sua formação como leitor e escritor, ele aponta as influências de Borges e Ernest Hemingway: "Dois grandes artífices da forma breve, grandes mestres da alusão e da prosa precisa". Acha difícil destacar "uns poucos nomes dentro da riqueza da literatura atual", mas revela sua admiração pelos americanos Don DeLillo ("Cosmópolis") e Phillip Roth ("O Complexo de Portnoy"), pelo mexicano José Emilio Pacheco ("Alta Traicion"), o espanhol Enrique Vila-Matas ("O Mal de Montano") e a conterrânea Sylvia Molloy ("Em Breve Cárcere"). Dos brasileiros, conta que se sente muito próximo da obra de Silviano Santiago ("Pátria Estranha") . "E também, como não poderia deixar de ser, admiro e releio continuamente Guimarães Rosa e Clarice Lispector." Reler, aliás, é um de seus hábitos. "Basicamente estou sempre relendo. Nos últimos dias, voltei-me para 'Moby Dick', de Herman Melville, um romance que li muitas vezes sempre com o mesmo assombro e a sensação de que estou lendo pela primeira vez."

27.7.06

Curtas

  • Matéria no Globo de ontem anunciava a nova peça estrelada por Vera Fisher. E logo na abertura, já tascava a respeito do autor: "Comediante francês que não ficou tão famoso quanto seu colega Molière, Georges Feydeau..." Well, everyone knows que sou bardólatra e que adoro teatro burlesco, mas a comparação é igual a botar no mesmo nível algo como Jovem Guarda e Cartola. Ou, para ficar nos dramaturgos, Eugene O'Neill e Neil Simon (a propósito, adoro Neil Simon, tá?)
  • Em uma semana, o teatro nacional perdeu duas figuras respeitáveis - Gianfrancesco Guanieri e Raul Cortez. Um seria o oposto do outro fisicamente, mas ambos foram importantíssimos na luta pela democracia e pela exposição livre de idéias. Talvez uma das últimas entrevistas de Guarnieri foi o depoimento sobre Edu Lobo, no documentário de Regina Zappa e Beatriz Tillman. Aparece Guarnieri encantado com seu parceiro em Arena Canta Zumbi. Uma cena tocante. Minha lembrança mais antiga de Cortez fora da televisão foi como protagonista de "Rasga Coração". Depois ficou aquele ator charmosíssimo, elegantérrimo e que, pouco antes de morrer, fez uma declaração desastrada sobre o fechamento da Daslu, quando disse que gostava de ir lá torrar dinheiro. Creditemos isso à quimioterapia. E vamos ficar com aquela imagem elegante que jogava o charme abaixo na hora de encarnar homens duros, irascíveis e em busca de justiça.
  • Depois de um mês vendo aqueles moços ricos batendo uma bolinha na Alemanha, é muito bom ser bi-campeão!!!! Mas, ai, que saudade daquele visual do time italiano ...

Sua glória é lutar


Os primeiros carros passam buzinando, um deles tocando a bela marcha de Lamartine Babo. Poucos fogos ecoaram pela noite de Botafogo. Os torcedores chegam do Maracanã, dirigindo-se, provavelmente, para a Gávea ( e pro Clipper, para tirar o sossego de Maria Célia...)
Joguinho ruinzinho, emboladinho, mas, enfim... é meu maior prazer vê-lo brilhar seja na terra, seja no mar. Bi-campeão!!!

24.7.06

Fim de ciclo


Faxina de inverno: cato bonecos de pelúcia que enfeitam o quarto de minha filha. Vão todos para a máquina de lavar. Quando criança, minha mãe enchia a banheira com minhas bonecas a cada seis meses. Lavava todas e as pendurava no varal de roupas. Depois de secas, passavam por manicure e maquiagem, tendo unhas e lábios pintados com esmalte vermelho.
Pego também todos os livros infantis. Alguns são doados para outras crianças. A maioria, no entanto, vai ocupar agora o maleiro no alto do armário. Só serão folheados novamente e lidos daqui a uns 12 anos, quando novos bebês surgirem na família. Antes de serem guardados, os livros passam por seus antigos leitores. Recordamos histórias simples, como a venezuelana "A Cama de Mamãe", "Se as coisas fossem mães", de Sylvia Orthof, diversos de Ana Maria Machado, "Cabelinhos em Lugares Engraçados", de Babette Cole, "A Bruxa Salomé" (que tanto pavor causava em Oto), "O Rei Bigodeira" e "Os Meus Porquinhos", de Audrey Wood, a coleção da Bruxa Onilda, entre outros tantos. Fechamos aqueles volumes com lindas estampas. As estantes agora ostentarão livros que ostentarão uma solitária estampa na capa.
Há dois anos, lamentei a última vez em que fomos a uma peça de teatro infantil. Foi tão aborrecido para as crianças que compreendi que não voltaríamos a um "teatrinho". Agora, a faxina encerrou definitivamente a infância de minhas crianças.

22.7.06

Intervalo

Minha hora, o momento em que o mundo é meu, é quando a casa dorme, seja ainda escuro ou com a claridade invadindo quartos, rompendo os janelões. É meu recreio, um tempinho, um refresco, aquele mergulho no mar que não pode nem quer ser compartilhado com ninguém.
Depois, a gente sai da água e se reencontra com os outros. Se não fosse assim, qual graça teria o este tempo tão fugaz, tão furtado das obrigações que compõem a vida, esses minutos que pertencem só a mim?
Nada se compara a saber que driblei a rotina para tornar o cotidiano suportável, apenas por preparar um chá no meio tarde, vasculhar em uma livraria, assistir a um filme durante o dia na televisão, entrar num cinema nas sessões coalhadas de aposentados. A sensação de estar sozinho, mas que a solidão não existe. Ela espreita, porém sei que consegui impedir que ela se instale.

20.7.06

Programa de macho


Meus primos - pai e filho adolescente - saíram de Brasília na noite de terça-feira, em ônibus fretado, com mais uns 40 flamenguistas, rumo ao Rio de Janeiro. Dezoito horas depois, chegaram ao Rio, passaram o dia na Praia de Copacabana, foram para o Maracanã, viram o jogo e, no exato momento em que escrevo este post, devem estar entrando de volta no busum rumo ao Planalto Central.
A excursão fornecia sanduíches, refrigerantes e cerveja. Para felicidade geral dos moços, o mais querido não desapontou. É meia-noite e buzinas soam, fazendo contraponto aos urros apaixonados dos motoristas que, certamente, vão todos para o Clipper, no Leblon, bar que fica embaixo do edifício onde mora minha amiga Maria Célia, que já torce pela derrota do Flamengo e esqueceu até sua simpatia juvenil por Zico e Cia.
Por alguns dias, terei aquele sorriso de superioridade nos lábios, darei risadinhas mofando dos que torcem por outros times. Mas nada há de superar o programa de índio, digo, de macho que meus primos fizeram. Prova de resistência será o retorno, com todos suados, extenuados, provavelmente sem banho tomado e um único banheiro para tantos viajantes. Valei-nos São Judas Tadeu!

18.7.06

Sexo e a cidade

Ser humano destituído de bom senso, não vejo telenovelas por absoluta falta de paciência. Não é que eu seja uma intelectual de raiz, nem que despreze todos os sitcoms abobadinhos ou séries estrangeiras que já se chamaram enlatados. Já me dispus a acompanhar novela e posso citar até algumas delas, embora ache tudo tão parecido que não troco por um bom seriado pipocão, se estiver vendo TV.
Já levei espinafração de manicure em salão que comentava o que acontecera com um determinado moço que eu não conhecia. Ao descobrir minha ignorância após dizer que era da novela X e me ouvir murmurar constrangida "eu não vejo novela", a manicure me perguntou em alto e bom som: "Em que planeta você vive?". Encabulada, deixei de fazer unhas em salão.
Então, sem ver novela, perco as importantes polêmicas que elas trazem e que fazem subir o Ibope. Depois de botar atores pelados em horário nobre em poses amorosas, leio que uma mulher de 68 anos deu depoimento sobre orgasmo e indignou os espectadores.
Ora, não tem o menor charme uma senhora falar em masturbação e orgasmo, como se fosse uma daquelas elegantes doidivanas do "Sex and the city". Até porque aquelas moças eram brancas, altas e estavam representando. Nem sei se esses depoimentos são reais ou se contratam atores daqueles que aparecem em anúncio de sabão em pó (são ótimos! são bons mesmo!) dando testemunho sobre a brancura de suas roupas depois do uso de um alvejante que não descolore nem vestido de noiva. O Multishow tem um programa de entrevistas sobre sexualidade de homens e mulheres bastante interessante em que até se procura mesclar população mestiça, de faixas etárias diferentes e de diversas categorias sociais entre os entrevistados.
Quando é que a televisão brasileira vai descobrir que este país é mestiço, pobre e que o Leblon do Manoel Carlos é muito, mas muito falso mesmo? Os poucos afortunados que têm TV a cabo podem botar a TV no canal 6, da TV Comunitária e descobrir este país estranho em que vivemos. Há sempre programas espíritas ou sobre esperanto. E um show musical de péssima qualidade, não pelos artistas desconhecidos que lá se apresentam, mas pelo som abafado, pela imagem difusa, pelos enquadramentos que se deslocam em panorâmicas desnecessárias, tudo combinando com quatro ou cinco meninas que dançam horríveis coreografias desencontradas. Quem caminhar pelo Saara vai encontrar esse Brasil que teimamos em não enxergar, igual aos meninos que estão nos sinais, nas praças, nas ruas.
Nosso mundo não é tão limpinho quanto o de "Crash", não.

14.7.06

No Valor, hoje


"Ninguém quer ser bandido"



Valor: A ausência de política de geração de renda é responsável pelo crescimento da violência?

Nelson Perez/Valor Paulo Lins: "Na favela, são os filhos dos que não conseguiram entrar no mercado de trabalho que vão para o crime"

Paulo Lins: Ninguém quer ser bandido. É um processo lento e doloroso que começa muito cedo, aos 10, 12 anos. Quem passou dos 15 anos sem se envolver com o crime não será bandido. Só entra na criminalidade quem está abaixo da linha da miséria. Na favela há diversos classes de moradores: funcionários públicos e militares de baixas patentes, serventes, empregadas domésticas, operários, mão-de-obra não-especializada. São os filhos dos que não conseguiram entrar no mercado de trabalho que vão para o crime. Sem estrutura familiar, esse menino fica mau, vai assaltar, vai matar, vai torturar.

Valor: Como fazer a inclusão sócio-econômica dos negros e dos pobres?

Lins: Pela educação. Antes mesmo que o governo instituísse as cotas nas faculdades públicas, elas já existiam nos cursos de ciências humanas e no magistério. Isso porque o magistério ficou desvalorizado e, com a deterioração do ensino, isso virou carreira para os pobres. A elite continua majoritária nos cursos tecnológicos, na medicina, na engenharia, na informática. Pelas cotas, a universidade assume sua responsabilidade de reparar o ensino deficitário.

Valor: Críticos do sistema de cotas dizem que esses alunos são discriminados pelo mercado de trabalho.

Lins: De alguma forma a vida sempre melhora para quem consegue entrar para a universidade. Só pude estudar porque minhas irmãs mais velhas trabalharam para que eu fosse ao colégio. Os projetos sociais, com pouquíssimas exceções, querem ensinar profissões às crianças, não que elas façam carreira universitária. Isso só desestimula o aprendizado. É verdade o que disse o jogador francês [Thierry Henry]. Quem da seleção brasileira teve estudo? Por que a classe média não entra na seleção? Porque a classe média estuda, vai para a universidade. Os talentosos brasileiros que ganham fortunas na Europa somam apenas algumas dezenas de jogadores.

Valor: "Cidade de Deus" contava o surgimento de uma comunidade e o aumento da violência. Seu novo livro vai se concentrar em algum grupo de moradores?

Lins: São duas narrativas, uma na primeira pessoa, transcorrendo no momento atual; a outra na terceira, contando o que ocorre no início do século XX. Também vai haver uma história anterior, com contos sobre a escravidão, em cima dos relatos dos personagens. O fio condutor é uma pesquisa de mestrado de uma moça, que faz um estudo de literatura dos sambas da década de 20 e os do bloco Cacique de Ramos da atualidade.


13.7.06

Da Continente Multicultural


Link indireto: Na home page da edição de julho, é preciso entrar em Literatura e chegar à matéria "A Atualidade de Shakespeare".
O site só traz um trecho, que segue abaixo. O resto, nas bancas especializadas.

Edição Nº67- Julho de 2006

LITERATURA
A atualidade de Shakespeare
Por que o gênio inglês continua intrigando, inspirando e gerando bons lucros para quem o vende?
Por Olga de Mello

Em 2002, a escritora britânica, J.K. Rowling, criadora da saga infanto-juvenil Harry Potter, tornou-se a pessoa que recebeu a maior quantidade de dinheiro em direitos autorais no mundo – algo em torno de U$ 300 milhões, não apenas por seus livros, mas pelo lançamento do primeiro filme baseado nas aventuras do bruxinho. É de outra inglesa, a falecida Dame Agatha Christie, “mãe” de detetives de raciocínio agudo como Hercule Poirot e Miss Marple, o título de escritor de ficção que mais vendeu no planeta. Suas 78 novelas policiais tiveram 2 bilhões de exemplares publicados em 44 idiomas, o que garante a seus herdeiros quase U$ 4 milhões anuais apenas em royalties. Somas de encher os olhos dos leitores de best sellers, mas que não impressionam os admiradores do autor indiscutivelmente mais celebrado no mundo. Um levantamento da Revista Forbes, em 2004, estimou que herdeiros de William Shakespeare, caso existissem, teriam direito a uma renda anual mínima de U$ 15 milhões em royalties, calculando-se apenas um dólar por exemplar vendido e sem computar a quantidade adquirida por bibliotecas e escolas. Afinal, somente em território americano, naquele ano, haviam sido vendidos 657 mil títulos de Shakespeare. Um sucesso póstumo que dificilmente os crimes “cometidos” por Dame Agatha ou o universo mágico concebido por Rowling merecerão. Traduzido em 119 línguas, incluindo a linguagem de sinais e em Klingon – o idioma de alienígenas da série de televisão Jornada nas Estrelas –, o inglês William Shakespeare é o dramaturgo com o maior número de peças levadas para o cinema – mais de 350 versões fiéis ou baseadas em suas criações. Segundo o crítico Harold Bloom, Hamlet é a figura mais citada no Ocidente, superado apenas por Jesus Cristo. Bloom declara abertamente sua admiração pelo poeta que, além de criar palavras novas e expressões na língua inglesa, modificou a estrutura da dramaturgia ocidental e, de acordo com o crítico, inventou o que hoje consideramos a personalidade humana, dando relevância ao monólogo interior dos personagens, às reflexões e às emoções. Mesmo quem não compartilha da mesma devoção que Bloom devota a Shakespeare não pode negar sua popularidade. São incontáveis as montagens amadoras e profissionais de suas peças, em adaptações modernizadas ou tentando manter fidelidade à estrutura elizabetana. Por que um poeta morto há exatos 390 anos, que deixou uma obra de 154 sonetos e 37 peças teatrais completas, continua interessando a leitores de um século que mal têm tempo para assistir a encenações de seus dramas? “Shakespeare entusiasma porque fala de amor, de ódio, de paixões, de inveja, ciúme, do medo, da morte, do eterno, de tudo, enfim, que compõe o imaginário humano”, acredita Adriana Falcão, que acaba de escrever uma novela recriando a comédia Sonhos de uma Noite de Verão, que integra a coleção Devorando Shakespeare, da Editora Objetiva. O primeiro volume, já lançado, é Trabalhos de Amor Perdidos, recontado em prosa pelo cineasta Jorge Furtado, um apaixonado por Shakespeare, que transpôs para a Nova York de hoje as aventuras de quatro homens que, no original, decidem isolar-se do mundo para dedicar-se aos estudos durante três anos, mas têm os planos frustrados ao conhecerem e se apaixonarem por quatro jovens. Adriana levou a ação de Sonhos de uma Noite de Verão para o carnaval de Salvador. No terceiro volume da série, que deve ser lançado no segundo semestre deste ano, Luís Fernando Veríssimo situará a trama de Noite de Reis em um salão de cabeleireiro em Paris, usando um papagaio como narrador, revela a gerente editorial da Objetiva, Isa Pessoa, idealizadora da coleção. A única exigência aos escritores foi que trabalhassem em cima de comédias, com algum “desrespeito criativo”, o que seria impossível se as recriações se calcassem em dramas, acha Isa. “A comédia permite a brincadeira sem ofender os puristas”, diz Isa Pessoa. Apesar da proposta de total liberdade para desrespeitar criativamente a obra do inglês, o convite deixou Adriana Falcão ressabiada. Seu conhecimento de Shakespeare era o de quem já havia assistido a algumas peças, lido alguns poemas, mas não tinha a menor pretensão de se apresentar como uma especialista na criação literária do Bardo. Animou-se com a idéia de juntar deuses gregos e orixás do candomblé em dúvida quanto à existência de vida terrena, brincando com elementos como o tempo, a sorte, as coincidências e o destino. “Sonho é uma peça alegre, que fala de amor, traição, ciúme, farsa, fantasia. As trocas de casais enamorados se encaixam perfeitamente nos relacionamentos fugazes estabelecidos no carnaval. Os amores de carnaval, são atualmente uma constante entre jovens que ‘ficam’, que namoram apenas durante uma festa, duram pouco e não deixam marcas profundas nos amantes. Parece muito com os feitiços que são lançados sobre os personagens do Sonho de uma Noite de Verão” , diz Adriana. “Shakespeare tinha a capacidade de divertir, compondo comédias com diálogos ferinos que são verdadeiros duelos verbais, enquanto busca a reflexão quanto a sentimentos humanos que nos angustiam. Se alguém quer falar em ambição, lembra-se de MacBeth, se pensar na ausência da figura paterna, recorda-se de Hamlet. Ciúme e inveja estão em Otelo. E nas comédias ele mostrava toda a sua irreverência, criando trocadilhos maliciosos, brincando com amigos e inimigos, citando-os em situações corriqueiras. Hoje, tudo que ele escreveu parece ser encarado – e encenado – como se fosse um texto sagrado, o que tira um pouco da espontaneidade das situações”, acredita Jorge Furtado. (Leia mais na edição nº 67 da Revista Continente Multicultural. Já nas bancas)

11.7.06

Divina



Tenho plena certeza de que Sophia Loren foi esculpida por Deus para provar que existe a beleza eterna aliada ao talento de interpretação. Deixo claro isso aqui pois quando mencionei que ela posaria para o Calendário Pirelli não quis dizer que a condenava, ao contrário. Acho difícil que uma pessoa tão cuidadosa com sua própria exposição vá se deixar fotografar em poses mais reveladoras do que o bom gosto permita.
A exuberância de Sophia sempre foi profissional. Sua vida pessoal transcorreu com muita discrição, seu único amor badalado foi pelo marido e pelos filhos. O charme não a impediu de dar sorrisos abertos, daqueles que salientam as ruguinhas. Fora uns ajustes básicos, pois a natureza precisa se manifestar um pouquinho, é uma mulher belíssima, com tudo o que a idade acrescentou.
Ou seja, Sophia é a perfeita diva italiana, que deve ser celebrada com tanto entusiasmo pelo país que festeja hoje a Copa!

9.7.06

Então, tá!

Sophia Loren vai posar pro calendário Pirelli, morreu Dante de Oliveira, Portugal não ganhou da Alemanha, o ano recomeça amanhã, a campanha eleitoral vem aí, e quem sabe o Brasil não confunda futebol com patriotismo a partir desta copa.

6.7.06

1 a 0


Pensei que o jogo de Portugal e França fosse dar aquele gostinho de gols no finzinho da partida. Não deu. Mas o resultado foi o constante de toda a Copa: 1 a 0.
Que ainda ouvi, à noite, na deliciosa interpretação de Marcelo Fagerlande e Mario Séve, no show "Bach e Pixinguinha", em que eles mostram dois mestres da música, jogando o um sax sincopado no barroco e um cravo magnificamente temperado no choro.
Em tempo, "1 a 0", que Pixinguinha e Benedito Lacerda lançaram em 1919, é considerada a mais antiga menção ao futebol na MPB.
Les bleus ou Azurra?
Não gosto de azul.

5.7.06

Não deu, gajos! Mas foi bonita a festa, pá!

4.7.06

Efeito Shakespearee

Descobri que Vinícius causa Efeito Shakespeare em mim. EfeitoShakespeare é o que uma bardólatra média como eu sente sempre que lê um Shakespeare. Repentinamente, o Bardo invade o mundo. Em todo cinema passa filme sobre peças dele, um soneto surge em meio a uma carta de amigo, alguém fala que há mais coisas entre o céu e a terra do que pode explicar nossa vã filosofia. Vai por aí.
Bem Vinícius também provoca o mesmo efeito. Já ouvi discos do Toquinho, Elis Regina e do próprio Vininha. Decidi arrumar meus empoeirados LPs. Hugo reclama que o toca discos está guardado e promete arrumar um lugar de honra para ouvir um disco do Baden que não temos em CD. "Para uma menina, com uma flor" acaba de descer das estantes. E, fuçando na Internet, encontrei um fotolog que mostra uma prateleira com livros de Vinícius.
Eu adoro olhar estantes. Em qualquer lugar que entro, as estantes são o móvel que mais me atraem a atenção, pois ali está o caráter, o temperamento, o jeito daquela gente. Nem todos são maníacos obsessivos como eu, que arrumam livros por ordem alfabética, de acordo com o país de origem ou por assunto, o dificulta minha tarefa de decifrar a personalidade de seus proprietários. Se guardassem os livros pelo meu sistema, que é muito simples, já ajudaria um bocado para os visitantes entenderem as bibliotecas alheias. Quando encontro um Manoel Bandeira ou um Vinícius nas prateleiras, então, já sei. A casa é de gente com calor e doçura no coração.

Três em um

Júlia assistindo a "Vinícius". Surge Gil, fazendo uma daquelas bombásticas declarações que só ele sobre o poeta. E Júlia imediatamente cantarola "Marmelada de goiaba, goiabada de marmelo". Vinícius, Gil, Lobato, todos letrando as cabeças brasileiras.

Insondáveis mistérios da existência

Por que sempre que estou trabalhando em casa os inquilinos do apartamento de cima se mudam e o propriétário decide fazer reforma no imóvel?
Quando trabalho fora isso NUNCA acontece!

Poeta, meu poeta camarada



É melhor ser alegre que ser triste
Alegria é a melhor coisa que existe
É assim como a luz no coração

Com indesculpável atraso, assisti a "Vinícius" ontem. E não comungo com o encantamento que a maioria da crítica - e do público - sentiu. Nada do que acontece na tela era novidade para mim. Os depoimentos são doces e alegres, mas o Vinícius que assoma é uma imagem patética de alguém alcoolizado, falando bobagens com os filhos, em ambientes melancólicos. Faltou, ainda, o lado do Vinicius que tanto trabalhou, com versos e letras, pela lírica brasileira. Aquela declamação de Camila Morgado e Ricardo Blat é muito chata. Melhor seria se resgatassem os poemas ditos pelo próprio Vinícius.
Talvez ainda o filme tenha me incomodado por me levar a concluir que a MPB, a partir da década de 80, tornou-se globalizada e pasteurizada, sem diferenciar-se do pop medíocre que se faz mundo afora. Mas o filme tem uma qualidade indiscutível, que é a de apresentar às gerações mais jovens, um homem que marcou o país por seu trabalho e por sua vida libertária. Um homem que se casava na praia, seguindo rituais africanos, provocando a ira de seus contemporâneos. Que falava palavrões com mais naturalidade que os apresentadores da MTV atualmente.
"Meu" Vinícius eu "conheci" em 1970, 71, quando foi lançada "A Tonga da Mironga do Kabuletê", música alucinada, com Monsueto vocalizando algo incompreensível e um corinho animado e risonho. Surpreendi-me que a voz mais jovial fosse a de um velhinho gorducho, de parcos cabelos sobre os ombros. Aprendi, com meus pais, então, que Vinícius era um poeta respeitável, que perdera o emprego de diplomata por comportamento boêmio, incompatível com uma das profissões mais maçantes que a humanidade criou. E o associei à "Garota de Ipanema", cuja lenda conhecia bem (assim como a canção, claro). Era ele o poeta que fazia galanteios às moças que seguiam para a praia, no bar da Montenegro que já adotara o nome da música.
Logo depois da "Tonga", veio "Tarde em Itapoan", um sucesso, uma delícia de canção. E fui pinçando o Vinícius em outras músicas, que minha mãe cantava, como "Se todos fossem iguais a você". Algum tempo depois, eu já era viciada em Vinícius, comprei uma antologia poética e decorei alguns sonetos.
O Vinícius mulherengo, do show no Canecão, do disco que gravei e ouvi até a exaustão, do "Samba da Bênção", dos sonetos apaixonantes, da "Carta ao Tom", do "Samba de Orly", o parceiro do Chico, do erudito Edu, do maestro Tom, todos se fundiram na mesma imagem - a de minha infância e adolescência, num Rio que era tão pequeno, onde personagens e seus admiradores se viam e se respeitavam. Vinícius continuou embalando uma geração após a minha, com as cantigas da "Arca de Noé". Uma geração que hoje batiza seus filhos com o nome do poeta.

3.7.06

Vida brasileira




Um aperto no peito que faz a gente pensar se não valeria a pena ir ao médico, um nó na garganta, olhos úmidos.
Dormir um pouco, suspirar um bocadinho.
Recomeçar.
E não tem nada a ver com Copa do Mundo, não.

Negócio de bola

Esta é a décima-segunda Copa da minha vida. Das duas primeiras não me recordo. Em 1966, eu tinha cinco anos, mas acho que o inconsciente coletivo dos brasileiros furiosos levou-me a apagar a memória do desclassificação na Inglaterra.
1970 foi, naturalmente, a primeira Copa do Mundo a significar algo para mim. No primeiro jogo, Brasil e Tchecoslováquia, fiquei em casa, de castigo, estudando matemática, enquanto minha família assistia à partida na casa da vizinha, num tempo em que crianças eram castigadas (!) em dia de jogo (!!). Felizmente, a pena foi comutada e pude ver o resto do campeonato, mesmo sem dar o menor crédito ao Brasil. Torci pela Inglaterra (os Beatles haviam me transformado em anglófila). Lembranças da época: ir para a praia comemorar as vitórias, testemunhar o momento da dessacralização do palavrão (jovens em cima de carros cantavam a plenos pulmões "Araruta, araruta, adversário filho da puta", usando a melodia de uma musiquinha de sucesso na época, "Na na na hey hey kiss him goodbye"), a tela de televisão coberta pelo letreiro "Brasil Campeon de Futbol del Mundo", a bola que não foi devolvida pelo público na final contra a Itália, a invasão do campo assim que o juiz apitou, a festa que os mexicanos fizeram para os brasileiros, Pelé nos ombros dos mexicanos, Carlos Alberto com a taça Jules Rimet nas mãos.
No reveillon de 71, andava com meus pais por Copacabana, à noite, indo para a casa de amigos, e me lembro nitidamente de um alegre bêbado nos saudando. Depois de desejar feliz ano novo, ele falou "e que o Brasil ganhe a Copa de 74!". 1974 chegou e foi um vexame, visto em TV colorida. 1978 foi ruim também, com o Peru entregando um jogo compradinho, compradinho pela ditadura argentina. 1982, eu com 21 anos, consolei-me com a eliminação perante Paolo Rossi porque um campeonato poderia ser utilizado politicamente para a manipulação das massas. Ainda estava na faculdade, namorava comunista, essas coisas. Em 1986, a Copa significava trabalho e plantão. No dia em que o Brasil foi eliminado, decidi me casar, mas sem qualquer sentimento de compensação.
Não tenho qualquer lembrança da Copa de 90. Tinha dois filhos pequeninos, meu pai acabava de ter o câncer de pulmão diagnosticado. Em 1994, na vitória por pênaltis, eu vivia em Rio das Ostras, fazia um frio terrível, mas saímos à noite para abrir o quiosque e encher a cara de Kaiser Bock. Artur e Oto eram pequenos, adoraram a farra. No dia seguinte, todos posaram para fotos com camisas do Brasil, menos Júlia, que usou um vestidinho amarelo, sentadinha no carrinho de bebê.
1998 foi a última Copa de Mamãe. Assistimos a derrocada do Brasil juntas, intrigadas pela situação de Ronaldinho. No trabalho, o chefe esbravejava, xingando a então mulher do jogador, que estaria de caso com um jornalista. "E a gente tem culpa de ele ser corno? Então o Brasil paga porque ele é corno?". Em 2002, eu não vi jogo algum. Era tudo de madrugada, eu dormia mesmo.
Este narigão de cera é só para falar que com tantos anos de Copa não consegui me entusiasmar por aquele grupo de miliardários batendo uma bolinha nos campos da Europa. Este país não tem fortunas para pagar aos jogadores. Então, continuaremos um celeiro de craques, exportando talentos que aumentam seus cacifes, ganhando fortunas em contratos publicitários. Este é o negócio deles. Defender as cores do país? Isso é tão ridículo quanto imaginar que aqueles outdoors ambulantes da Fórmula Um nos representem, ou que Giselle Bünchen tenha o título informal de embaixadora do Brasil. Entrar num campeonato com aquele jeito blasé, sem sequer ter a gentileza de saudar a torcida... Jogar pessimamente, não vibrar nem com os gols - ou seriam "os gois", na linguagem de Cafu -, vencer partidas de maneira medíocre, sempre com um ar de superioridade, como se, magnanimamente oferecessem alguma alegria ao seu povo, isso não é defender cor de país algum. Esses moços vivem fora do Brasil há tempos. Trabalham muito bem. E só.

2.7.06


Um dos poucos não-apáticos do time. Dizem que foi o único a chorar. Robinho é tão gracinha, a carinha da Dayanne dos Santos... Veloz, animado. Realmente, não combinava com o time do Epitáfio. Aliás, esta música zen é a cara do Parreira, né?

Nem que seja por marketing, há quem chore na derrota.

A capa do caderno de Esportes do Globo ficou lindinha.
Agora, convenhamos: o que pensar de um time que se inspira com a música "Epitáfio", dos Titãs?
É verdade que Roberto Carlos acreditou que o acaso fosse protegê-lo, enquanto ele estava distraído e o Henry marcou o gol.
É verdade que todos deveriam ter "complicado menos".
No resto, seguiram bem o que a música aconselha: trabalharam menos, não se preocuparam com problemas pequenos, como correr atrás de uma bola e marcar gols.
Acaso não protege ninguém. Competência e determinação, sim.
E lógico que não dá para evitar o trocadilho ruim: no dia em que o futebol combate o racismo, faltou raça à Seleção.

1.7.06

O sonho volta para casa


Os jogadores ficam na Europa mesmo. E a gente torce por Portugal. Enquanto der.