29.7.05

Da calçada





Sair de casa, olhar para o lado e me deparar com o morro do Corcovado, mesmo encoberto por nuvens num dia de sol é o melhor de viver em Botafogo!
De toda a obra do Paul Auster, o que mais me encanta são dois filmes que foram roteirizadospor ele, que deu uma força na direção de Wayne Wang - "Cortina de Fumaça" e "Sem Fôlego". Ambos têm narrativa naturalista e agradável sobre as figuras que habitam o Brooklyn. O protagonista, Auggie, vivido pelo Harvey Keitel, gerencia uma tabacaria e diariamente vai à calçada em frente, sempre no mesmo horário, para fotografar a loja, rua, carros e passantes. Chovendo, nevando ou fazendo sol, ele se posta no mesmo ponto e fotografa a rua, arquivando tudo num álbum. Aparentemente, as fotos são iguais, mas é numa delas que o personagem de William Hurt, um escritor viúvo, percebe sua mulher.
Nesses tempos de registros instantâneos, em que a memória visual parece mais importante do que vivenciar um instante, eu gosto de, todos os dias, ao sair de casa, fotografar mentalmente o Corcovado, aquele morro coberto de vegetação que a gente consegue divisar entre prédios feios.
O morro permanece igual, mas a cada dia traz sensações diferentes e sua beleza injeta o ânimo necessário ao meu dia. Se estivessem fixados em fotos, as impressões poderiam me mostrar aspectos invisíveis à velocidade do tempo. O perigo estaria em deixar de viver para observar a vida da calçada.

27.7.05

Depoente

E se meu nome fosse Marizilda Stephanie e eu fosse parar na CPI?
Vestiria meu surradíssimo blazer de crepe preto,
camiseta preta, calça preta, scarpin pretos.
E assim, fantasiada de urubu, com poucas bijouterias, porque sou classe média mesmo e as jóias já foram torradas, pregadas ou roubadas,
estaria lá sentada, sem advogado, imaginando como pagaria a segunda parcela da passagem aérea comprada no cartão de crédito - ou a CPI providencia a passagem pros depoentes?
Falaria de minha vida pregressa e do meu pequeno progresso profissional e patrimonial.
Falaria que tenho quatro filhos, mas só vivo com dois.
Os maiores, ingratos, quiseram ter aquela "presença masculina" tão necessária para a formação do caráter do menino.
Os menores podem querer à vontade, que daqui do meu lado não saem não!
Pensaria que aproveitaria a estada em Brasília para ver meus filhotes, tão lindos, tão saudosos, tão grandes, tão amorosos com a mãe com quem falam quase diariamente, mas que encontram apenas a cada três meses.
E viria a carga:
"A senhora conseguiu seu emprego por indicação política ou profissional? Ou foi uma indicação pessoal? Foi seu ex-marido? Foi seu ex-namorado? Qual é seu relacionamento com seu ex-marido? E com a mulher de seu ex-marido? Em que posição a senhora se coloca nos relacionamentos afetivos? Como a senhora adqüiriu seu carro? Quantos automóveis a senhora teve? Por que a senhora não optou pelo ofício de dona-de-casa? Por que a senhora vive na Zona Sul do Rio? A senhora tem empregada doméstica? Quer dizer que a senhora emprega uma mulher para cuidar de sua casa, de seus filhos, enquanto a senhora vai trabalhar? A senhora tem um tio que morou em Brasília em 1960? A senhora tem família em Brasília? Sua mãe trabalhava na Caixa Econômica Federal? Seu pai era jornalista? Sua tia é aposentada do Ministério da Fazenda? Seu avô era pedreiro? Ele foi fundador do PT? Havendo morrido antes da fundação do PT, seu avô não instruiu sua avó, em Santa Catarina, para participar da fundação do PT? Seus avós sabiam do esquema do mensalão?"
E aí eu veria que minha história, como a história de toda a humanidade, está entrelaçada a ponto de qualquer pergunta feita pelo novo tribunal do Santo Ofício parecer incriminatória.
Mas juro que não ia chorar.
Minhas lágrimas eu quero guardar para emoções mais sinceras.

Hai-ai-ai-kai na rede

De que vive
quem vive
o dia inteiro na Web?

22.7.05

Uma quinta-feira qualquer

Jamais acreditei em mau olhado, trabalho ou encosto. As pimenteiras que comprei secaram todas, mas não sei cuidar de algumas plantas. Nunca, nunca mesm, achei que inferno astral acontecesse, embora observasse que eletrodomésticos sempre quebram em seqüência, o que deve ser diretamente ligado à falta de cuidados com eles. Quando ferro de passar roupa pifa, é certo que o liqüidificador vai quebrar, que a máquina de lavar não centrifugará uma só peça ou que o fogão perderá os comandos automáticos.
Além dessas epidemias de panes mecânicas, nunca sofri uma série de revezes seguidos. Isso até duas semanas atrás. É verdade que o início dos azares começou por minha culpa, minha máxima culpa: devido à total falta de raciocínio lógico e conhecimento aritmético, tive um cheque devolvido, pois não sei calcular CPMFs e cobranças de taxas bancárias a cada segundo que se utiliza uma conta bancária. Dancei, paguei o cheque e ... o cheque foi PERDIDO pelo Pão de Açúcar/Casas Sendas. Então, eles entregam um papelzinho de recibo, atestando que a gente deveu, sim, mas já pagou e nada mais deve ao estabelecimento. Os bancos, geralmente, aceitam o papel. Não o Banco Real, que exige, além do documento, uma certidão negativa de um cartório e a microfilmagem do cheque desaparecido. Enquanto isso, o nome do ex-inadimplente continua sujo no Banco Central.
Este era o primeiro dissabor. Aí, meu computador pifou. Esperei que outras máquinas da casa se manifestassem, mas foi a única. Combinei de levá-lo ao conserto quando saísse para trabalhar, mas aí tive a notícia, já aguardada, do falecimento de meu padrinho - isso, sim, uma tristeza imensa, uma perda terrível, uma lacuna que a vida vai demorar a completar.
Em vez de ir ao trabalho, rumo para o velório de meu padrinho, que seria cremado no dia seguinte. Permaneço com minha madrinha até o fim do velório, acompanhamos o corpo até o refrigerador do crematório e volto para o carro, fervente a esta altura (cheguei de manhã, saí às 3 e tanto da tarde), numa quinta-feira quentíssima do inverno carioca. Há algum tempo, a porta do carona de minha brava Relíquia (14 anos mês que vem, mais velho que alguns de meus filhos) estava emperrada. E, logicamente, um outro veículo, uma Blazer imensa, havia estacionado grudadinha na minha porta. Consegui abrir uma das portas traseiras, passar por cima do computador, mas não deu para sentar no banco do motorista porque estava tão quente que não havia como eu entrar direto sem queimar as duas mãos. Então, soltei o freio de mão e, auxiliada por Maria, minha babá, que me criou e que hoje já tem 60 anos, empurramos o carro até que eu conseguisse abrir a porta dianteira, pegar uma flanela e manusear o guidom. Tudo bem dificultado por meu porte curvilíneo e paquidérmico, claro.
Saímos dali e pegamos um baita engarrafamento na Avenida Brasil. Seguíamos em velocidade baixíssima quando fui abalroada por um imenso caminhão Scania, dirigido por um mineiro distraído e cego. Por sorte, ele pegou meu lado e não aonde Maria estava sentada. O engarrafamento fora causado por uma blitz, onde parei e fiz um escândalo, gritando para os guardas que parassem "aquele palhaço cretino" que estourara o lado de meu carro. Pararam. O motorista, que responde pelo nome Sérvulo, informou que pusera a seta para avisar que ia entrar.
- Sim, mas você estava atrás de mim. Como eu ia imaginar que você jogaria o caminhão em cima de um canteiro e passaria por cima de mim. Só com o retrovisor?
Papo vai, papo vem, ele me passou o número dos telefones, os guardas querendo bater no cara, param minha madrinha, as filhas, os genros, todos os que estavam no velório. Um show! Eu, que tremia sem parar, tive que me acalmar e tranqüilizar meus defensores antes que avançassem no seu Sérvulo.
Enquanto refletia o quanto ando enrolada na vida, percebo que o Cabo Alexandre se aproxima sorridente com minha carteira na mão:
- Eu sei o que a senhora é!
- Sabe? (ai, ele descobriu que minha lanterna traseira queimou e vai cassar minha carteira por negligência!)
- Sei sim. A senhora é professora!
Dei uma gargalhada e disse que era jornalista, embora, num passado muito distante, tivesse cursado o Normal.
- Então é isso. Uma vez professora, sempre professora. Logo vi que a senhora devia ser assim. Este jeito de falar, esta finura toda...

Só as conclusões do Cabo Alexandre para eu refletir que, definitivamente, não existe inferno astral. Existe é falta de organização pessoal, o que acaba levando ao acúmulo de problemas como as duas vidraças que precisam ser trocadas, a palhinha da cadeira de balanço que furou, a infiltração do corredor, que finalmente acabou e chegou o momento de tapar o buraco e pintar a parede, trocar o papel do quarto da Júlia que está rasgado...
Tudo porque, na verdade, me dei dias para esquecer as obrigações e jogar os pés pro ar!



Quando eu me sinto um pouco desesperada ...

toco isto aqui e me vêm frouxos de riso!

21.7.05

Julho, depois da chuva




Basta um solzinho, um céu clarinho sem muitas nuvens para os rapazes alegremente tirarem a camiseta a caminho do trabalho, aquele batalhão de contínuos que inundam a Cidade, de tênis, às vezes mochilas, quase sempre camisetas verde-musgo ou mostarda.
E as moças já voltam a se equilibrar sobre sandálias com plataformas tão altas que não recordo como eu conseguia caminhar calçando aquilo.
Os velhinhos tomam de assalto o calçadão de Copacabana, as peruas saradonas caminham pela orla com calças de moleton, puxando cachorrinhos brancos que tentam enroscar as alças das coleiras nas bicicletas que driblam os invasores da ciclovia.
Mães e criancinhas em férias atravessam tímidas as areias ainda geladas pela chuva da noite anterior.
Dos morros desce gente de pernas fortes, esguias e luzentes, da cor dos olhos que desafiam o jeito reprovador dos habitantes do asfalto, que se alarmam com as roupas tão justas, tão berrantes, tão exuberante daquele povo de pele brilhante.
Homens engravatados reclamam dos ternos azuis marinhos e se escondem sob óculos escuros. Exércitos de mulheres com paletós bege, negros, rosados e verde marcham com pés imprensados em bicos finíssimos.
Camelôs apregoam ofertas de inutilidades essenciais à vida urbana. Malabaristas se amontoam nos sinais de trânsito, disputando a área com vendedores de lenços de papel e balas. Guardas apitam, sem a menor convicção, indicando aos motoristas que avancem quando o sinal fica verde.
Debaixo das cobertas, os vendedores de mate pensam se vale a pena arriscar uma ida à praia, num dia de semana tão chocho.

20.7.05

Enquanto isso, no Brasil

Desde o início da crise do PT - ou melhor, desde a descoberta dos podres do PT - não me sinto tão inspirada pela vida. Imaginava que não ligasse mais para política, para políticos ou idéias, que só quisesse boas administrações, novas formas de conduzir o País, uma guinada que minorasse a miséria e desse ao pobre coitado alguma chance de sobrevivência, sem aquele palavrório demagógico que utilizam como adjetivos os substantivos abstratos de dignidade e cidadania.
O mar de lama instaurado decepcionou até quem nunca votou no PT. Não ouço ninguém dizer "Bem que eu avisei, é tudo farinha do mesmo saco". Vejo o mesmo olhar de desalento acompanhando as conversas. Talvez os direitistas festivos estejam celebrando a queda dos ídolos, porém tenho sentido mais pesar de todas as facções do que regozijo pelo "vocês se deram mal".
Enquanto isso, o País parou politica e administrativamente. De resto, a Rocinha vive em guerra, houve um tiroteio de quadrilhas em Senador Camará, policiais foram presos acusados de vender munição para traficantes, outro PM foi preso por suspeita de assalto, soldados do Exército vasculharam uma favela em Realengo para apreender armas de uso exclusivo das Forças Armadas, traficantes foram presos após troca de tiros em Santa Cruz, o diretor de uma cooperativa de vans foi assassinado, dois chernes de 200 quilos cada um foram pescados nas águas de Cabo Frio. Chove intensamente em São Sebastião, cidade que precisava de mais carinho, assim como todo o povo desanimado com esta vida brasileira.

19.7.05





Já pensou? Você decide comprar a trilogia do Star Wars pro seu filhote pela Amazon e o moço das entregas é o ... Han Solo?
A Amazon comemora seus 10 anos com entregadores mais que especiais: Harrison Ford, Jeff Bridges, Joan Cusack, o autor das "Desventuras em Série".
Imagino que se eu encomendasse alguma coisa, como um disco de samba, por exemplo,a celebridade local que faria minha entrega seria um cantor de pagode, claro!
(Estou azedíssima, com dor de estômago por falta de paciência com tantos PTescândalos)

12.7.05

Qual é minha visão de mundo?

Quem diria, eu, romântica! Adorei!!!!





You scored as Romanticist. Romanticism encourages society to look backwards to find our solutions. Your rationale is that things were much better a few hundred years ago so we should thus look back to those times and replace them in our modern society. You believe in a simple life and that the complexities of the modern world have turned it upside down.

Romanticist

94%

Cultural Creative

75%

Materialist

75%

Modernist

56%

Existentialist

50%

Idealist

38%

Postmodernist

19%

Fundamentalist

13%

What is Your World View? (updated)
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Embarcadas

Tenho uma amiga encalhada.
O encalhe é real e literal.
Minha amiga não consegue voltar pro Rio de Janeiro, porque o barco da Marinha em que navegava por um rio do Pará abalroou três pequenas embarcações. Até fazer perícia, vir polícia, registrar na delegacia - ou seria no distrito da Polícia Fluvial? - ficou todo mundo preso.
Espero que minha amiga tenha bastante gente para conversar enquanto espera o desfecho do caso, num recanto bem escondido da Floresta Amazônica, um daqueles lugares a que nos referimos como "o Brasil que poucos conhecem".
Tenho outra amiga embolada de paixão.
Uma paixão, como tantas outras, beirando o irreal.
Minha amiga não consegue voltar para a rotina habitual, porque embarcou no turbilhão do romance, daqueles romances que viram tudo de cabeça pra baixo, que exigem o rompimento de compromissos assumidos previamente e a perda do convívio diário com filhos. Até fazer a situação atual ser compreendida, registrar esse amor na sociedade, fica todo mundo preso na mesma teia sufocante. Espero que minha amiga ganhe bastante carinho enquanto espera o desfecho do caso, na sala de espera da alma, um recanto que todos os que já se apaixonaram conhecem muito bem.

8.7.05

A culpa é do tricolor




Se alguém teve culpa na minha conversão a rubro-negra foi o tricolor do meu pai, que me arrastou para uma final de Campeonato Carioca, na década de 60, em que o Fluminense só precisava aparecer em campo para ser campeão. Foi exatamente isso que o time fez. Tomou uma surra do Botafogo (3X1) e saí aos prantos do Maracanã, aos 8 anos, em 22 de junho de 1969.
Eu estava empolgadíssima, a Yoná Magalhães, na época uma das mais populares “mocinhas” das novelas, entregaria a Taça aos jogadores. Não vi nem a Taça, nem Yoná, nem o Fluminense receber a faixa de campeão. Soou o apito marcando fim de jogo e deixei o estádio com lágrimas turvando meus olhos, enquanto eu tropeçava por uma rampa imensa, revoltada. Minha mãe ficou consternada com meu desespero e espantadíssima, quando, dias depois, informei oficialmente à família que abandonava a torcida do Fluminense pela do Flamengo.
Não fui a única defecção numa família tricolor que nunca gostou de futebol. Papai gostava, mas os irmãos de minha mãe só se diziam tricolores porque moravam em Laranjeiras. Bairrismo puro. Minha avó também bandeou-se para o Flamengo pouco depois de mim, quando Tim, que era meio aparentado nosso, virou técnico do time da Gávea. Vovó passou a acompanhar os jogos pelo rádio, assim como Mamãe, que vibrava a cada gol do Fluminense, num Fla-Flu, sucedidos por um “Coitado do Tim!”. E como uma vez Flamengo, Flamengo até morrer, Vovó continuou rubro-negra depois que Tim deixou a Gávea.
Quando meus meninos nasceram, democraticamente, dei-lhes a opção: poderiam ser Flamengo, a imensa maioria dos torcedores do mundo, Fluminense ou América. Botafogo, o time do pai deles, eu detestava desde criança, pois tinha uma colega chata e rica, daquelas que nunca me emprestava um de seus maravilhosos 1.253 lápis Caran D’Ache guardados em um estojo imenso, com uma montanha na tampa metálica. Esta menina fazia piano como eu, mas éramos rivais. Fomos obrigadas a nos sentar juntas e não tínhamos a menor afinidade. Ela era uma tremenda CDF, mas eu era melhor em Português, História, Geografia e Inglês. E no piano também. Sem esforço, só porque eram disciplinas fáceis. Naquela época, a menina não havia adquirido a sabedoria dos bons alunos e sentia-se ameaçada por alguém que era apenas um pouquinho melhor que ela em poucas disciplinas.
Bom, a garota vivia dizendo que era botafoguense porque, quando bebê, a primeira palavra que aprendera a falar fora “fogo”; mais que depressa, o pai a ensinou a dizer “Bota!”. Duvido desta história até hoje, mas a garota se tornou uma mulher muito legal depois que cresceu. E eu também deveria ser bem chata em criança.
Por causa dela, tomei implicância violenta contra o Botafogo. Meus meninos, pequeninhos, eram flamenguistas, embora minha mãe lhes fornecesse uniformes do Fluminense, que eles usavam no Carnaval. Bastou meu pai morrer para Mamãe começar a jogar pesado. Converteu meu primogênito a tricolor radical. O segundo, felizmente um menino de personalidade mais firme e do contra por natureza, seguiu minhas indicações e continuou rubro-negro. Os menores, coitadinhos, foram bombardeados por flâmulas, colchas, camisas, até quadrinho em ponto-de-cruz com o escudo do Fluminense. Ou seja, na falta de um avô formador de um tão importante item na personalidade masculina brasileira, minha mãe procedeu uma tremenda lavagem cerebral nas pobres crianças, que hoje torcem por aquele time das Laranjeiras, que já andou na segunda divisão. Nem minha filhota, que gostava tanto de minhas indicações culturais, escapou do bombardeio.
Fazer o quê? Torcer sempre pelo empate e ficar feliz quando qualquer um dos dois times ganha, enquanto consolo os que torcem pelo perdedor. É difícil ser mãe num país que idolatra o futebol.
*Para um de meus tricolores de coração, Hugo, que completa 13 anos amanhã, firme em sua resolução de torcer pelo pó-de-arroz.



7.7.05

Memória de elefante

Uma coisa os depoentes da CPI têm: uma baita memória. Se eu estivesse no lugar deles, precisaria fazer sérios exercícios mentais para me lembrar de todas as perguntas dos nobres parlamentares, embutidas em imensos discursos.No relógio, contei: depois de quatro minutos de falação, incluindo recomendações para que Fernanda Karina não mentisse, sob pena de denegrir a imagem de todas as mulheres do mundo, Heloísa Helena perguntou-lhe um monte de coisas.Se fosse eu, exigiria um taquígrafo para recordar o que a aguerrida senadora queria saber.

Shakespeare, sempre conseqüente e visionário






Now is the winter of our discontent
Made glorious summer by this sun of York,
And all the clouds that loured upon our house
In the deep bosom of the ocean buried.

Agora o inverno da nossa desesperança
foi transformado em verão glorioso por este sol de York
E todas as nuvens que pairavam sobre nossa casa
estão enterradas no fundo do mar.

(Ricardo III, Ato 1, Cena1) tradução mais que livre

OPTei

Em 1979, fui abordada por Telinha, uma colega do Diretório Acadêmico da faculdade, que colhia assinaturas necessárias para formalizar o pedido de criação do PT à Justiça Eleitoral. Não assinei. Já era simpatizante das idéias anarquistas e não acreditava que o pluripartidarismo fosse realmente vigorar num país que acenava a abertura política. Estava, felizmente, enganada.
Meu primeiro voto na vida dei para o PT. Os demais, com uma única exceção, também; o último idem, os próximos, provavelmente, seguirão os anteriores.
Em 1982, quando o Rio se dividia entre Brizola e Moreira (tinha o Miro, então chaguista, mas ele caiu logo, logo), votei no Lizâneas Maciel para governador. Ao longo dos anos, meus votos não-petistas foram para o Afonso Arinos e o Evandro Lins e Silva na Constituinte, e para o Gabeira, quando ele ia para o PV. De resto, era sempre PT, embora em 15 de novembro de 1988 eu tenha permanecido em casa, chegando da maternidade, onde acabara de parir meu primeiro rebento. Naquele ano, Bittar era candidato a prefeito do Rio e perdeu feio para Marcello Alencar.
Votei em candidatos a vereador que jamais se elegeram, rapazes do Santa Marta, indicados por minha amiga Giselle, que trabalhava na creche comunitária. Depois de algum tempo, passei a votar na dupla verde (Minc e Gabeira), garantindo os votos para a legenda, já que ambos estavam eleitos. Na verdade, eram os únicos que eu elegia. O restante, fora os dois velhinhos para a Constituinte, nunca entraram em casa legislativa ou palácio de governo, apesar de meus esforços.
Voto útil nunca dei e até anulava, com tranqüilidade, quando o candidato a cargo majoritário do PT não me convencia. Afinal, voto nulo foi uma constante em minha casa durante a ditadura. Meus pais, ex-udenistas, mas, no fundo da alma, anarquistas, se recusavam a votar enquanto não houvesse eleições diretas para presidente no Brasil. Nossas divergências políticas não chegavam à porta de casa. Enquanto a família inteira se escandalizava com minhas tendências de esquerda festiva, PT-light ipanemense, minha mãe lembrava aos tios e primos que meu avô paterno era pedreiro, como desculpa para meu encantamento com os perigosos "comunas".
Nunca precisei explicar aos amigos por que votava no PT. Um ou outro eram brizolistas, o que levava a brigas homéricas. A maioria votava mesmo no PT. Afinal, como diz meu amigo americano William Morrisey, no Brasil, as amizades não são abaladas por diferenças políticas, culturais nem religiosas. Na última eleição, confesso, estava descontente com o aburguesamento do Lula, com o José Alencar como vice, mas fui convencida pelo Eduardo Graça a, mais uma vez, votar em Lula. Votei, vacilante, esperando que aquelas alianças e o deslumbramento de marketing acabassem esmagados pela força de uma proposta digna de transformação nacioanal. Pela primeira vez, fui para as ruas com as crianças comemorar a eleição de um presidente no Brasil.
Parei de acreditar em santos quando o Betinho recebeu dinheiro de bicheiro para aplicar em tratamento contra HIV. Não há como limpar dinheiro sujo. Não imaginava que os petistas eram santos. Muitos nunca se corromperão, muitos não ficarão deslumbrados. É difícil, o poder corrompe mesmo? Talvez. Votar no PT novamente? É provável. Minha geração aprendeu política "de ouvido", numa época de eleições indiretas, de apenas dois partidos sem grande crédito. A única diferença na política era o PT. Agora, o PT é apenas mais um partido político sem propostas claras de transformação social. Mas valeu a pena ter oPTado.

4.7.05

Sem interfone

É só sair do Rio para um carioca se sentir querido, acarinhado e amado. Parece que a guerra mundo inteiro (paulistas, baianos e gaúchos, em particular) X cariocas é coisa de mídia. Para mim, ao menos, é. Estive em Brasília por três dias e adorei minha estada.
Sim, tenho motivos familiares para gostar de ficar em Brasília. Dois de meus filhos estão vivendo lá, tenho uma tia e primos amados por lá também, além de uma grande amiga. Mas é mais que isso. Apesar do clima muito seco durante o dia e de noites deliciosamente frias (não gélidas, apenas frias), o silêncio quase absoluto à noite e a cordialidade dos comerciários me encantam. Lógico que isso acontece no País inteiro. Até em São Paulo sinto as pessoas mais simpáticas do que no Rio, o que demonstra que o problema não é a vida tensa da megalópole. Os paulistanos sempre têm uma brincadeira, uma piada de carioca, mas também aproveitam para elogiar nosso tom de pele e perguntar pela praia, pela beleza da cidade, com aquela voz anasalada, que a meus ouvidos parece infantil. Já nós, cariocas, temos uma ginga malandra ao falar, um jeito agressivo, um radar para captar o perigo que nos cerca a todo o momento.
Em Brasília, com suas construções feias, árvores bonitas que crescem apesar da força do barro, ruas esquisitas, sem esquinas e sem gente caminhando, uma vida de shopping center, pode-se ir em casa para almoçar. No Rio, se a gente vai em casa almoçar, desaba de cansaço. Não dá tempo, tudo é muito distante, o trânsito é confuso. Brasília é árida, apesar da vegetação que subsiste graças à irrigação constante. Fala-se outro dialeto, veste-se outro tipo de roupa, mas as crianças brincam nas ruas até de noite. Um rapazinho pega ônibus à noite e os pais não se preocupam neuroticamente. Outro dia, conversando com colegas vinte anos mais jovens, contei que, em criança costumava passear à noite, arrastada por meus pais, pelas ruas de Ipanema e Copacabana. Todas as noites de verão, já que não tínhamos televisão e meus pais adoravam "dar uma voltinha". Eu ia, furiosa, porque preferia ficar brincando com minhas bonecas de papel. Meus jovens colegas se espantaram, pois passeio noturno não existe no Rio de Janeiro há pelo menos trinta anos. Passear mesmo, andar a pé, sem carro, sem destino, sem ir, necessariamente a algum lugar para gastar dinheiro.
Atualmente, andamos muito por aí, mas com objetivo de saúde, nunca apenas para "dar uma voltinha", como Papai falava. Sei que em Brasília há um alto consumo de drogas, violência urbana, acidentes de carro. Mas há uns bons trinta anos não ouvia alarido de crianças brincando na rua até a mãe acabar com a festa, avisando que os meninos tinham de subir para tomar banho e jantar. Isso ainda acontece no Rio. Mas só pelo interfone do apartamento para o playground.



1.7.05

Webliterata 4

Saiu um contito meu no www.gargantadaserpente.com . Chama-se US$ 20 mil e é baseado em fatos e delírios reais.
Quem quiser ver na página, tô lá, cate pelo título.
Quem quiser ver aqui, é só entrar no link Webliterata, coluna à esquerda, ok?
Tem outras webliteratices lá. Faltaram apenas os que ficaram num site português que compila micro-contos para um concurso. Eles escrevem em português castiço e eu descobri que "aceite a concurso" quer dizer "aceito no concurso".
Enquanto não sair o resultado, não posso juntá-los a outras obras que estão no Webliterata. Guardem, então, a ansiedade para conhecer minha vastíssima produção que também está em fase de webpublicação por outros sites afora!