17.6.13

Antes da passeata

Na década de 60, eu era criança e as freiras do meu colégio cancelaram um passeio à fábrica da Kibon por causa das manifestações de estudantes nas ruas do Rio. Temiam que os “estudantes” apedrejassem ônibus escolares. Na década de 70, fui severamente repreendida por meu pai ao cantar “Eu te amo, meu Brasil”, sucesso de Dom e Ravel. Não entendi bem por que isso seria compactuar com a ditadura.
Também não entendi bem uma noite em que Papai chegou lívido em casa, depois de ser parado pela polícia quando estava comprando cigarros numa padaria. Foi liberado, mesmo sem documentos, porque explicou que morava no edifício em frente, enquanto outros homens eram levados para um camburão. “O senhor tem cara de gente bem”, disse-lhe o guarda.
Na década de 80, já trabalhando como repórter, acompanhava as alegres passeatas que pediam a volta da democracia no país, cantando palavras de ordem como “Brasil, Polônia, América Central! A classe operária é internacional”, embora o último operário de minha família tivesse sido meu avô. Do comício da Candelária pelas Diretas Já, soube quando estava em férias, atravessando os Andes, por um casal de paulistas que não se conformava que a manifestação no Rio atraíra mais gente do que a de São Paulo.
Na década de 90, vesti preto, enlutada como minha cidade, quando Fernando Collor pediu aos brasileiros que o apoiassem trajando verde e amarelo. Morava em frente à clínica onde fora internada a mãe Collor. O quarteirão foi isolado e tive que dar uma volta imensa para correr para um hospital pediátrico com meu filho de três meses, gravemente doente. Cinco dias depois, voltamos para casa, felizes não só pela recuperação do bebê, mas porque o PT passara para o segundo turno das eleições da Prefeitura carioca.
Em 2002, depois de anos votando em Lula, vi meu voto eleger um presidente da República. Fui para o Lamas e a Cinelândia com os meninos para comemorar. Chegando à década de 2000, meu filho, o que era bebê em 92, teve condições de participar de manifestações pelo passe livre (tranquilo, alegre, sem confusão) e contra o servilismo ao presidente dos EUA (mais brabo, tomou uma dura, sem consequências maiores). Outro filho, mais velho, foi quase preso por PMs ao tomar satisfações com policiais que pretendiam acharcar um amigo seu.
Por que nossa polícia acredita que deve bater e prender, reagir com violência absurda contra manifestantes que estão lutando contra o capitalismo predador, que acharca a todos nós, cidadãos que pagamos impostos e não temos direito a um transporte de massa digno? Por que nossa polícia se vê como executora de marginais ou de quem tenha aparência de “elemento suspeito” – leia-se negro e pobre? Por que um estado democrático tem forças policiais que agem como as de uma ditadura?
Em mais de 50 anos de vida, observei a sociedade e o Estado brasileiros mudarem. Só não muda é a cultura da agressividade contra quem quer um tratamento justo até para os que são os braços ignorantes da violência institucionalizada. 

13.6.13

A casa dos meus avós



Por anos, a casa de meus avós em Florianópolis era para onde eu ia nas férias, mesmo a contragosto. Preferia ficar no Rio, mas meu pai não deixava de visitar a família pelo menos uma vez ao ano. A casa tinha uma dimensão mística para mim pelo simples fato de ser uma casa - o equivalente ao meu Sítio do Pica-pau Amarelo. Eu lamentava que nela não encontrava personagens sábios, de quem eu poderia receber lições de vida. Só meus avós e tios, os primeiros, figuras completamente distanciadas da minha realidade.
Pequenina, simples, sem qualquer ousadia arquitetônica, construída por meu avô, que era pedreiro, em mutirão -  palavra que descobri por causa da casa. Florianópolis sempre ampliou meu vocabulário de garota esnobe da cidade grande. Ver a casa na Rua José Boiteux, para onde eu escrevi tantos cartões e cartas (principalmente para meu avô, que, antes de ficar cego, era um excelente redator), na tela do computador me trouxe uma imensa melancolia. Porque a casa está em inventário, prestes a ser vendida. E eu nunca mais voltarei a ela.

Não que eu tenha maravilhosas recordações de felizes reuniões de família na casa. Não era assim. A família era grande, os encontros eram naturais. Eram bons. Apenas isso. Para me apropriar, uma vez por ano, daquela cidade, daquela casa, daquela vida, eu fazia questão de sempre pular o muro, de jamais entrar pelo portão. Pular o muro era minha travessura de criança, daquelas que eu lia em livros, embora não se coadunasse tanto assim com meu temperamento de garota de apartamento, mais inclinada a leituras do que a brincar de pique.

A casa de meus avós era amarela, quase no tom que hoje cobre as paredes de minha sala. Era tudo bastante apertado, sala, quatro quartos, um banheiro, corredores, cozinha, varanda. E muitas portas. Um quarto tinha sempre duas portas, interligando-se a outros cômodos. Aos poucos, as portas foram desaparecendo, limitando-se a uma por peça.

Na sala, pouco se ficava. A reunião era na cozinha, onde todos se comprimiam para tomar lanches e sopas, em diversos turnos, minha avó Júlia jamais se sentando à mesa, servindo a cada um. Depois de lavar a louça, tudo era escaldado com água fervendo que vinha em chaleiras imensas. Eu detestava secar panelas e pratos, sempre queimava os dedos.

Na frente da casa era o jardim de Vovó Júlia: quatro ou cinco roseiras, algumas rosinhas choronas, uma dama da noite, camarõezinhos amarelos que floresciam no verão e eram recobertos por pequenas lâmpadas no Natal. Na varandinha, eu brincava com velhos frascos de talco ou de perfume que minha avó guardava para mim todos os anos e me entregava nas férias. Ninguém se lembrava de levar brinquedos para as crianças se entreterem naquela época. Ninguém dava muita bola pras brincadeiras das crianças naquela época...

Ao lado da casa, mais rosas cobriam um dos canteiros. O outro, era das pimentas de meu avô. Um trecho gramado servia tanto para quarar roupas quanto para estender carne de sol. Havia também um pedacinho coberto, onde ficava a lavanderia, que nem tinha esse nome, na época. Um tanque, bacias imensas. Mais tarde, chegou a máquina de lavar. Era um espaço coberto, escuro e lá ficavam avencas e rendas portuguesas de Vovó, lindas. Quem passava, regava um pouco as plantinhas. Meu avó não gostava. Só queria saber de plantas úteis. Atrás da casa, fez sua horta de verduras. Tudo orgânico, nada exuberante, pouco fotogênico.  

A casa se tornou para mim a capa de um velho álbum de retratos ou um filme com flashes de momentos intensos. O pão quentinho que Vovô comprava no fim da tarde, a sopa de Vovó, Papai e os tios tomando jacuba, uma ratinha branca e seus filhotinhos, que Vovó criava, eu provando uma linda pimenta vermelha arrancada do pé e quase tendo um ataque de alergia, com a língua inchada, Mamãe me obrigando a beber água misturada com palha de cigarro porque me pegou fumando no jardim, Vovô fiscalizando qualquer conserto que bombeiros hidráulicos faziam na tubulação, as orelhas geladas de Papai no inverno de Florianópolis e suas reações irritadas quando o tocávamos - de propósito - com dedos gélidos,  minha Tia Dilma, que era costureira, forrando botões com pano, a coleção de panos de prato que Vovó guardava "para não estragar", Tio Aliatar fumando cachimbo e cantando música de Agostinho dos Santos, Tio Antero implicando comigo, chamando "Orga! Papagaio tá com fome!", Tia Vilma conversando da cozinha com a mulher de meu primo, vizinha de janela, Vovô encerrando a festa de suas Bodas de Ouro à meia-noite para não incomodar a vizinhança. 

Na última vez em que estive lá, a casa já não era mais usada pela família, estava alugada. Atrás, no espaço da horta e do rancho, uma casinha de madeira que servia de despensa, foi levantada outra casa, de dois andares, onde viveu minha tia Vilma até morrer, três anos atrás. Outras casas da rua passaram por reformas. Algumas foram derrubadas. 

Agora é o tempo de guardar a casa dentro de mim para que ela jamais seja derrubada. 

12.6.13

Beijos

Dia dos namorados é animado até pra quem não tem um! Não sou de me deprimir com datas festivas, mesmo as comerciais. Adoro ver os apaixonados sorridentes, o comércio em júbilo e os encalhados aproveitando o bom humor dos que celebram os amores efêmeros ou duradouros! Gosto de barulho de festa, mesmo quando não sou convidada - e se não tiver recreador infantil berrando no playground do vizinho. 

Já os amantes, geralmente, comemoram arrulhando, quase quietinhos...

(Abaixo, alguns dos melhores beijos artísticos - só dois são reais -  que a Humanidade ganhou)

O Beijo - de Gustav Klimt


Marlon Brando e Rita Moreno em A noite do dia seguinte.


Marlon Brando e Eva Marie Saint em Sindicato de Ladrões.


Os beijos de Doisneau.


Tobey Maguire e Kristen Durst em Homem-Aranha.


Um dos mais escandalosos beijos do cinema - que hoje não causa qualquer impacto - foi o de Burt Lancaster e Deborah Kerr em A um passo da eternidade.


O mais famoso dos beijos clicados por Doisneau.

Notorious , de Alfred Hitchcock, teve o - até então - mais longo beijo da história do cinema, com Cary Grant e Ingrid Bergman descolando as bocas para falar no telefone, driblando o Código Hayes (aquela censura de Hollywood, que obrigava os casais a dormirem em camas de solteiro).

O beijo do Dia da Vitória. 

De Henri Cartier-Bresson.