30.8.12

Tem uns dias em que a vida é chata, chata, chata de marré de si.
Hoje é um deles.

28.8.12

Dois meses de caos

Meu bom humor em relação à reforma se esvaiu. Hoje, não aguentei o riso debochado do pintor e o dispensei. Eu havia pedido que ele pusesse corantes na tinta. Ele botou. Ficou amarelo marca-texto. Ele riu muito além do que a gentileza permite. Pintou duas paredes da varanda pequena. Perguntei se haveria salvação, se puséssemos outra tinta na mistura ou por cima. Ele ria e dizia que não.
Então, decidi, enfim, que a obra terminara. Ele ficou desconcertado. Perguntei quanto eu lhe devia pela varanda. Ele disse que eram 300 reais. No caminho até o quarto, eu me recordei que dera em adiantamento 1000 reais ao moço. Ele orçou a pintura de duas varandas, um quarto, duas salas e três tetos de banheiro em menos de 2 mil. E pintou dois tetos de banheiro, um corredor, duas portas e uma demão da varanda. Como é que tinha o desplante de me pedir mais dinheiro?
Fui lembrá-lo que já lhe havia dado mil reais e que estava muito bem pago. Afinal, ele trabalhou exatos seis dias. Fez um ar de desdém e disse; "Então, vamos deixar assim".
Hoje é o 60º dia da obra.
Este pintor, que é realmente um bom profissional, não tem a delicadeza de tratar bem quem o contrata. Odeio gente arrogante. Foi o único de todos os outros que por aqui passaram a exigir adiantamento e a não fazer o trabalho por cômodo. Gosta de bagunçar a casa inteira, mesmo que ela esteja habitada durante a obra.
Falida, espero o mês virar para continuar com esse inferno.

27.8.12

Lembrando Neil Armstrong

Quando a Apollo chegou à Lua, eu dormia. Fiquei acordada, à espera, ao lado de meus pais e de Maria, minha ex-babá, na casa de D. Margarida, nossa vizinha. Só via uma imagem péssima, desfocada de um pedaço da Lua e nada da nave alunissar. Acabei dormindo, embora estivesse me programando para chorar no momento em que a Apollo tocasse o solo lunar. Parecia conveniente e eu sempre fui chorona mesmo. Maria resmungava que era tudo truque de câmera, que era montagem, que ninguém estava na Lua. Interesse dos americanos em fingir pro mundo que eram o máximo, jurava ela. Eu tinha apenas oito anos, mas achava Yuri Gagarin mais bonito do que Neil Armstrong.


Hoje, tenho lá minhas dúvidas...

23.8.12

Inferno astral - 54º dia de purgatório

Racionalmente, não acredito em inferno astral. Mesmo assim, é bom culpar algo ou alguém pelos dissabores da vida. Meu inferno astral é de longa antecipação - e não tem nada a ver com a obra. Ele se impõe, mais de um mês antes de meu aniversário. Convenhamos que a contagem de tempo na época dos babilônios, de Zoroastro e de quem seja lá que começou com essa história de convencionar a trajetória de cada um pelos astros, proavelmente tinha apenas leves semelhanças com a que fazemos na atualidade. As pessoas viviam menos, dizem. Eram menores, também dizem (e é só subir uma escada construída há 200 anos para perceber que todo mundo tinha pés de gueixa. Eu, que calço 39, sofro numa casa colonial barroca brasileira). E o tempo custava a passar porque não existia TV, Internet, celular, carro, avião, cartão de ponto, eletricidade, música sertaneja, alta costura ou filtro solar. As pessoas trabalhavam para subsistir e manter o fausto de uma família parasitária que se alternava no poder com outros parasitas que tentavam tirá-los de lá à força.
Bem, meu inferno astral deu as caras semana passada, quando a porta de vidro do forno do fogão estilhaçou toda. Claro que pode trocar, claro que é difícil achar reposição.
Hoje, o inferno astral marca presença no momento em que fui vestir uma calça que mandei apertar na costureira. Era para apertar a cintura e os quadris. Mas a costureira gosta de calça skinny. E apertou as pernas. Tudo bem que é aquele tecido strech, que alarga mesmo. Mas não há a menor condição de eu andar por aí desfilando igual às moças do funk. Não tenho idade, corpo ou vontade pra isso.

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Rolou uma crise na pintura, que chega ao seu 54º dia. As interrupções de seu Flávio, que só trabalha três dias por semana estendem a obra até sabe-se Deus lá quando. Em festa de família, comentei que ele deixava a casa imunda. Meu primo foi tomar satisfações com ele, que se disse magoadíssimo. Tanta mágoa que mal dormiu à noite. Quando ele começou a recitar a triste ladainha de que só pegara o serviço porque minha tia insistira, que tinha muitas coisas a fazer, eu logo atalhei:   "Bom, vamos resolver essa situação, seu Flávio. Se o senhor está ofendido, pode fechar o dia de hoje. Eu lhe pago e tudo bem".Foi quando ele resolveu ficar, afirmando que não gosta de deixar serviço incompleto. Voltamos a ser cordiais e felizes.
Porque, na boa, mau humor em casa, basta o meu, né?

14.8.12

Ao pó retornarás

Obras, tradicionalmente, trazem dissabores e dispensas de contratados.
Há tempos de paralisações por falta de mão-de-obra, material ou dinheiro. Cheguei ao terceiro motivo.

O temor da absoluta ausência de recursos financeiro determinou a interrupção da obra por alguns dias - até a captação de mais verba que permita a pintura da sala, varandas e de meu quarto.
Provavelmente, um grupo de pintores amadores (Hugo e seus amigos) estará à frente de algumas demãos de tinta no corredor e em meu quarto.

Novas descobertas: o teto da sala corre o risco de despencar em dois pontos. Está completamente oco, depois de infiltrações do andar de cima, que foram sanadas, sem que houvesse reparos no meu teto.
Mais poeira me aguarda nas próximas etapas desse martírio interminável.

13.8.12

Do canteiro - Dia 42

Uma parede cor de telha com um borrão branco de massa pré-tinta não intimidou meus filhos a promoverem uma festa em casa no fim de semana. No dia seguinte, fizeram uma baita faxina e ficou tudo lindo.
O que me leva a repensar a reforma. O dinheiro se esvai e minha paciência idem.
O novo pintor me intimida. Amanhã, conversarei com ele, pedindo que encerre o que iniciou, não abra novas frentes em diferentes locais, deixando a casa completamente desarrumada. Restrinja-se à area já iniciada.
Acho que estou com muita vontade de mandá-lo embora mesmo. E chamar um dos anteriores. De início, a obra me entusiasmou. Agora, está me deprimindo. Só ouço histórias tristes, de pedreiros que derrubaram paredes abrindo apartamentos para áreas comuns do edifício. Medo, muito medo...

10.8.12

Do canteiro - Dia 39

Os lamentos que aqui murmuro em relação à reforma da casa - reforma é um termo meio forte; estou apenas pintando, trocando lustres, pequenos acertos e restaurações absolutamente necessárias, após dez anos sem retoques - são minha arma contra o desespero pela imundice branca que se aloja sobre meus poros, pouco a pouco invadindo todo o meu ser.
O pintor da vez é muito desorganizado. Ataca a casa inteira ao mesmo tempo. Eu quis, desde o início que as obras seguissem etapas. Primeiro, cozinha e dependências de serviço. Depois, quartos. Depois, banheiros. Por último, sala e varandas. Até agora, estava assim. Mas seu Flávio quis adiantar seu lado, lixando e emassando tudo quanto é canto.
Dá um certo desânimo, igual ao que me acometeu ontem, quando percebi que os entregadores das camas largaram o papelão que envolvia os móveis no corredor do prédio. Não custava, ao menos, avisarem. Acho que ficaram zangados porque eu não quis lhes dar uma cama velha, pagando, naturalmente, pelo desmonte do móvel - que eles iriam carregar. Fui gentil, agradeci, informando que já tinha alguém que viria pegar a cama.
Obras têm diversas fases. A atual é a do desalento.

9.8.12

Another one bites the dust..

Chegaram sofá e cadeiras reestofados, lindos. Beleza que conta com graciosas marcas de patinhas de gatos sobre o couro (falso, que sou ecológica e pobre) negro dos sofás. Meus livros, coitados, cobertos por imensos plásticos, não conseguiram se desvencilhar de uma grossa camada de poeira branca.
E hoje ainda chegam as novas camas dos meninos e uma escrivaninha nova para mim.
Pela primeira vez na vida, tenho a sensação real da utilização do 13º salário e do abono de férias. Foi tudo e mais um pouco na obra, que, se tudo der certo, deve acabar em vinte dias.
Resta saber se úteis ou corridos.

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Em busca de imagens para ilustrar a cobertura de poeira da casa, acabei chegando a descobertas arqueológicas de tumbas egípcias. Uma foto me chamou a atenção, pois parecia de Harrison Ford, num carrinho de mina, como no segundo filme das aventuras de Indiana Jones. Só que o ator estava mais para a idade atual do que a da época do filme. Abri a foto e descobri que era do arqueólogo Zahi Hawass, secretário-geral do Conselho Supremo de Antiguidades do Egito, que incorporou a indumentária cinematográfica de Indy - ou ela já era usada pelos profissionais do gênero. 




Fui caçar informações sobre o chapéu, que eu conhecia como Fedora, mas que também é chamado de Borsalino, que me lembrou um filme com Alain Delon e Jean Paul Belmondo, de 1970. Nunca assisti a Borsalino, só me lembro que não obteve o sucesso esperado. A música era uma delícia, do Claude Bolling. 



Fuçando mais sobre Borsalinos e Fedoras, descubro que os chapéus de Indiana Jones são fornecidos por uma fábrica paulista. E mais não vejo, porque existe uma vida fora da Internet, para mim uma fonte de diversão pop e descompromissada como as antigas revistas Fatos e Fotos ou Manchete, que lia na sala de espera dos consultórios médicos em criança.









8.8.12

Do canteiro - Dia 37

Ontem, começou seu Flávio, que vai encarar a parte final da obra. Ou melhor, a maior parte da obra - sala, banheiros, varandas, corredor e meu quarto. Como todos os profissionais que por aqui passaram nesse último mês, tem lá suas idiossincrasias. Não trabalha sextas ou segundas-feiras. Isso porque também trabalha na praia, em uma barraca. Como já pintou os apartamentos de toda a família, e eu sei o quanto meus parentes são chatos, ele é detalhista e faz um trabalho excelente.
Hoje chegarão sofá, cadeiras e poltronas que mandei reestofar. Um meeedo do que vem por aí.
Acabo de iniciar a fase "Ih, o dinheiro não vai dar", que marca a etapa da obra que se estendeu por áreas onde audaciosamente ninguém deveria ousar atacar.
Comecei este diário para ver se mantinha o entusiasmo durante a obra. Será que daqui a dez anos terei forças para encarar outra? Esta, pelo menos, restabeleceu para mim o saudável hábito de me movimentar por todo o bairro, devido às idas quase diárias a diferentes estabelecimentos de material de construção, o que contribuiu para melhorar minha combalida forma.
Nada como uma restauração da alma, apesar do discreto aumento dos cabelos brancos. Tudo tem seu preço.


4.8.12

No woman, no cry

Esta reforma me traz um novo olhar sobre a espiritualidade. Hoje, tenho certeza de que há alguém lá em cima que gosta de mim. Sem brincadeira, fiquei agnosticamente balançada e, neurótica, que sou, imaginei a qual santo deveria agradecer a graça de estar saindo de casa e me deparar com um burro-sem-rabo com a tabuleta: "Pego entulho - Faço frete", em letras trêmulas e inseguras.
Eu ia ao supermercado e pretendia investigar junto aos homens que trazem as compras se algum retirria a tranqueira que os lambões (os serralheiros) deixaram aqui. Já contava com a ajuda mais que abençoada de Priscila, a faxineira da vez, um doce de menina que trabalha na casa de amigos queridos e faz biscate no fim de semana porque a vida não é fácil, não.
Sem acreditar em minha própria sorte, abordei seu Reginaldo que, imediatamente, tirou quatro sacos de entulho imensos, latas de tinta vazias e a maldita estrutura de ferro do finado basculante.
Tudo, tudo, tudo vai dar pé, já cantavam Gil e Bob Marley.
E vamos à faxina, que na terça-feira recomeça a folia.


3.8.12

A próxima etapa

O novo intervalo da obra é de três ou quatro dias, quando chegará seu Flávio, pintor da família. Nunca tive tantos pintores diferentes na mesma obra. Geralmente, eram apenas um ou dois. Obras sempre têm os homens que as iniciam, fazem besteira, abandonam o serviço, e os que vêm finalizar. Nesta, tive um pintor por canto. Um para a área de serviço, cozinha e dependências. Outro para o quarto de Júlia. Outro para o quarto de Hugo. Seu Flávio, espero, encerrará o resto da casa.
Não é apenas a diversidade de preços que determinou a substituição de equipes, mas o desinteresse deles mesmos em continuarem o serviço.
No meio, o inesperado: Jac me atacou, decici trocar estofados, comprar móveis e substituir a janela. Tudo estava em petição de miséria, mas ainda ficarão mais estofados a serem reformados, além de um banheiro pedindo restauração. E tem as maçanetas. Algum dos incontáveis mistérios desta casa é o perpétuo sumiço de maçanetas. Por que isso ocorre, não sei. Mas há algumas portas que precisam de novas maçanetas.
Duro é pensar que estamos ainda a meio da epopeia.
Meu Santo Stanislau... Eslovenos cantam "Ai, se eu te pego" no Globo Repórter.
Haja poeira...

Direto do canteiro - Dia 32

O serralheiro/vidraceiro e seu ajudante estão aqui. O síndico já se manifestou, reclamando que eles fazem a retirada da janela sem proteção - o que é proibido por norma municipal. Eu desconhecia a norma, não posso discutir isso com o síndico. A proteção que obtivemos foi estender um plástico grosso sob a possível área afetada, um telhado aparentemente bastante sólido, com aquelas telhas que um dia foram de amianto.
Os homens cortam um dobrado para retirar a estrutura de ferro de um basculante que encontramos aqui quando compramos o apartamento, 20 anos atrás. Era a ventilação de um banheiro que ocupava a varanda original. Recuperamos a varanda, iluminando e refrescando a sala, mas mantivemos o basculante horroroso. A ferrugem não o derrotou. O ajudante do serralheiro cortou-se e eu fiz um imenso curativo em sua mão.
Depois de duas horas e meia de peleja, eles conseguem deslocar as ferragens. Daqui a pouco chega a janela nova, simples, que, se eu pudesse, seria em madeira, mas, por praticidade e preço, vem em alumínio mesmo. 
Seu Jorge dá os últimos retoques no quarto de Hugo e vai pintar uma parede no de Júlia.
É o último dia útil de minhas férias.
No meio da tarde, o serralheiro esbraveja. Seu Jorge, o pintor, já acabou seu serviço. Adoramos seu Jorge, boa gente, tranquilo, gentil. Seu Marcos, o serralheiro, não imaginou que o basculante estivesse fora de prumo. Ou melhor, que a parede estivesse fora de prumo. Engraçado que ele fala como se nós, que contratamos o serviço, que não temos ideia de como se constroi qualquer coisa além de castelos de areia na praia, tivéssemos obrigação de prever os erros de construção.

E haja poeira...

2.8.12

Direto do canteiro - Dia 31

O dia promete.
Quase 10 da manhã, telefono para a serralheria para saber a que horas virão instalar minha janela - que deveria ter sido entregue há uma semana, com adiamento para terça-feira e, depois, para hoje. "Ah, ia mesmo, mas o rapaz que instala não veio". Indago, então, quando será feita a instalação. Isso gera uma resposta indignada da atendente, pois não pode me informar nada, já que o "rapaz" não virá. Por que não me avisou sobre a ausência do rapaz? "Ué, estava esperando que ele aparecesse. Ele acabou de ligar pra dizer que não pde vir, não". E quando será o raio da instalação? "Lá pelas 17h, eu aviso". 

Sim, eu sei, existe reencarnação. E todos os que resolvem fazer obras em casa, comprar eletrodomésticos, móveis ou usar os serviços do governo para tirar documentos obrigatórios pagam o carma por vidas passadas. Só pode ser isso.