13.8.17

29 de julho e 29 de agosto

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O maior apego de meu pai na vida foi por minha mãe (e pelos livros, claro). Eles viviam discutindo cinema e literatura, em casa, no Jangadeiro, em qualquer canto. E rindo. Uma das fotos de meu casamento retrata os dois exatamente como eram, sempre de papo, sempre cheios de assunto. Ele, sempre de olho nela, desde solteiro. Seu Mello detestava tirar fotos e fazer aniversário. Gostava era de festejar, e como tinha festa no apartamento da Barão da Torre. Era um boêmio insone extremamente responsável, se faltou ao trabalho sete dias na vida foi muito. Por muito tempo, teve dois empregos. Chegou a acumular três, numa época. Não lidava com dinheiro. Fazia um cheque mensal, que entregava à minha mãe. Ela lhe dava dinheiro todos os dias para suas despesas: condução e cigarros. Ou, como ela falava "seu câncer de bolso". Foi o cigarro que o tirou do planeta prematuramente, aos 62 anos. Lamentou, nos últimos dias, que não fosse acompanhar o crescimento dos netos Artur e Oto . Uma pena que não conheceu Hugo e Júlia. Para ele e para todos nós.
Dele herdei a asma, a miopia, um jeito para escrever, a facilidade em fazer amizades sinceras e duradouras, a alegria ao me cercar de crianças, o apego à família - ele era doido pelos irmãos. Resmungão, tentou me tornar tricolor de coração, mas eu virei Flamengo até morrer. Três dos netos seguiram a tradição da família. Impossível mensurar a falta que ele faz. Não só para mim, acredito.

Ele tinha duas datas de nascimento. A real, 29 de julho, não constava de seus documentos. Reza a lenda que meu avô preferiu registrá-lo como se tivesse nascido em 29 de agosto para não pagar alguma multa por ter perdido a data correta.  Quem diria que meu pai seria motivo para o Vovô Candonga, um homem de severidade e honestidade exemplar, mostrar seu traço de brasilidade, transgredindo e demonstrando o mais absoluto desprezo pela burocracia nossa de cada dia!

Joana, a Francesa

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Vão-se os anéis...

Em 1995, meu filho mais velho começou sua vida escolar. Entreguei-lhe, como um tesouro, um singelo presente de boas vindas ao mundo do conhecimento: minha borracha verde, passada por meu pai quando eu entrei na 6ª série (minha mãe me deu um despertador, já que eu teria que acordar cedinho a partir de então). Dois dias depois, Artur já computava o sumiço da preciosa borracha verde, que tinha uns dez centímetros quando ganhei - era a época de artigos escolares "de Itu": lápis quilométricos, imensas borrachas, canetas etc. Na borracha verde, que me acompanhou até a faculdade, eu escrevia colas microscópicas de fórmulas matemáticas, verbos irregulares franceses, desenhava corações e estrelinhas, inscrevia nomes de namorados e o escudo do Flamengo.
Artur tinha seis anos e nenhuma ideia da importância simbólica das heranças. Descobri, então, o desprendimento daquela geração moldada pela sociedade de consumo. Nada é feito para durar, mas para ser substituído, no menor prazo possível, por novos modelos, sempre mais caros. Para evitar o desperdício puro e simples, decidi controlar o material escolar, cabendo a cada filho quatro borrachas e a quatro apontadores por ano letivo. Começava o semestre, eles ganhavam um kit com borracha, apontador, três lápis e três canetas. Havia material sobressalente guardado, mas eles nunca sabiam onde ficava o almoxarifado doméstico. Adaptaram-se ao racionamento (no início, um lápis durava exatamente dois dias, de tanto que era apontado) e hoje sobram lápis e canetas pela casa. Apontadores, eu ainda mantenho escondidos, assim como borrachas, pois, todos sabem que eles fogem das bolsas e mochilas e seguem para um paraíso particular, onde vivem em recreio eterno, onde não existem crianças, adolescentes ou adultos que os manuseiem à exaustão. 

Já crescidos, meus filhos passaram a perder telefones celulares. Boa parte das vezes em assaltos, mas também por descuido puro e simples. Hoje foi a vez de meu celular, que estava comigo há exatamente oito anos. Júlia, a campeã de evasão de aparelhos telefônicos da casa, usava meu aparelho desde que o seu sofrera avarias profundas. Deixou hoje, num ônibus.

A perda do aparelho fez emergir uma faceta até então encoberta de Júlia, que telefonou pra companhia de ônibus, que correu atrás das oficinas autorizadas de smartphone para consertar o dela - e me passar, embora eu queira um telefone burrinho, que só faça e receba ligações. Como eu dizia para ela e para seus irmãos, em pequenos, todos os dias a gente deve aprender algo novo. A capacidade de dar a volta por cima, como dizia o pranteado Paulo Vanzolini, que nos deixou ontem, deve ser desenvolvida diariamente.


Detesto solenidades em geral. Jamais compareci às minhas formaturas. Colei grau no gabinete do reitor, de bermuda, segurando o cestinho da bicicleta, me achando a super-carioca. A vida me obrigou a acompanhar formaturas diversas, e procuro me adequar ao cerimonial, chorando copiosamente quando o formando que me obrigou a suportar aquela tortura é meu filho. Em outras ocasiões, tento me lembrar das contas a pagar - para não adormecer ao longo de horas de imobilidade, ouvindo discursos que sempre são semelhantes. De um lado, formandos afirmando que começa ali uma nova etapa da vida, jurando amizade e lembrança eterna dos colegas, cujas características são descritas pormenorizadamente. Do outro, professores, elogiando os formandos por terem ultrapassado outro patamar da existência.


Era isso que eu imaginava que aconteceria numa noite de sábado, em que percorri uns 30 quilômetros até o Recreio dos Bandeirantes - e mais de 40 para retornar a Botafogo, porque imaginou-se que pela Linha Amarela era mais "perto" do que descer a Barra toda - para ver um amigo querido se graduar. Só que, depois dos 50 anos, felizmente, tornei-me mais observadora da vida. Tenho um olhar antropológico para qualquer situação, aproveitando oportunidades para descobrir o como o resto da humanidade se comporta. Acho que é a consciência da mortalidade que não me permite o luxo do tédio, algo do que sofria na juventude, como qualquer adolescente.


Então, chegamos lá, de carona com um casal de anjos que se dispôs a nos levar até o Recreio. Ao saltar do carro, me lembrei que esquecera o convite. Já pensava em passar a noite do lado de fora do salão, onde umas três mil pessoas se espremiam. Fiz cara de simpática, sorri para o porteiro, reclamei do ar condicionado e entrei direto com aquela cara de pau do outro milênio, quando costumava driblar seguranças em boates ou na entrada de filmes proibidos para menores de 18 anos. Minha amiga, atrás, escondeu seu próprio convite e me seguiu. Lá dentro, não houve como me entediar.


Marcada para as 8 da noite, a cerimônia iniciou-se, brasileiramente, 40 minutos mais tarde, quando mal havíamos nos acostumados com o inebriante cheiro de salgadinhos que dominava o ambiente. A primeira dúvida nos assaltou: o locutor usava peruca ou estava de cabelo (mal) pintado? Era peruca, esclareceu nosso amigo, o formando, sentado logo atrás do apresentador. Houve apenas três discursos, para felicidade geral dos espectadores. E teve muita música.


Havia dois cantores, um rapaz e uma moça, ambos lindos e de vozes potentes. O problema era a afinação, que não acompanhava o volume das vozes. Depois de uma espécie de oração, a "homenagem à Deus" (assim mesmo, craseada, estava num telão - o que me levou a digressões sobre o gênero divino, ou seja, já que Deus não tem sexo, é espírito, porque a palavra que o designa deveria ser masculina? Comportaria, então, a crase? À parte a abstração filo-teológica-semântica, por princípio básico, estava mais que errada a crase, já que era uma solenidade promovida por um curso universitário, que deveria zelar pela norma culta do vernáculo), o cantor entoou um sucesso popular cuja letra só eu desconhecia. Algo gospel, que fala "como Zaqueu", ou seja lá quem for.


Rolaram os curtos discursos, começaram as entregas de diplomas. O cantor e a cantora, animadíssimos, em dueto, entoaram os grandes sucessos da época áurea das discotecas. Lá pelas tantas, findou a diplomação. O fim estava próximo, mas não sem outra homenagem, dessa vez à mais idosa pessoa presente, uma senhora de 90 anos, avó de uma das formandas. Nova cantilena chorosa, o momento deveria ser emocionante, mas nem a velhinha estava muito convicta de sua função sob os holofotes, nem a neta demonstrava muita paciência em explicar à doce vovó - como dizia o locutor empolado - o que fazer naquele momento constrangedor. A plateia remexia-se indócil, surdamente enfurecida com a correria das 48 crianças abaixo de 3 anos presentes, que se deleitavam em desalinhar cabelos de pais e desordenar cadeiras. As crianças venceram. Exaustos, pais diplomados continham os pirralhos para a foto da família com o paraninfo da turma, enquanto nós imaginávamos como voltaríamos para a Zona Sul de táxi, se é que apareceria algum por volta de 23h naquela imensa autoestrada.

De carona, sem reclamar, aproveitei para ver pela primeira vez o Teleférico do Alemão. Confesso: foi muito mais divertido do que pensei. Cantei, ri muito e fiquei feliz por ver tanta gente sinceramente radiante por conquistas que pouco significam para quem teve a opção de estudar a vida inteira. Eles não tiveram a opção, eles só conseguiram estudar depois de se fecharem as portas para carreiras reservadas a mim, a meus amigos, a meus filhos. E festejam numa formatura cafonérrima como qualquer solenidade. E o júbilo em cada olhar acabou me comovendo sinceramente. Quem sou eu pra rir da alegria alheia. Todo mundo tem o direito de comemorar da maneira que quiser. Sem luxo, sem rapapés, mas com aquela espontaneidade que só a alegria genuína consegue produzir.

Entrei besta, saí pequenininha, entendendo que a vida é mais do que um nariz levantado, um olhar irônico, um sorriso cheio de sarcasmo.

É, acho que estou aprendendo a envelhecer e a curtir meu outono no planeta.

As vergonhas de fora

Marque a primeira coluna de acordo com a segunda
1.Ser velho é                                        inadequado
2.Ser gordo é                                       constrangedor
Ser descasado é um embaraço
Ser feio é um pavor.
Ser religioso é chato
Ser ateu é inconveniente
Ser é

Festejar aniversário para minha mãe, jovem, envolvia o ritual de ser retratada em fotógrafo. Todos devíamos ter o direito de conhecermos os pais na juventude, quando eles eram incrivelmente belos. Sempre invejei os imensos cílios de minha mãe. 
Hoje a reconheço em meus traços faciais, no destempero, nos resmungos. E também naquela sabedoria, nas certezas que a maturidade concede, pra compensar a perda da beleza.




A vida consumida

Sempre achei que deveria limitar minhas compras pela Internet a objetos pequenos. Em vista dos alucinantes preços de eletrodomésticos, que sofreram bons aumentos depois de dezembro, e do estado de decomposição da geladeira que mal nos serve há 13 anos, optei por encomendar uma Cônsul, do Ponto Frio, pelo site. 
Chegou uma semana antes do dia marcado. E, claro, não passa pelas portas exíguas de meu apartamento de 71 anos. Porque era assim: construíam um imóvel com pé direito de 3 metros e cômodos amplos. Entrar nesses cômodos era para gente miúda, objetos pequenos, tudo esmirradinho.
Então, tiramos as portas da sala e da cozinha. A geladeira passou pela primeira. Pela segunda, só se tirar a porta da própria geladeira, o que ocorrerá amanhã, quando vier a assistência técnica e eu pagar módicos 130 REAIS por um serviço que deverá tomar algo em torno de vinte minutos do técnico. E não dá pra fazer por conta própria. Acaba com a garantia, além do risco de desmantelar os contatos elétricos.
Aborrecimento que ainda compensa, financeiramente, já que o mesmo modelo custa, em média, 35% mais caro nas lojas físicas, e não evitaria o dissabor de ter que chamar os técnicos pra retirarem a porta etc e tal. Ah, vida moderna...

Sam Shepard, see ya.

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Inspiração

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Desorganizada por natureza, há muito dispensei as agendas, mas ainda mantenho um caderninho de telefones (quem perde o celular entende o desespero). Adoro calendários de mesa, aqueles que a gente rabisca compromissos jamais cumpridos. Pois bem, eles não existem mais, porém são "printables". E a maioria está à disposição "free" - tudo em inglês, claro. Aí, escrevo: calendário grátis imprimir 2017. Vem um pouquinho. Mudo para "planner" e as imagens inundam a tela. Conformada, imprimi um do mês August, já colado na parede, da qual me apropriei como adolescente, enfeitando com ídolos velhuscos e inspiradores. Ficará lá para nortear meus tortuosos caminhos.

Pérola Negra, te amo, te amo

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França, o nosso livreiro (7 de agosto)

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Todo mundo tem uma história com o França. A minha é episódica, num convívio de quinze anos em redações, lamentando que ele não frequentasse as assessorias de imprensa e agências. França logo conhecia o gosto do freguês, recomendava leituras, desaconselhava outras. "Isso não é pra você, não. Mas tem quem goste", dizia. Eu era mais de olhar as novidades, porque tinha o hábito de frequentar livrarias. Mas ganhei sua atenção na primeira compra que fiz com ele, um volume da Aguilar com a obra completa de Oscar Wilde. 
Anos mais tarde, ao sair de casa, o Wilde me causou problemas, já que era parte do pequeno patrimônio que carreguei comigo. Meu pai ficou carrancudo por uma semana, sem querer conversa no Globo, onde nos encontrávamos diariamente - ele era redator, eu, repórter. Falou "sai a filha e nem os livros ficam?". França lamentou que não tivesse outro exemplar - a Aguilar já havia sido vendida/fundida/incorporada, então -, mas providenciou rapidinho um Milan Kundera saído do prelo para aplacar a ira do seu Mello. E a paz voltou a reinar em família.

Como assim, Dustin Hoffman fez 80 anos?


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Tom Brady que se cuide...

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Pobre de butique

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O "Ela" convida: "Saiba como se veste a responsável pelo estilo de Beyoncé e de Kim Kardashian". Tô sabendo. Veste-se mal. Roupa amassada, look mendigo ou "explosão no brechó". Segundo a legenda, ela é " definitivamente uma das stylists mais disputadas dos Estados Unidos: expert em looks descolados e ousados". Street look ainda é moda, 30 anos depois de lançado. Ai, como é démodé essa pobreza de butique. (11/08/1017)

Eita, coisa feia!

A imagem pode conter: uma ou mais pessoasNada prático (já pensou se um dente cai ou se emperra no meio da rua?), nada belo: a "tendência" em jeans custa US$ 148 (R$ 467) e foi criada pela grife francesa Vetements, "uma das marcas mais influentes do momento, graças às suas inovações na silhueta e ao trabalho que concilia o streetwear com a alta-costura", diz o "Ela". Como inovar a silhueta (de quem, redator inexistente, de quem?) é algo que foge à compreensão desta anacrônica escrevinhadora.

Jolie


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O novo canto da Jolie. Ela fuça um pouco o Galeano, depois se acomoda sobre o conversor quentinho, quentinho. 
#invernonaProvíncia

Tudo se copia



O mundo recria 'Le déjeneu sur l'herbe" faz tempo, sempre em busca de escândalo. 
Do simplesmente brega ao artificialismo cult da moda de hoje, a nudez feminina em contraste com o homem protegido por suas vestes formais.