13.8.17

Vão-se os anéis...

Em 1995, meu filho mais velho começou sua vida escolar. Entreguei-lhe, como um tesouro, um singelo presente de boas vindas ao mundo do conhecimento: minha borracha verde, passada por meu pai quando eu entrei na 6ª série (minha mãe me deu um despertador, já que eu teria que acordar cedinho a partir de então). Dois dias depois, Artur já computava o sumiço da preciosa borracha verde, que tinha uns dez centímetros quando ganhei - era a época de artigos escolares "de Itu": lápis quilométricos, imensas borrachas, canetas etc. Na borracha verde, que me acompanhou até a faculdade, eu escrevia colas microscópicas de fórmulas matemáticas, verbos irregulares franceses, desenhava corações e estrelinhas, inscrevia nomes de namorados e o escudo do Flamengo.
Artur tinha seis anos e nenhuma ideia da importância simbólica das heranças. Descobri, então, o desprendimento daquela geração moldada pela sociedade de consumo. Nada é feito para durar, mas para ser substituído, no menor prazo possível, por novos modelos, sempre mais caros. Para evitar o desperdício puro e simples, decidi controlar o material escolar, cabendo a cada filho quatro borrachas e a quatro apontadores por ano letivo. Começava o semestre, eles ganhavam um kit com borracha, apontador, três lápis e três canetas. Havia material sobressalente guardado, mas eles nunca sabiam onde ficava o almoxarifado doméstico. Adaptaram-se ao racionamento (no início, um lápis durava exatamente dois dias, de tanto que era apontado) e hoje sobram lápis e canetas pela casa. Apontadores, eu ainda mantenho escondidos, assim como borrachas, pois, todos sabem que eles fogem das bolsas e mochilas e seguem para um paraíso particular, onde vivem em recreio eterno, onde não existem crianças, adolescentes ou adultos que os manuseiem à exaustão. 

Já crescidos, meus filhos passaram a perder telefones celulares. Boa parte das vezes em assaltos, mas também por descuido puro e simples. Hoje foi a vez de meu celular, que estava comigo há exatamente oito anos. Júlia, a campeã de evasão de aparelhos telefônicos da casa, usava meu aparelho desde que o seu sofrera avarias profundas. Deixou hoje, num ônibus.

A perda do aparelho fez emergir uma faceta até então encoberta de Júlia, que telefonou pra companhia de ônibus, que correu atrás das oficinas autorizadas de smartphone para consertar o dela - e me passar, embora eu queira um telefone burrinho, que só faça e receba ligações. Como eu dizia para ela e para seus irmãos, em pequenos, todos os dias a gente deve aprender algo novo. A capacidade de dar a volta por cima, como dizia o pranteado Paulo Vanzolini, que nos deixou ontem, deve ser desenvolvida diariamente.

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