27.2.13

Uma noite em 67


Eu tinha apenas sete anos. Meus pais já haviam ido a um festival no Maracanãzinho, onde todo mundo vaiava Nana Caymmi, coitada. Aliás, público de festival tinha que vaiar o tempo todo.
Só assisti hoje a "Uma noite em 1967", filme que já passou há tempos nos cinemas. Está inteirinho no YouTube.
Observação antropológica: fumar era tão natural que repórter entrevistava músico de cigarro em punho. Músico também fumava durante a entrevista.
Observação profissional: o falar dos repórteres e dos apresentadores era mais empolado, porém bastante natural. E muito claro, já que boa parte deles vinha do rádio. A fala das ruas não imperava na TV.
Observações sobre o tempo que passa: Caetano, chamado pelos entrevistadores de então de "Veloso", ficou mais bonito velho; Cidinha Campos era barulhenta e puxava Roberto Carlos para contar piada sem graça; Roberto Carlos era, como hoje, gentil. Chico era, como hoje, um sucesso entre o mulherio da plateia.
Observação de espectadora e de testemunha ocular da História: todos os artistas pareciam felizes por participarem do festival (exceção, talvez, para Sérgio Ricardo, o autor da violada na plateia). Eram competidores, mas, também, se admiravam mutuamente. Os elogios públicos de Gil a Caetano e vice-versa já haviam começado. Elis, sorrindo, vibrando com o sucesso de Marília Medalha, os Mutantes jovens e lindos, Gil e Caetano falando ainda com sotaque bem mais forte que hoje (e falando muito, como hoje, claro, principalmente Gil). Mais que a alegria de todos estarem lá o que se sobressai é a espontaneidade ao cantar músicas com arranjos bastante sofisticados, letras contundentes e melodias acima da banalidade. Entusiasmados, vibrantes, com interpretações pouco planejadas. Talvez seja isso que falte hoje no show business. Menos logística, mais calor. Sem amadorismo, mas com uma energia que não precisa ser montada.
Para conferir o filme, basta procurar no You Tube pelo título - o link não está funcionando bem.(http://www.youtube.com/watch?v=ReXfblEQUnI).





25.2.13

A noite do lamê - Oscar 2013


Com brilho mais intenso nas roupas do que nas tiradas  mais grosseiras do que irônicas do bestalhão Seth MacFarlane, o Oscar 2013 teve como melhor momento o trumbicão de Jennifer Lawrence. Seria uma metáfora para a queda livre de um espetáculo enfadonho numa noite tão chata e previsível? O ponto alto musical foi um pavoroso ato de amor à Brodway, ancorado em Catherine Zeta-Jones se esgoelando em All that jazz, passando pelos guinchos de Jennifer Hudson e culminando com o elenco dos Miseráveis entoando aquelas canções melodramáticas. Realmente, uma festa bem apropriada para uma instituição de 85 anos, que não consegue encontrar um caminho para renovar-se. Lembrar o cinquentenário de 007 com Shirley Bassey desafinando Goldfinger foi uma tremenda maldade com a diva. Custava terem chamado os atores que encarnaram James Bond e jogado um Aston Martin - ou cinco deles - no palco? 

O bonitinho - mas ordinário - MacFarlane foi deselegante sempre que possível. Uma das constrangedoras gracinhas mencionava a quantidade de atrizes presentes cujos seios foram mostrados no cinema. Soltou o vozeirão em canções conhecidas ou não, fazendo piadas sem qualquer refinamento, como um sub-Ricky Gervais - sem o charme ou a ironia do britânico.

Fora a injustiça de Emanuelle Riva ter sido absolutamente desprezada pela Academia, assim como  Spielberg, mais uma vez esnobado, o tombo da Lawrence e o Oscar de direção para o Ang Lee (que é uma gracinha, muito docinho, não?) trouxeram alguma novidade para a festinha mais careta dos últimos tempos. 

Até no quesito figurinos tudo ficou muito parecido. A mulherada se envolveu em lamê, daqueles que se compra na Casa Turuna pro carnaval carioca. Um desânimo total a ser conferido nas fotos abaixo.




Provavelmente o vestido mais mal planejado da noite foi o da Melissa McCarthy, que prima pela péssima escolha de modelos. Tá, ela é gorda. Mas não dava para inventarem alguma coisa menos horrorosa do que essa ode à Roma Antiga com bordados nas mangas e uma inexplicável fenda da qual surge um tecido negro (com brilhinhos, claro?). Procura o costureiro da Kathy Bates, Melissa. Veste uma túnica e calça comprida, que dá uma alongada na figura. Você está em Hollywood, mulher, não no interior do Estado do Rio!!!



Para provar que o problema não é excesso de peso, mas de corte e costura mesmo, Queen Latifah estava perfeita, de branco (que "engorda" pacas). Tudo bem que ela é alta como a Charlize Theron, em quem tudo,  aparentemente, cai bem, incluindo o corte joãozinho de cabelos. 




A categoria noiva de Drácula, desta vez, teve uma representante de peso: a vencedora do Framboesa de Ouro 2013,  Kristin Stewart, agraciada por suas sensíveis interpretações no último filme da série Crepúsculo e em Branca de Neve e o Caçador, no qual, aparentemente, além dos figurinos, só Charlize Theron se salvava. A sempre inexpressiva Kristin surgiu de muletas no tapete vermelho, pois sofreu um corte profundo no calcanhar. Depois, mancou pra baixo e pra cima. 






O vestidinho de noiva gótica da Stewart tinha um bocado de tecido vaporoso, outro must da noite. Jennifer Garner também tinha uma cauda repolhuda que acompanhava o vestido cor de vinho. 




No quesito cortinado de babados, Amy Adams vestiu o cinzentinho básico de princesinha. Ficou uma graça. Atrapalhada, mas uma graça. 




O vestido de Sally Field era indescritível. Tinha cauda longa, babados, plissados, era fechado, era vermelho, era, inacreditavelmente, um Valentino! 


A mulherada decidiu atacar de Valentino rubro mesmo.  Hillary Swank tinha um modelo até parecido com o da Sally Fields. Poderiam participar da mesma quadrilha de festa caipira.



Já Jennifer Aniston escolheu um modelo bem mais sofisticado, combinando com seu jeitinho Wanderléa de ser - aquelas coroas que não aparentam a idade graças a um arsenal cosmético-cirúrgico cujos custos ultrapassam o PIB de algumas nações africanas.


Indefinível também era o que cobria a bela Olivia Munn. Era um maiô com uma canga de tafetá? Como isso foi costurado no corpo? Como entrar nessas vestes? Qual é o conceito do figurino? Sim, porque uma roupa dessas só se justifica com um conceito artístico-histórico-sociológico. Algo que um carnavalesco definiria como "a chegada da mulher ao poder na corte de Napoleão pela imagem de Josefina, a supressão da função biológica da maternidade pelo avanço nos postos de governo, a ascensão das super-heroínas de histórias-em-quadrinhos no universo dominado por machistas decadentes e a culminância na incorporação de Santa Bárbara, Iansã, no carnaval carioca". 




Ainda no vermelho, a bela Kerry Washington, com brilho no top.


Mais ouro no colo, veludo azul no corpo, Salma Hayek foi malhada pelos estilistas de plantão. Eu já acho que com o rosto dela, tudo cai bem.



Reese Whiterspoon vestiu azul. Não deu tão certo quanto o da Helen Hunt.







Azulzinho petróleo básico foi a escolha da filha de Jamie Fox, que preferiu vestir-se mal mesmo...


... sem chegar ao requinte do paletó de veludo vermelho com calça marrom de Samuel L. Jackson (por quê?), com os outros "Vingadores", ao lado do diretor de fotografia do filme, o chileno Claudio Miranda, que homenageou Gandalf.



É claro que no quesito desalinho ninguém pode ousar chegar aos pés de Helena Boham-Carter e Tim Burton. Até que ela caprichou em algo mais vaporoso, menos gótico, a saia branca quebrando o rigor do corpo negro do vestido... Os cabelos, como sempre, no estilo "Vim de moto". E estrelinhas no cabelo dela.



Concorrente forte no estilo "Não ligo pra prêmio nem pra roupa", Robert de Niro estava tão fora do ar quanto Jack Nicolson...


... que acordou - e tirou os óculos escuros - para anunciar o melhor filme do ano....



... junto com Michelle Obama, que também andou pela Casa Turuna para comprar o paninho de lamê de seu vestido. A franjinha compôs o modelo retrô.




Nicole Kidman foi de mulher aquática. Seu vestido parecia feito de escamas de peixes, terminando com mais lamê douradinho - provavelmente uma homenagem à Grande Barreira de Coral australiana.




Meryl Streep, que encarnou a Dama de Ferro, também escolheu um lamê azulado.



Jennifer Hudson se soltou no azul metálico e no perucão liso.


 Naomi Watts, também cinzenta, desafiando as leis da física com esta estranha composição de roupas.



Barbra Streisand toda trabalhada no preto e dourado, homenagem a Marvim Hamlish e à São Clemente. 


Também no dourado, sempre bela e vaporosa, Catherine Zeta-Jones.



Renée Zelwegger, de cetim brilhante, bem anos 1920.



Halle Berry era brilho só.



Jane Fonda, um perigo em amarelo.


Antes do tombo, Jennifer Lawrence, com o colar jogado nas costas, era uma das princesas da noite...



... como a gracinha Amanda Seyfried ....



... e Zoe Saldana.




Jessica Chastain tinha um vestido quase na cor exata de sua pele.







Anne Hathaway, que, segundo Rubens Ewald Filho, deveria agradecer o Oscar à Susan Boyle, por popularizar a canção que ela canta nos Miseráveis, teve o avental, isto é, vestido  mais comentado da noite. Deixava  os seios em, digamos assim, evidência. E era um avental. Mesmo.


Vexame sob o olhar de 1 bilhão de pessoas?



Mandinga poderosa de Mme Emanuelle Riva!


Uma qualidade Seth MacFarlane tem: sabe prever o futuro.

19.2.13

É, começou...

Dor nas costas. Uma estranha gripe - estomacal, de aparelho digestivo e, claro, alguns sintomas clássicos de qualquer coisa: dor de cabeça, pressão baixa, mal estar - se instalou em mim. O humor se arrasta enquanto o calor só aumenta, indecentemente. Ninguém deveria trabalhar, estudar, se esfalfar sob tal temperatura.
Acabou o horário de verão, acompanhado por demonstrações de júbilo no Facebook de amigos que odeiam a diferença de uma hora por dia ao longo de breves três meses. Dizem que é terrível acordar "com tudo escuro". Um tudo escuro que se dissipa em quinze, vinte minutos, pois nenhum deles tem que sair de casa às 4 da manhã para pegar no batente às 7. Acho que é o costume arraigado que temos de reclamar de tudo mesmo. Eu adoro horário de verão, apesar de passar duas semanas confusas: a do início e a do fim dele. Mas gosto da sensação de que o tempo é nosso, de que sua marcação é tão somente uma convenção sob as vontades dos homens.
Acabou o carnaval, sem grandes tumultos me cercando, sem grandes festas também. Já foi o tempo em que o carnaval era minha época de festejos exagerados, de chegar em casa às 6 da manhã e dormir na praia para ganhar forças e enfrentar blocos e bailes. Um período de excessos absolutamente respeitado por meus pais, sem qualquer tipo de repressão. Hoje, adoro os blocos, porque meus filhos se acabam neles e voltam para casa cedo, ao contrário do resto do ano em que a vida social atravessa as madrugadas. Os blocos são diurnos, o que acalenta os corações maternos.
Descubro que enxergo melhor de longe. A presbiopia se instala, acompanhada por ... catarata!!! Cataratas que não exigem intervenção cirúrgica, mas que contribuíram para a redução de minha miopia. Redução considerável, quase um grau em um dos olhos, meio no outro. A médica explica que em outras pessoas, a catarata faz a visão piorar terrivelmente. Comigo, foi camarada a doença. Antes de me impedir de ver, me traz alegrias como dispensar óculos para trabalhar no computador. Em compensação, há alguma dificuldade em ler de pertinho. Preciso tirar os óculos. Ou botar outros. Confuso igual à mudança de horários.
O ano começa. Vai parar novamente umas duas ou três vezes, haverá Copa das Confederações, Encontro da Juventude Católica. O metrô está superlotado, vi alguns dos filmes que concorrem ao Oscar, não me encorajo a entrar no supermercado, pago contas atrasadas.

Alô, 2013!

(A foto é de minha esquina nos idos do século XX, creio. Meu prédio está onde ficavam as grades, logo após o edifício da esquerda, que periga desabar, mas é "bem preservado" pelo Município, ou seja, o dono não cuida, tem escoras e umas redes de ferro segurando a construção que ameça tombar por causas naturais. A calçada, hoje, é mais estreita ainda que naqueles tempos. Do outro lado, o bosque deu lugar ao Colégio Santo Inácio, onde trabalho. Um dia ainda faço a foto deste mesmo ângulo, num dia em que o Corcovado não esteja encoberto pelas nuvens.)

11.2.13

O tapetinho de Adele

Num ano extraordinário sóbrio no quesito vestuário, em que os roqueiros se apresentaram com modelitos discretos, em sua imensa maioria, Adele lembrou-se que era carnaval. Deixou o tradicional pretinho básico, e foi para o Grammy com um vestido inspirado no tapete do quarto de sua avó, com sapatinhos combinando.
Hors concours para os prêmios Bjork-Cher de figurinos extravagantes para noites de gala internacionais ou o troféu Helena Boham-Carter de alegorias aterradoras. Adele realmente leva a sério seu propósito de ser reconhecida enquanto cantora, não como modelo de elegância ou beleza.

10.2.13

Le-rê, le-rê


Já tive uma relação melhor com o trabalho. Eu era jovem, o trabalho servia para pagar contas e o lazer. Era uma época em que ainda recebia educação financeira: parte do salário ficava guardado em poupança; o restante saldava (então) poucas contas, despesas com o carro, crediários (era assim, não havia tanto cartão de crédito em mãos imaturas) de livros, roupas e viagens. O trabalho era algo que consumia religiosamente 23 dias ao mês, às vezes um pouco mais, por causa dos feriados, sete horas diárias contratuais que sempre se estendiam por tempos jamais contados financeiramente, mas, raramente, contabilizados em folgas futuras.
Saía do jornal e a vida era minha. Não fazia frilas, não levava trabalho para casa. Trinta anos depois, a casa virou part-time office, complementando uma renda fixa insuficiente para cobrir a vida. Penso em trabalho diariamente, inclusive nas férias, quando, avidamente, procuro frilas que permitirão arcar com despesas de medicamentos, agora indispensáveis para a sobrevivência de um corpo cansado.
O trabalho se incrustou em meu cerebelo e me ocupa mais do que a família. Sempre que adoeço, folgo do mundo. Durmo, descanso e espero sobreviver a mais um deslize que o organismo. Lazer virou sinônimo de guardar forças para aguentar a labuta. Será que eu me curo?