31.1.08

Vida carioca

Nada melhor para espantar o tédio de um engarrafamento da Avenida Brasil, numa tarde de quinta-feira, do que a generosidade de um motorista que decide compartilhar seu refinado gosto musical com todos os outros infelizes presos no congestionamento. De seu potente equipamento de som de equipe de baile funk, exuberantes bramidos e rugidos embalados por uma batida eletrônica, certamente utilizados para torturar prisioneiros de guerra em Guantanamo, ensurdeciam os demais cativos do organizado tráfego carioca.
Naquele momento, uma certeza. O inferno existe. E eu o conheci.

25.1.08

No Valor Econômico, hoje


Os próximos capítulos das publicações
Por Olga de Mello, para o Valor, do Rio

Quem será o novo "Harry Potter", pronto a converter jogadores de videogames em leitores? Qual enigma substituirá o "Código Da Vinci" com mistérios intrigantes para enredar um público ávido por aventuras? Investindo nos temas decorrentes das celebrações históricas e nas biografias de personagens cuja fama beira a lenda, como o mago Paulo Coelho, as editoras brasileiras já se lançaram em busca dos best sellers de 2008, na ressaca do início do ocaso dos dois maiores fenômenos editoriais dos últimos anos.


A chegada da família real portuguesa ao Brasil, o centenário de morte de Machado de Assis, 40 anos das manifestações de maio de 1968, o cotidiano das populações sob guerra, a vida de povos não europeus nem americanos e a literatura que eles produzem são as temáticas que norteiam o mercado - que comemora um crescimento de 15% nas vendas dos últimos meses de 2007 - impulsionadas pelo lançamento, em novembro, de "Harry Potter e as Relíquias da Morte", de J.K. Rowling (Rocco), com mais de 500 mil cópias vendidas.


Apesar dos bons resultados apresentados pelo mercado, há quem considere prematuro festejar o reaquecimento do setor. "Houve uma melhora generalizada no mercado, porém o livro ainda é visto como supérfluo no Brasil", afirma o vice-presidente da editora Campus/Elsevier, Henrique Farinha, observando que o segmento de livros técnicos retomou níveis que não eram alcançados desde 1995.


Ele reconhece os avanços na distribuição da produção por todo o país, além da abertura de novas livrarias e a chegada dos livros a pontos-de-venda dos quais eram mantidos a distância, como supermercados e lojas de departamentos populares.


"Sem sombra de dúvida o cenário melhorou muito, mas ainda não aconteceu uma explosão de vendas. Estamos recuperando um ritmo perdido', pondera. Em 2008, a Campus, que tem uma média de 260 lançamentos por ano, vai aumentar o catálogo de títulos jurídicos e de medicina, enquanto aguarda o novo grande tema na área de negócios: "O segmento é diluído tematicamente. Não existe um assunto novo. Vamos continuar com nossos lançamentos em finanças pessoais, o setor que mais cresceu nos últimos três anos, quando dobramos nosso catálogo", informa Farinha.

(Pra saber mais, vá no www.viverdaescrita.blogspot.com; a matéria é muuuuuuito grande!)

Esquentando os tamborins!

Fui uma boa foliã, dos 2 aos 24 anos. Ouvia batuque, já me aprumava. Pulava na rua, nos clubes, no Rio, em outras cidades, no Piauí. Era simplesmente alucinada por Carnaval. Não havia nem discussão em casa. Carnaval era a grande oportunidade que eu tinha de chegar às 6 da manhã, exausta, sem que pai e mãe se indignassem. Isso e Rock in Rio.
Mas aí casei com um anti-folião. Tentei animar meus filhos, arrastar pra Banda de Ipanema, pro Simpatia, pra Banda Boka d'espuma (em tempos botafoguenses, então - a Boka d'espuma sai tarde e passa pertinho de casa, enlouquecida, sempre). Participei de bloco do colégio, essas coisas. Depois, desisti de ser a foliã da família e sosseguei.
Toquei, então, um carnavalzinho nas leituras. Como se pode ver abaixo.

Um mergulho profundo no carnaval
Por Olga de Mello, para o Valor, do Rio


"Almanaque do Carnaval" - André Diniz

Zahar, 272 págs., R$ 39,90


Em lenta evolução, de cadência cautelosa como os compassos dos minuetos cujas coreografias tanto inspiraram cortejos e alegorias carnavalescas, começa a tomar corpo a literatura que estuda o carnaval brasileiro. Embora tenha representação exuberante na ficção, com referências em crônicas, contos e romances de autores consagrados, entre eles Machado de Assis, Jorge Amado, Manuel Bandeira e Mário de Andrade, a bibliografia com estudos e história do carnaval ainda é exígua, afirma o pesquisador André Diniz, que acaba de lançar "Almanaque do Carnaval". "Aos poucos vão surgindo mais e mais títulos, o que mostra que o carnaval assume um caráter além da festividade", diz Haroldo Costa, autor de quatro livros sobre o tema, entre eles o recém-lançado "Política e Religiões no Carnaval" (Irmãos Vitale, R$ 57,00).





Segundo Diniz, foi nos últimos 25 anos que o mundo acadêmico percebeu a importância antropológica do carnaval. "Mesmo assim, a informação pesquisada hoje vira artigo, crônica. Ela demora um mínimo de dez anos para chegar ao livro. É costume dizer que o Brasil pode ser mais bem entendido pelo futebol e pelo carnaval, porém persiste uma resistência à compreensão desses fenômenos", acredita Diniz, que relacionou 60 publicações no índice bibliográfico do "Almanaque do Carnaval". A mais antiga é "Música Popular: Teatro e Cinema", de José Ramos Tinhorão, publicado em 1972 (Vozes).


Para Haroldo Costa, o carnaval oferece aspectos inexplorados para os pesquisadores. Em seu livro, ele se detém sobre o registro da história por meio da crítica política e do misticismo pela menção a Deus e a orixás. "Os sambas-enredo, principalmente, se detêm sobre episódios pouco lembrados de nossa história, preenchendo a lacuna do ensino, que tradicionalmente ignorou figuras como Zumbi dos Palmares e Chica da Silva. As marchinhas, por sua vez, traziam conteúdo crítico, como o 'Bota o Retrato do Velho' ou 'Aonde Está o Dinheiro?', temas desenvolvidos há mais de 40 anos que continuam atuais. Quando se fala abertamente nos orixás na música podemos verificar tolerância e a queda dos preconceitos em relação aos cultos afro-brasileiros", observa.


Autor de "O Livro de Ouro do Carnaval Brasileiro" (Ediouro, R$ 84,00), Felipe Ferreira lembra que a valorização da festa começa com o modernismo. "O tema chega à pintura com exuberância. Ao mesmo tempo, Villa-Lobos se apropria de ritmos estranhos à música erudita, como a congada e o chorinho. Mesmo assim, só agora se percebe que o carnaval pode ser o corte para olhar o Brasil tanto pela economia quanto pela sociologia e até pela geografia", afirma. Já para Diniz, o modernismo via o carnaval por um ângulo estrangeiro: "Os modernistas lançaram as bases para uma visão por uma lente européia. Até um folclorista apaixonado pela brasilidade como Mário de Andrade usa instrumentos elitistas ao falar de carnaval. As produções recentes entendem o Brasil por elas mesmas."


O entendimento do brasileiro por meio do carnaval é defendido por Ruy Castro em "Carnaval de Fogo" (Companhia das Letras, R$ 40,50), no qual conta a história da cidade do Rio. Para o escritor, o caráter do carioca foi formado pela evolução e pela influência do carnaval sobre a vida da cidade. Nada mais natural, portanto, que a narrativa de "Era no Tempo do Rei" (Alfaguara /Objetiva, R$ 36,90), sua primeira incursão na ficção, comece no carnaval de 1810.


Divulgação

Os Filhos de Gandhy invadem Salvador: Adriana Falcão leva deuses gregos fantasiados de orixás às ruas da cidade na sua adaptação da comédia "Sonhos de uma Noite de Verão", de Shakespeare
"Dom João VI era um folião, assim como seu filho, Pedro I, e o neto, Pedro II, que, de acordo com os relatos históricos, se divertia com o entrudo e demonstrava bom humor em relação às brincadeiras da festa. Para contar as molecagens do menino Pedro, que passava sebo na escada para fazer José Bonifácio escorregar, eu quis mostrar essa família carnavalesca", conta Ruy.


Aproveitando personagens ficcionais, porém clássicos, Adriana Falcão também usou o carnaval como ambientação em sua adaptação da comédia shakespeariana "Sonhos de uma Noite de Verão" (Coleção "Devorando Shakespeare", Objetiva, R$ 26,90).


Para tratar de traição, farsa, romance e ciúmes, Adriana leva deuses gregos fantasiados de orixás às ruas de Salvador, sem os tons dramáticos e melancólicos ou francamente dramáticos que apresentam o carnaval na literatura brasileira.


Uma das mais antigas dessas menções é de Raul Pompéia, no conto "O Último Entrudo", publicado em 1883, no qual Pompéia fala nostalgicamente sobre os carnavais de sua mocidade. E sob o pseudônimo do relojoeiro Policarpo, na crônica "Bons Tempos", publicada em 1889 na "Gazeta de Notícias", Machado de Assis lamenta que o carnaval seja insuficiente para aliviar a cidade das aflições, tristezas e cóleras dos outros dias do ano.


Outros carnavais literários


- "O Bebê de Tarlatana Rosa", conto de João do Rio, conta uma paixão no carnaval.


- Em 1919, Manuel Bandeira publicou "Carnaval", com poemas sobre o romantismo e a sensualidade de relacionamentos fugazes.


- O desfecho de "Amar, Verbo Intransitivo", de Mário de Andrade, é durante um desfile de ranchos na avenida Paulista.


- "A Morte da Porta-Estandarte", de Aníbal Machado, descreve um assassinato no centro do Rio.


- O contraste entre o entusiasmo juvenil e a indiferença estão em "Antes do Baile Verde", no qual Lygia Fagundes Telles mostra uma mulher se aprontando para um baile de carnaval, sem ligar para o pai moribundo no quarto ao lado.


- Um concurso de fantasias de luxo e seus participantes são elementos importantes da trama de "Vastas Emoções e Pensamentos Imperfeitos", de Rubem Fonseca.


- "Conto de Verão nº 2: Bandeira Branca", de Luis Fernando Verissimo, mostra um romance de carnaval que atravessa décadas.

23.1.08


Tourinho, eu vi a primeira vez em "For All", o encantador filme de Luís Carlos Lacerda, o Bigode. Pequenino e simpático, sempre fazia comédias, limitado por seu tipo físico. Cheguei a vê-lo em teatro e a entrevistá-lo, meses atrás, para a Aplauso. Piu-piu era um doce com a imprensa e bom ator. Outra partida prematura que deixa saudades.

Heath Ledger, eu vi a primeira vez fazendo Petrucchio numa versão teen de "A Megera Domada", cantando "Can't take my eyes off you" pra Julia Stiles. No filme seguinte, ele era o filho valentão do Mel Gibson, que morre no fim da Guerra de Independência Americana. No outro, era o filho suicida do Billy Bob Thorton, na "Última Ceia", absoluta e totalmente depressivo. Cresceu e fez uma gracinha de cavaleiro andante embalado por rocks pops, um Casanova simpático e vigoroso, um Irmão Grimm tímido e bonito. Vai acabar sempre lembrado como o cowboy apaixonado pelo melhor amigo de "Broeback Mountain" - ô, filminho chato!



E a gente esperando que essas coisas aconteçam com Britney Spears, Lindsay Lohan ou Amy Winehouse...

20.1.08

São Sebastião

Todos sabem que se trocam o feriado de São Sebastião de dia, cai temporal no Rio.
Ontem, veio uma daquelas tempestades arrasadoras, alagando ruas, derrubando árvores e deixando alguns bairros da roça, como Botafogo, sem energia elétrica por horas (*).
Sabem por quê? O santo não gosta quando seu dia cai aos domingos e não é feriado. Então, faz birra e nem quer procissão ou festejos.
Sebastião é corajoso, mas dá faniquitos. E também concede aos cariocas a graça do bom humor quando o carro pára no meio de um rio, depois de desviar-se de uma árvore tombada no meio da rua. Mais que isso, faz com que, sob a chuva forte, cariocas como eu percebam a beleza que é viver em uma cidade mezzo selvagem, onde as árvores caem nas ventanias e que podemos nos deparar com simpáticos bosques verdejantes que se destacam na tarde cinzenta.
No meio do caos, o Rio é verde, esperançoso e valente como Sebastião!

(*) Roceiros de Botafogo têm quilos de velas em casa. Assim, quando falta luz por quatro ou cinco horas, como ontem, a gente não se preocupa se vai ficar no escuro.

15.1.08

Caderno de perguntinhas

Nem sei quando esta corrente de "Caderno de Perguntinhas" chegou a mim.
Mas vale a pena publicar e, quem sabe, contaminar os blogueiros com ela.
É com vocês,pessoal da coluna ao lado!!!!


1. Sete coisas que faço bem:
• Maquiagem (bem discreta ou para carnaval - o freguês escolhe)
• Escrever (reportagem, redação e revisão; já fui até ghost writer de livro espírita e, suprema glória nos caminhos do Além, revisora de um texto psicografado de São Marcos, o Evangelista!!!)
• Decoupage para encapar cadernos, caixas, livros
• Dirigir
• Cortar cabelo e recortar papéis
• Organizar bibliotecas, dvdotecas e discotecas
• Bagunçar a casa inteira

2. Sete coisas que não faço e não sei fazer:
• Cozinhar
• Matar barata
• Discurso
• Acompanhar novela
• Andar de moto
• Acompanhar rituais religiosos
• Acreditar em astrologia, numerologia, neurolingüística y otras crenças mas.

3. Sete coisas que me atraem no sexo oposto:
• Cabeça
• Tronco
• Membros
• Jogo de cintura
• Bom humor
• Maturidade
• Altura

4. Sete coisas que não suporto no sexo oposto:
• Machismo
• Contador de piadas de churrasco
• Unha com base
• Perfume adocicado
• Correntinha no pescoço
• Palito na boca
• Camisa estampadinha


5. Sete coisas que digo com frequência:
• Alguém viu meus óculos?
• Cadê o controle remoto?
• Vou levar esse gato pra virar tamborim no Santa Marta
• A que horas você volta?
• Não tenho dinheiro pra isso.
• Preciso fazer uma dieta...
• Amanhã vou começar a caminhar

6. Sete atores/atrizes que eu gosto:
• Helen Mirren
• Russel Crowe
• Juliette Binoche
• Gerard Depardieu
• Jeremy Irons
• Judi Dench
• Jean Reno

7. Sete atores/atrizes que eu detesto:
• Nicolas Cage
• Sylvester Stallone
• Steven Segal
• Scarlett Johansen
• Charlotte Gainsbourg
• Sarah Jéssica Parker
• Dercy Gonçalves

8. Sete filmes que eu adoro:
• Na Idade da Inocência, do Truffaut
• Match Point, de Woody Allen
• Do Mundo nada se leva, de Frank Capra
• A trilogia Indiana Jones
• Mulheres à beira de um Ataque de Nervos, do Almodovar
• Amarcord, de Fellini
• La Nuit de Varennes, de Etore Scola


9. Sete filmes que eu detesto:
• Senhor dos Anéis um, dois, tudo
• Uma porcaria chamada Vanilla Sky
• Solaris (o original, o outro nem vi e olha que dava direito a George Clooney pelado)
• Jogos Mortais 2,3, 15
• 8 Mulheres e Sous la Sable, do Ozon
• Todos os do John Woo
• Qualquer filme em que entre o Steven Seagal

10. Sete livros favoritos:
• Léxico Familiar, de Nathalia Ginzburg
• O Diabo no Corpo, de Radiguet
• O Amante, de Marguerite Duras
• Bartleby, de Herman Melville
• Far from the Madding Crowd, de Thomas Hardy
• Batismo de Fogo, de Vargas Llosa
• Memórias do Cárcere, de Graciliano Ramos

11. Sete lugares favoritos:
• Rio
• Búzios
• ROstras
• Florianópolis
• Paraty
• Machu Pichu
• Ilha Grande

14.1.08

Janeiro

O verão corre bem, por enquanto suportável, mas nem vale a pena falar muito ou dá azar, né? Adoro essas superstições, gostaria de me apegar àquelas de evitar falar palavras para não atrair o az... a má sorte. É a neurolingüística sem pompa ou publicação, a crendice pura e simples, parecida com a fita do Senhor do Bonfim que ostento no pulso esquerdo ou com a promessa que preciso cumprir por graças concedidas.
(Imediatamente desdobro o pagamento da promessa em algo utilitário. A fitinha do Bonfim, na verdade, é de Nssa Sra de Aparecida, trazida por quem fez promessa em meu lugar, determinando que eu visite o santuário. Descubro que não há ônibus direto do Rio para Aparecida, romeiro sofre mesmo ou vai em excursão fretada com toda a turma da igreja ou da vizinhança. Mais prático é eu calcular o preço das passagens e doar cestas básicas. Eu sei que fé move montanhas, mas sempre admirei mais a caridade do que a espiritualidade.)
O verão corre célere, o ano começará mais cedo com o Carnaval no início de janeiro. O trabalho vai, a casa cheia, filhos crescidos, imaturos, dando muito mais prazer que aborrecimentos, mais preocupação que tranqüilidade, olha a rua, olha a hora, olha com quem vc está andando, criança.
Em janeiro eu vivo o tumulto das vidas que fiz.

10.1.08

Procura-se um roteirista

... que impeça os políticos de falarem tanta bobagem.

O governador Sérgio Cabral parece que aspira sinceramente à sucessão de César Maia como o autor das mais infelizes declarações para criar impacto público. Depois de comentar que a liberação do aborto evitaria o nascimento de meninos carentes que poderiam enveredar pelo crime e de afirmar que a polícia fluminense não mata tanto (foram 1.200 mortos pela Polícia em 2007 nos chamados "autos de resistência", ou seja, tiroteio ou execução mesmo), o governador atacou os constitucionalistas contrários à proibição dos passageiros nas garupas de motocicletas.
Em tempo: a Polícia fluminense mata mesmo, os bandidos também o fazem, porém o Estado precisa promover uma reciclagem de seus agentes para que os policiais entendam que a função deles não é de executores à la Stallone Cobra.
Um governador não pode considerar pouco o número de 1.200 mortos em autos de resistência. Governadores também não deveriam pregar a subversão da lei como forma de combate a assaltos, embora essa medida tenha obtido êxito em Bogotá, que agora é referência mundial na redução de índices de violência. Aqui, se aplicada, a proibição iria gerar era mais assaltos a transeuntes.
Fazer o quê enquanto isso? Uma idéia seria um pouco de cautela antes de falar e não engrossar os arquivos dos boquirrotos que mantêm vivo o Festibal de besteiras que assola o país (Febeapá), criado pelo Stanislaw Ponte Preta.

4.1.08

Para refletir

Dez passos rumo ao desprestígio
Tendências do ano que se encerra fortalecem impressão de que o mundo literário está perdendo sua representatividade

Alcir Pécora

Repassando 2007 mentalmente, me vieram à cabeça as seguintes tendências no campo da literatura, umas novas, outras que só confirmam as observadas nos anos mais recentes:

1. A proliferação de Flips, Flaps, Flops, Baladas e Copas Literárias, e até Raves Culturais, nas quais a literatura aparentemente se afirma como evento globalizado de massa ou motivo de festa popular, associada a fenômenos alegadamente deleitosos como batuque, botequim, noitada, e, por que não?, celebridades, pois nem elas querem ficar por fora da grande “novidade” da leitura, assim como os novos “leitores” não querem deixar de tirar uma lasquinha ao vivo de seu astro, que digo?, de seu “autor favorito”. Dessa tendência, a pergunta relevante é saber em que medida a imaginação da literatura, trabalhada pelo marketing dito “cultural”, pode contribuir para incrementar o hábito festeiro, pois a questão contrária, isto é, de que modo a festa pode contribuir para a literatura, é apenas uma piada de salão.

2. A afirmação dos concursos literários, agora expandidos até para dentro da universidade, os quais, sob a intenção declarada de promover a literatura e descobrir novos talentos, acabam por premiar o mediano - o que há de mais intolerável em literatura, segundo Horácio -, pois os mais diferentes sistemas de votação, quando não são farsas descaradas em favor de amigos, favorecem os títulos que mais aparecem nas listas, em detrimento daqueles títulos que, por ser de difícil assimilação ou de pouco consenso, e, portanto, com alguma chance de apresentar interesse, jamais obtêm as médias da premiação. Ou seja, um concurso, a não ser por azar, só premia o premiável, que é um outro nome para o medíocre.

3. A implantação definitiva da ciberliteratura, atualmente já escrita com “i” e pronunciada do mesmo jeito, na qual os autores jovens, afetos a computadores e informática, supostamente deram de ombros às recusas de publicação das editoras tradicionais ou às críticas caretas dos velhos críticos e se lançaram de cabeça na internet, sendo lidos pelos seus amigos, pela sua comunidade, e até pela parcela dos velhos críticos desejosos de continuar eternamente jovens. Dentre estes, há duas tendências: a dos que acham que a ciberliteratura é uma nova forma de erudição, pois os “jovens internautas” emulam os grandes autores da literatura brasileira e mundial, e a dos que pensam que a “explosão” das novas linguagens produz um tal frenesi semiótico que nada se pode dizer desses autores, senão estar atônito a admirar a coragem com que montam o cavalo xucro das novas tecnologias.

4. A transferência dos reality shows da TV para os best-sellers das editoras mais aventureiras, que usam seus olheiros para descobrir “testemunhos” de participantes de toda forma de vida secreta, marginal, imoral, cujos relatos despudoradamente crus e confessionais excitam a imaginação dos leitores fugazes da classe média, que tudo o que conhecem de excessivo, por experiência própria, é trabalho e trânsito. Nesta tendência, têm lugar destacado as confissões de prostitutas, de traficantes descolados em sociologia, e, acima de todos, as confissões sexuais de adolescentes perdidas num mundo cheio de confusão e ecstasy. Se o primeiro item desta lista promete que literatura também é festa, este evidencia que ela, potencialmente, é também esbórnia, bandalheira, mundo-cão - infelizmente, desta vez, sem a trilha sonora de Riz Ortolani.

5. A volta da velha noção de “geração”, a qual, depois de ter logrado um bem-sucedido hype na Vila Madalena com a invenção da saudosa “geração 90”, presta-se ainda a um tour de force para requentar o mesmo, seja trocando cada vez mais velozmente os seus algarismos (“00”, “0.5”), seja postulando a geração “entre séculos”, ou até a geração “não-geração”. Tudo para assegurar que haja alguma movimentação literária fora da exigência de inovação inerente ao campo literário, ou para forjar um atalho que submeta a literatura à idade dos seus praticantes, uma vez que parece impossível fazê-lo por meio do nível da sua criação.

6. A multiplicação de livros com testemunhos tocantes em zonas de conflito do mundo globalizado, onde cachorrinhos, livrarias, pipas e outros objetos amigáveis reencontram um hálito de humanidade em situações brutais de guerras. Nesses relatos, os elementos tribais em conflito ganham toques pitorescos e culturais e os paradoxos e contradições dos interesses do capital internacional oferecem rica oportunidade para que os ocidentais céticos ou cínicos redescubram a riqueza e a esperança “pós-humanas” escondidas no mundo primitivo.

7. O uso da literatura como repertório de narrativas edificantes, figuras comoventes e sentenças judiciosas para auxílio da filosofia em situações que demandem a adesão imediata do ouvinte não especializado, como no caso exemplar de programas de TV, onde filósofos sem preconceitos em relação à grande mídia se esforçam para ajudar o cidadão comum a encontrar a luz compreensiva da... cultura.

8. O uso da literatura como repertório de narrativas, figuras e sentenças de impacto para uso de nietzschianos e deleuzianos desbundados, que acham que o que realmente importa, mais do que os estudos de Filosofia e Literatura, é a Vida, ela mesma, cuja logogenia multívoca, pulsando nos devires, é inapreensível por meras disciplinas acadêmicas. Contra o estudo árido e estéril, a Vida latente na literatura da rua, fonte privilegiada de hibridismos culturais, pode prover a filosofia da sensualidade e fluidez do papo-cabeça.

9. No âmbito da crítica universitária, a tendência mais notável, que entra em cena pisando firme sobre a antes obrigatória modéstia afetada, é a autopromoção, que faz de cada pesquisador um microempresário, com um vibrante e crescente repertório de truques: a “autocitação”; os quotation-buddies; a disposição de “formar quadros”, em vez de simplesmente dar aulas; a implantação de “linhas de pesquisa”, em vez do mero estudo da matéria, e, de modo genérico, a inflação do currículo, ou, para os íntimos, a turbinagem do Lattes -, por exemplo, com a organização de livros com artigos de amigos, que ninguém leu, nem quer ler, nem vale a pena ler, sem nenhuma relação entre si a não ser a irrelevância hiperprodutiva. Variante do item é a publicação de livros de homenagens a professores, os quais, mais ou menos constrangidos pelas exéquias precoces, são obrigados a se transferir para o limbo olímpico. Mais constrangidos ficariam se adivinhassem que a motivação derradeira das “homenagens” é o esforço de obter publicações do grupo 1 da Capes, e, por conseguinte, arrancar boas notas para seu programa de pós, o que não deixa de dar certa nota cívica ao oportunismo.

10. Ainda no âmbito da crítica universitária, o dernier cri é dado pela autonomização de um campo de pensamento sobre a literatura que pode se dispensar da literatura, isto é, um campo que se afirma como teoria pura, independente da literatura, assim como da filosofia. Com balizas atribuídas a autores como Benjamin, Adorno, Derrida, Lacan, Lévinas, Habermas, Jameson, Agamben, etc. , o novo campo garante que não há privilégio maior para a literatura do que fornecer modelos de reflexão para a “teoria”.

Em conjunto, todos os dez itens, em maior ou menor grau, com mais ou menos euforia, apontam para um mesmo ar do tempo em que se consolida um enorme desprestígio da literatura como campo de pensamento e cultivo, de modo que, para reanimá-la de seu túmulo, é preciso sacudi-la com festas, cortejá-la com prêmios, atualizá-la com computadores, torná-la sexualmente atraente e visualmente apelativa, descobri-la índice de partido jovem, levantá-la como bandeira da paz e amor em meio à guerra, vibrá-la sentenciosa e edificante, eletrizá-la de vitalismo, inflá-la com índices das agências de fomento, e, por fim, embora o desprestígio não dê sinal de ter um fim, ostentá-la como exemplo de repertório empírico à disposição de uma metalinguagem que lhe é vastamente superior. Tudo somado, fica bem claro que literatura, hoje, vive aquilo que os americanos chamam de “downhill”, e nós, em tradução grosseira, de descida da rampa. Caso o diagnóstico pareça demasiado duro a espíritos sensíveis e esperançosos, o desprestígio sempre poderá ser traduzido por superprestígio, à maneira dialética da bossa nacional.

Alcir Pécora é professor livre-docente de Teoria e Crítica Literária e diretor do Instituto de Estudos da Linguagem da Unicamp
O artigo foi publicado no Estado de SPaulo no último dia 30.

1.1.08

2008



Na Lagoa, como sempre, a festa mais tranqüila dos cariocas. E comemorações em casa de amiga, posteriormente, fez de nosso reveillon um sonho delicioso.
O ano chegou com todos os projetos de sempre e a mais importante exigência: que a felicidade continue batendo em nossas portas!!!!