19.12.12

Balanço

Eu acho que já peguei uns três ou quatro fins do mundo.
Um foi no dia da inauguração da usina nuclear de Angra 1. Eu tinha uns 20 anos, começava meu estágio na TV E. Foi quando conheci o samba de Assis Valente "E o mundo não se acabou", porque já havia presságios do fim dos tempos décadas antes. Como disse um colega, então, o mundo acabava, mas o Brasil teria uma usina nuclear.
Depois, vieram outras datas, sempre com uma preparação de seitas como os Borboletas Azuis, que viviam numa comunidade perto de Brasilia.  E haja Assis Valente para ouvir. Precavida, jamais peguei na mão de quem não conhecia, nem beijei a boca de quem não deveria.
Só em 2012, houve uns dois anúncios de fim do mundo - um deles eu nem sabia que estava marcado. Agora tem a data final do calendário maia.
E mesmo com o prognóstico de explosão do planeta, eu vivi 2012 sem qualquer proveito extra, dada a possível proximidade do apocalipse. Foi mais um ano em que não emagreci 20 quilos, em que não fiz ginástica, em que não acabei de reformar a casa (devo recomeçar em janeiro), em que não escrevi um livro, em que não me livrei dos gatos, em que não viajei, nem fui a exposições de arte, sequer a boas festas. Aliás, foi um ano em que não dei festas!
Então, no sábado, eu continuarei vivendo, esperando que em 2013 eu consiga fazer um pouco do que pretendia em 2012.  Isso se não tiver um livro e uma rede me convidando para me embalar, de papo pro ar...

4.12.12

No Valor Econômico. hoje

Parece brincadeira, mas é a realidade com outras cores

Por Olga de Mello | Para o Valor, do Rio
Ailton de Freitas/Folhapress / Ailton de Freitas/FolhapressKafka, sobre a transferência de culpa: "É menos importante encontrar soluções do que ter bodes expiatórios"
Uma dose de irreverência temperada com personagens fictícios ou reais, políticos e ainda artistas pode ajudar a traduzir a dureza dos temas econômicos para leitores que se interessam pelo assunto, mesmo sem dominar o jargão técnico do setor. Foi pensando nesse público leigo que o economista Gustavo Franco, ex-presidente do Banco Central, compilou observações sobre episódios diferentes e as reações - quase sempre semelhantes - de quem decide e movimenta os caminhos da economia brasileira. As anotações, coletadas ao longo de quatro décadas, estão em "As Leis Secretas da Economia - Revisitando Roberto Campos e as Leis do Kafka".
A inspiração para o livro veio de um artigo dos economistas Roberto Campos e Alexandre Kafka, publicado, em 1961, na revista "Senhor". Os autores afirmavam, então, que a economia brasileira não obedecia a nenhuma das leis conhecidas, cabendo, portanto, investigar as normas secretas que a regiam. Algumas das dez leis estabelecidas por Campos e Kafka, que retomaram o tema em outras publicações, não integram o livro de Franco, já que alguns dos tópicos perderam a atualidade.
"Muito do que eles abordaram ficou datado. Na época da hiperinflação, ninguém se indignava com aumentos de 5%. Hoje, esses percentuais são preocupantes. Há situações que simplesmente deixaram de existir. Ainda se discute privatização no país, a inflação permanece incômoda, porém o enfoque é outro", observa Franco.
Se a vida mudou nos últimos 50 anos, há situações que se mantêm praticamente imutáveis, como a descrita pela Lei do Kafka nº 10 - Da Conservação do Ente Burocrático. A ementa define: "O ente burocrático é indestrutível, ou o instrumento é mais importante do que os objetivos, ou o fim serve aos meios. Parágrafo único: Toda vez que dois órgãos públicos precisarem examinar o mesmo processo em separado, nenhuma decisão será tomada. E quando se tornar imperativa uma decisão consensual e negociada, ela terá o condão de manter tudo exatamente como sempre foi".
Outra lei de Kafka que permanece atual é a nº 9, que trata da transferência da culpa, e diz que "é menos importante encontrar soluções do que ter bodes expiatórios".
Há ainda observações do próprio Franco que desafiam a passagem do tempo, como a Segunda Lei das Fusões Bancárias, pela qual em toda fusão de banco apoiada pelo Banco Central ao menos um dos "nubentes" está quebrado.
O tom informal e profundamente ácido do texto segue o estilo empregado por Campos e Kafka. "É irônico, porém, não fiz brincadeiras superficiais. Todas as leis existem e têm respaldo em teses econômicas comprovadas, como aponto na bibliografia", diz Franco.
As dez leis originais se estenderam a 74, que, agrupadas em capítulos que tratam de finanças públicas, mercado, bancos, globalização e câmbio, entre outros temas, apresentam o panorama da vida econômica brasileira nas últimas décadas. Não houve uma ordem de valores nem de cronologia, apenas a intenção de criar um panorama que ajuda a compreensão da economia por leitores que estão distantes da angústia que o tema já provocou, quando a busca por informações era no afã de encontrar "respostas para sobreviver", diz Franco. Esse novo leitor, que tem, segundo o economista, uma visão mais positiva da economia, combina com uma tendência na literatura econômica acentuada a partir de 2008.
"A crise mundial levou a uma profusão de documentários e livros explicando a história financeira em termos abrangentes, de fácil compreensão para a maioria do público. Incluí ilustrações no texto que, além de trazer leveza ao volume, também têm a intenção de cativar o público não habitual de economia, sem abrir mão, no entanto, do pensamento econômico sólido", explica Franco.
A crítica à linguagem dura e, por vezes, vazia dos economistas e acadêmicos, está em diversos trechos do livro, como o pequeno glossário do "Teorema do Esquimó", que determina que "o número de palavras incompreensíveis, em economês, de índices de inflação e de pessoas envolvidas com o assunto, é proporcional ao quadrado do índice da inflação".
Referências à cultura pop mais recente, utilizando personagens de séries televisivas, como o médico Gregory House, ou de cinema - "Forrest Gump" e "Kagemusha" - para dar nome a leis, teoremas ou axiomas, juntam-se a citações tiradas de obras dos escritores favoritos do autor, entre eles William Shakespeare, Ernest Hemingway, Carlos Drummond de Andrade e Mario Vargas Llosa, exemplificando ou esclarecendo as estranhas normas que regem o Brasil, não apenas no campo econômico. As reformas sociais empreendidas por Mikhail Gorbachev e o romance "O Velho e o Mar", de Ernest Hemingway, são unidos no Teorema de Hemingway-Gorbachev, que prevê o desgaste progressivo e irreversível dos governantes reformadores, que acumularão inimigos até entre os beneficiários de suas iniciativas, "incapazes de perceber que a melhoria de seu padrão de vida se deve aos reformistas".

"As Leis Secretas da Economia - Revisitando Roberto Campos e as Leis do Kafka"

Gustavo H. B. Franco. Editora: Zahar. 216 págs., R$ 39,90

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