8.7.05

A culpa é do tricolor




Se alguém teve culpa na minha conversão a rubro-negra foi o tricolor do meu pai, que me arrastou para uma final de Campeonato Carioca, na década de 60, em que o Fluminense só precisava aparecer em campo para ser campeão. Foi exatamente isso que o time fez. Tomou uma surra do Botafogo (3X1) e saí aos prantos do Maracanã, aos 8 anos, em 22 de junho de 1969.
Eu estava empolgadíssima, a Yoná Magalhães, na época uma das mais populares “mocinhas” das novelas, entregaria a Taça aos jogadores. Não vi nem a Taça, nem Yoná, nem o Fluminense receber a faixa de campeão. Soou o apito marcando fim de jogo e deixei o estádio com lágrimas turvando meus olhos, enquanto eu tropeçava por uma rampa imensa, revoltada. Minha mãe ficou consternada com meu desespero e espantadíssima, quando, dias depois, informei oficialmente à família que abandonava a torcida do Fluminense pela do Flamengo.
Não fui a única defecção numa família tricolor que nunca gostou de futebol. Papai gostava, mas os irmãos de minha mãe só se diziam tricolores porque moravam em Laranjeiras. Bairrismo puro. Minha avó também bandeou-se para o Flamengo pouco depois de mim, quando Tim, que era meio aparentado nosso, virou técnico do time da Gávea. Vovó passou a acompanhar os jogos pelo rádio, assim como Mamãe, que vibrava a cada gol do Fluminense, num Fla-Flu, sucedidos por um “Coitado do Tim!”. E como uma vez Flamengo, Flamengo até morrer, Vovó continuou rubro-negra depois que Tim deixou a Gávea.
Quando meus meninos nasceram, democraticamente, dei-lhes a opção: poderiam ser Flamengo, a imensa maioria dos torcedores do mundo, Fluminense ou América. Botafogo, o time do pai deles, eu detestava desde criança, pois tinha uma colega chata e rica, daquelas que nunca me emprestava um de seus maravilhosos 1.253 lápis Caran D’Ache guardados em um estojo imenso, com uma montanha na tampa metálica. Esta menina fazia piano como eu, mas éramos rivais. Fomos obrigadas a nos sentar juntas e não tínhamos a menor afinidade. Ela era uma tremenda CDF, mas eu era melhor em Português, História, Geografia e Inglês. E no piano também. Sem esforço, só porque eram disciplinas fáceis. Naquela época, a menina não havia adquirido a sabedoria dos bons alunos e sentia-se ameaçada por alguém que era apenas um pouquinho melhor que ela em poucas disciplinas.
Bom, a garota vivia dizendo que era botafoguense porque, quando bebê, a primeira palavra que aprendera a falar fora “fogo”; mais que depressa, o pai a ensinou a dizer “Bota!”. Duvido desta história até hoje, mas a garota se tornou uma mulher muito legal depois que cresceu. E eu também deveria ser bem chata em criança.
Por causa dela, tomei implicância violenta contra o Botafogo. Meus meninos, pequeninhos, eram flamenguistas, embora minha mãe lhes fornecesse uniformes do Fluminense, que eles usavam no Carnaval. Bastou meu pai morrer para Mamãe começar a jogar pesado. Converteu meu primogênito a tricolor radical. O segundo, felizmente um menino de personalidade mais firme e do contra por natureza, seguiu minhas indicações e continuou rubro-negro. Os menores, coitadinhos, foram bombardeados por flâmulas, colchas, camisas, até quadrinho em ponto-de-cruz com o escudo do Fluminense. Ou seja, na falta de um avô formador de um tão importante item na personalidade masculina brasileira, minha mãe procedeu uma tremenda lavagem cerebral nas pobres crianças, que hoje torcem por aquele time das Laranjeiras, que já andou na segunda divisão. Nem minha filhota, que gostava tanto de minhas indicações culturais, escapou do bombardeio.
Fazer o quê? Torcer sempre pelo empate e ficar feliz quando qualquer um dos dois times ganha, enquanto consolo os que torcem pelo perdedor. É difícil ser mãe num país que idolatra o futebol.
*Para um de meus tricolores de coração, Hugo, que completa 13 anos amanhã, firme em sua resolução de torcer pelo pó-de-arroz.



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