4.7.05

Sem interfone

É só sair do Rio para um carioca se sentir querido, acarinhado e amado. Parece que a guerra mundo inteiro (paulistas, baianos e gaúchos, em particular) X cariocas é coisa de mídia. Para mim, ao menos, é. Estive em Brasília por três dias e adorei minha estada.
Sim, tenho motivos familiares para gostar de ficar em Brasília. Dois de meus filhos estão vivendo lá, tenho uma tia e primos amados por lá também, além de uma grande amiga. Mas é mais que isso. Apesar do clima muito seco durante o dia e de noites deliciosamente frias (não gélidas, apenas frias), o silêncio quase absoluto à noite e a cordialidade dos comerciários me encantam. Lógico que isso acontece no País inteiro. Até em São Paulo sinto as pessoas mais simpáticas do que no Rio, o que demonstra que o problema não é a vida tensa da megalópole. Os paulistanos sempre têm uma brincadeira, uma piada de carioca, mas também aproveitam para elogiar nosso tom de pele e perguntar pela praia, pela beleza da cidade, com aquela voz anasalada, que a meus ouvidos parece infantil. Já nós, cariocas, temos uma ginga malandra ao falar, um jeito agressivo, um radar para captar o perigo que nos cerca a todo o momento.
Em Brasília, com suas construções feias, árvores bonitas que crescem apesar da força do barro, ruas esquisitas, sem esquinas e sem gente caminhando, uma vida de shopping center, pode-se ir em casa para almoçar. No Rio, se a gente vai em casa almoçar, desaba de cansaço. Não dá tempo, tudo é muito distante, o trânsito é confuso. Brasília é árida, apesar da vegetação que subsiste graças à irrigação constante. Fala-se outro dialeto, veste-se outro tipo de roupa, mas as crianças brincam nas ruas até de noite. Um rapazinho pega ônibus à noite e os pais não se preocupam neuroticamente. Outro dia, conversando com colegas vinte anos mais jovens, contei que, em criança costumava passear à noite, arrastada por meus pais, pelas ruas de Ipanema e Copacabana. Todas as noites de verão, já que não tínhamos televisão e meus pais adoravam "dar uma voltinha". Eu ia, furiosa, porque preferia ficar brincando com minhas bonecas de papel. Meus jovens colegas se espantaram, pois passeio noturno não existe no Rio de Janeiro há pelo menos trinta anos. Passear mesmo, andar a pé, sem carro, sem destino, sem ir, necessariamente a algum lugar para gastar dinheiro.
Atualmente, andamos muito por aí, mas com objetivo de saúde, nunca apenas para "dar uma voltinha", como Papai falava. Sei que em Brasília há um alto consumo de drogas, violência urbana, acidentes de carro. Mas há uns bons trinta anos não ouvia alarido de crianças brincando na rua até a mãe acabar com a festa, avisando que os meninos tinham de subir para tomar banho e jantar. Isso ainda acontece no Rio. Mas só pelo interfone do apartamento para o playground.



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